ESCRAVIDÃO
Encontro contigo sem que estejas
Vejo-te em todas as coisas
Onde não me deparo contigo
Brotas dos cantos da casa
Surges do meio do nada
Sem que me aperceba, chegas
Surpreendendo quem não mais se espanta.
Quando te tornastes coisa sem nome
Na minha vida, o ar empobreceu,
Faltando-me, às vezes, ao pensar em ti.
O que era belo desencantou
Nunca mais meus olhos sorriram
Posto teres surrupiado deles o brilho.
Passo em escuro a maior parte
Dos dias claros e vívidos.
Não me envergonho dessa tristeza
Quando, repetem-me, é passado.
Não que meus momentos sejam amargos
Ou passe minha vida infeliz.
Tenho momentos de felicidade
Que não compartilho na tua ausência.
Não quero mais que voltes
Ou deparar-me contigo fisicamente
Repente, nalguma rua costumeira.
Quero que permaneças onde moras:
Na impossibilidade do tacto
No limbo do desejo
Na lembrança amada
Contigo nessa distância segura
Posso vencer os dias em paz
Com a plena certeza da cura
Do mal que um dia me acometeu.
Sem que saibas, em sorrisos
Apodero-me do melhor que tinhas
Ando aéreo, cabeça no vento
Pés no chão, porém, atento
É assim que vives em mim
Fiel escudeira da tristeza
Nascendo em cada momento
Para espantar medo e tormento
Da ausência que contigo sentia.
Serves-me de alento na solidão
Para que nunca mais me traia essa mão
Que escrevia a ti cartas apaixonadas
Por ter se acostumado à tua palma
Sem saber, agora, firmar-se em mais nada.
Quando for certa a hora
Sei que farás tua despedida
Sem mágoa por ir-se embora.
Será esse o momento da alforria
Quando te livrarei dos elos
Que a mim te prendiam.
Nesse momento estarei sozinho
e nada mais fará sentido.