Balas

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Tépida Tarde Sem Ocaso

Páginas alvas vitimei num abandono sereno.
Hão de momentâneas, em atos e interesses,
Deitar-se como pena.
Desígnio enleado de seu chão, lama fresca e fortuna.
Sem antecipar o sentir da experiência,
Como nos é de costume.
Alcanço-as flutuantes; intocáveis onde as deixei;
Às vezes.
Ei de ater o nascituro alheio
Da pretensão catártica do arfar.
Nas vezes.

Melopeia de dias invisíveis, Plurais da graça,
Tem me cadavérica. Tijolos, assoalho, pés e passos,
O cheiro frio do orvalho que o reboco emite;
Em tal não me permito a muito.
Pesam as mãos que consolar meus ombros.
Atento aos meus braços,
Finas cicatrizes engordam-me os pulmões
Com o ar narcóticos do orgulho do ferido;
Mas será que acidentais todos os cortes?

Raramente lavo as mãos antes de segurar uma mentira.
Está garantido o inevitável poder de errar,
Esse pássaro desbotado plainando
Sobre o furioso soldado sem balas.
Ele escapou da guerra
— O pássaro, não o homem. Nunca o homem —;
Ele chegou a cidade;
Ele adentrou o beco dos malogrados
Quando somente a escuridão
Soube lhe prometer segurança

Macambúzio o velho mendigo único.
Dentre tantos, só seus escassos olhos crus
Defrontaram a natureza ofuscante da decepção.
As sombras vencidas sussurravam elogios,
Acompanhando a incerteza do bater das asas.
A esperança padecia,
Levada pela brisa mais desinteressada;
Ainda sim sorriu. Paulatino descolou os lábios,
Estendendo fios de baba
Na dimensão vertical de sua boca;
Ergueu os pináculos das bochechas,
Quebrando as crostas de esqualidez
Que cingiam seu nariz amarrotado.
Um raio azul dentro da fuligem.

Sou molhos de momentos lacrados
Mas sempre haverá o peixe não pescado,
O livro não escrito, o romance inaudito.
Toda pessoa será uma obra inacabada,
Uma porta aberta, tépida tarde sem ocaso.

Somos o velho mendigo,
Tolhidos do último sorriso.

Foto de Ivone Boechat

Professor

Alguém um dia se propôs a trabalhar na construção de vidas, estudou psicologia, filosofia e as melhores técnicas de comunicação. Passou dias, horas e minutos, observando o comportamento de todas as faixas etárias do ser humano.

Alguém que se percebeu vocacionado e, atendendo aos apelos do coração, inscreveu-se na batalha de frente da luta milenar contra os analfabetismos.
Alguém se especializou nas oficinas mecânicas do ser humano e candidatou-se a reformar conceitos e valores da educação mal orientada.

Alguém se inscreveu no concurso da vida, não se importando de sacrificar o próprio corpo na concorrência desleal de convênios, convenções, tratados e dissídios.

Alguém se fez alheio às dificuldades, tendo plena certeza delas, e saiu disposto a questionar leis, portarias, resoluções e regimentos. Nos desmaios da sobrevivência, impôs-se.

Alguém foi nomeado, designado, empossado para o exercício do magistério, não se perdeu no labirinto do caminho nem se assustou com o fantasma da exigência impossível. Saiu a procurar o aluno perdido, nas balas perdidas da guerra civil.

Alguém convive com a distância, com a fome, com a injustiça, com a carência e a canseira, contudo, ensina gerações a acreditar no futuro, a ter fé e não se deter.

Para um ser assim tão especial, só um nome poderia identificá-lo: PROFESSOR.

Ivone Boechat

Foto de Ivone Boechat

Professor

Alguém um dia se propôs a trabalhar na construção de vidas, estudou psicologia, filosofia e as melhores técnicas de comunicação. Passou dias, horas e minutos, observando o comportamento de todas as faixas etárias do ser humano.

Alguém que se percebeu vocacionado e, atendendo aos apelos do coração, inscreveu-se na batalha de frente da luta milenar contra os analfabetismos.
Alguém se especializou nas oficinas mecânicas do ser humano e candidatou-se a reformar conceitos e valores da educação mal orientada.

Alguém se inscreveu no concurso da vida, não se importando de sacrificar o próprio corpo na concorrência desleal de convênios, convenções, tratados e dissídios.

Alguém se fez alheio às dificuldades, tendo plena certeza delas, e saiu disposto a questionar leis, portarias, resoluções e regimentos. Nos desmaios da sobrevivência, impôs-se.

Alguém foi nomeado, designado, empossado para o exercício do magistério, não se perdeu no labirinto do caminho nem se assustou com o fantasma da exigência impossível. Saiu a procurar o aluno perdido, nas balas perdidas da guerra civil.

Alguém convive com a distância, com a fome, com a injustiça, com a carência e a canseira, contudo, ensina gerações a acreditar no futuro, a ter fé e não se deter.

Para um ser assim tão especial, só um nome poderia identificá-lo: PROFESSOR.

Foto de Zoom onyx sthakklowsky kachelovsky kacetovisk

Algum Lugar

A liberdade de um dia, leva a estrada, a estrada, à qualquer lugar. Ainda se pode sentir o calor de brasas. Círculos giram e ecoam o passado.
As balas são de prata, os pecados apagados. Metade do mundo, é você que cria. Desse jeito, podes ser, os anéis e o punhal de Lampião, o espinho do mandacaru, a volante, a pedra perdida na imensidão.

Foto de Ivone Boechat

Carta a um pai

Eu cresci, papai, pensando que você era um gênio, o homem mais forte do mundo, infalível, capaz de dar soluções a todos os problemas de nossa família ou de qualquer outra.
O tempo foi passando e o contato com o mundo, a maturidade, o juízo melhor de todas as coisas, as experiências pessoais, foram esclarecendo, desmascarando as fantasias sobre a vida e mostrando o homem comum que estava debaixo do invólucro misterioso que se escondia, quem sabe, por detrás dos seus óculos.
Lembro-me, perfeitamente, do seu chapéu de camurça marrom-escuro. Naquele tempo, era a última moda. Como o senhor perdia as abotoaduras todos os dias! ... a gente já estava acostumado a procurá-las. Quem achasse ganhava um beijo. Muitas vezes essa aventura acabava em choro, porque ciúme de um beijo de pai dói muito.
Havia uma reunião secreta dos filhos, quando as exigências eram demais. Reclamávamos uns com os outros que ser criança estava difícil. Meus irmãos afirmavam que, quando crescessem, iriam deixar seus guris fazerem o que quisessem. Filosofia de criança é engraçada, não é?
Hoje, meu pai, entendo você. O seu olhar era um sermão eficiente que penetrava. Suas promessas de castigo eram sempre adiadas, seus pacotes de balas eram um compromisso de todas as viagens e também a sua presença à nossa cabeceira, nas doenças. Quanta chantagem faz um filho nessas horas.
- Papai, quando eu melhorar você compra aquela boneca que vi na loja do seu Waldemar?
- Claro, quando você sarar, papai compra tudo.
Foi muito bom ter você como pai. Um homem honesto, sério, forte., solidário. O senhor foi um guerreiro, um exemplo. Suas lições estão sendo folheadas nas páginas da cartilha de todos os dias. Cada preciosa palavra aprendida tem-me ajudado a entender o rigor da sobrevivência. Tenho feito um esforço imenso para afastar de mim os empecilhos que, às vezes, não me deixam copiar você.
Sua filha.

Ivone Boechat
Publicado no livro Por uma Escola Humana, Ed. Freitas Bastos, pág. 182- 1RJ 1987

Foto de Ivone Boechat

Confissões de um menor abandonado

Eu sei que sou culpado,
não tive a capacidade de assumir a administração de minha vida, não fui capaz de resolver as emoções infantis nem consegui equilibrar-me sobre os obstáculos que herdei da sociedade.
Até que me esforcei! Olhei para a vida de meus pais, porém, os desentendimentos de seu casamento falido nublaram os tais exemplos de que ouvi falar, só falar.
Não tive o privilégio de me aquecer no meu próprio lar, porque faltou-lhe a chama do amor, sustentando-nos unidos. Cada qual saiu para o seu lado. Na confusão da vida me perdi.
Candidatei-me à escola. Juntei a identidade civil ao retrato desbotado, botei a melhor farda de guerreiro, entrei na fila. Humilhado por tantas exigências, implorando prazos, descontos e vaga, sentei-me num banco escolar, jurei persistência, encarei o desafio.
- Joãozinho, você não sabe sentar-se?
- Joãozinho, seu material está incompleto.
- Joãozinho, seu trabalho de pesquisa está horrível.
- Joãozinho, seu uniforme está ridículo.
A barra foi pesando, fui sendo passado para trás e vendo que escola é coisa de rico. Um dia, arrependi-me, mas a professora se escandalizou das faltas (nem eram tantas!) e disse que meu nome já estava riscado, há muito tempo. O que fazer? Dei marcha à ré ali e, olhando a turma, com vergonha, fui saindo.
Moro nas marquises, debaixo da ponte, nas calçadas e não moro em lugar nenhum. Tenho avós, pais, irmãos e primos, mas não tenho família. Tenho idade de criança e desilusões de adulto. Minha aparência assusta as pessoas e nada posso fazer. A cada dia que passa, estou mais sujo, mais anêmico, mais fraco.
Sou um rosto perdido, perambulando, em solo brasileiro. Na verdade, chamam-nos menores, todavia, somos os maiores desgraçados.
Vendo balas num sinal de trânsito que muda de cor a cada minuto. Quando o sinal fica vermelho, os carros param, meu coração dispara. Para nós, menores abandonados, o vermelho é a cor da esperança.

Ivone Boechat

Publicado no livro Por uma Escola Humana, pág.121 Ed. Freitas Bastos, RJ 1987

Foto de João Victor Tavares Sampaio

Setembro - Capítulo 10

Escrever exige uma intensa entrega pessoal e total desprendimento dos preconceitos e convicções. Como eu não tenho amor próprio, faz dez anos que estou nessa. Com gente lendo ou não, faça chuva ou sol, tendo eu dinheiro ou estando duro, para os diplomados e os analfabetos, eu vou fazendo a minha arte, como o Sísifo, me lembra o Camus, vou levando a rocha pro alto do morro e deixando cair todos os dias. Essa é a minha verdade, gente que sou até agora.
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Enquanto o fogo consumia tudo, e as pessoas viviam seus amores, seus valores e seus pecados, Clarisse subia para a cidade em busca de se reconciliar com o seu passado e destruir os insetos que a haviam humilhado ou algo parecido. Ela iria falar com o Luís Maurício, com o Patrício, com o Fabrício, com quem pudesse matar as pessoas e devolvê-las para sua posição de subserviência. Quando ela se levantou, parecia até branca, como se um Feliciano a tivesse abençoado da miscigenação racial e da indivisível respiração coletiva, como se fora brincadeira de roda, memória, o jogo do trabalho na dança das mãos. Ela estava montada. A balada da sociabilidade lhe abria os braços e o coração. Ali era o seu lugar, voltava pra ficar. A luta pelo poder enfim teria o seu final.
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- Calma gente, calma gente!

A voz de Dimas se tornava cada vez menos ativa.

- Vamos ficar em paz!

O que Dimas não entendia, e isso é claro para todos os que ali estavam, é que somos animais. É por isso que não acredito em Rogers, quando ele diz que o ser humano é bom. Pois bem, o ser humano é bom... para ele! É algo natural ser egoísta. O que Sartre não os contou, o que Husserl e Rousseau omitiram descaradamente, bem como os líderes humanitários, é que o amor e a cooperação são alienígenas ao instinto pessoal de se sobreviver e de continuar. Procuramos o que é vantajoso e seguro para a consciência. Isso não é escolher ao mal. Isso é reconhecer uma característica da nossa essência, que na verdade é indiferente para a moral, que foi inventada com o tempo, bem como todos os conceitos psicológicos e existenciais. E então a Torta lhe deu um beijo.
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- Então, eu destruí eles.

- Mas quem te disse que os queríamos destruídos?

Clarisse ruboriza-se ainda mais.

- Os dominados, os engolidores... Eles é que sustentam o nosso modo de vida. Eles são o nosso alimento, o nosso instrumento, sem os nossos escravos, não há como gerar a riqueza. É como imaginar um mundo sem pobres. Alguém sempre acabará subjugado. É a lei natural, Talião, na prática! Se você não tivesse ido para lá eles não estariam envenenados com a sede do poder. Bom, o erro foi nosso. Agora já foi. Não importa. Fique aí e não incomode mais.

A batalha final era enfim preparada.
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O fogo subia os castelos. As espadas faiscavam. As bazucas, os bodoques...

- Toma!

A cobra fumava.

- Morre diabo!

Tudo resplandecia a tragédia, como a velha praça Tahir, como uma Nova Deli, como em uma Hiroshima deflorada, como um Brasil em época de hiperinflação, como o rompimento do namoro de uma adolescente, como a queda de divisão de um time de futebol, um câncer, um escorregão idiota num dia da saudade, a cabeça no meio-fio.

- Burn, motherfucker, burn...
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Dimas subia com os miseráveis a ladeira da cidade. Arrombavam as portas. Alastravam um medo até então desconhecido aos porões dos vencedores, suas famílias funcionais, suas menoridades penais, seu pleno conservadorismo e hipocrisia. Batiam as panelas, ignoravam as balas que lhe atiravam, quebravam as bancas. O saque indignava. O estupro coletivo era feito sem cerimônias prévias.

- Muerte! Muerte!

A bandalha hasteava a bandeira do assistencialismo. Colocavam seus headphones e atendiam o furor da sua maldade. A humilhação acabava, ou assim pensavam. Tinham tomado tudo.
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- Se você não pode vencer um inimigo, junte-se a ele.

Luís Maurício assim neutralizava a queda da sua Bastilha. Os seres de sangue frio haviam se misturado ao coro sem que se percebesse. Pediram a rendição, um tempo. Patrício, que era o chefe da comunidade até então, degolado, foi dependurado no alto de uma varanda como um pálido estandarte, corno, empalado em uma lança. O líder seria escolhido e Dimas seria o jacobino. A Torta seria a primeira-dama, e Clarisse, sua concubina. Até que ele disse o que não devia.

- Eu vou embora. Vocês conseguiram o que tanto desejavam. Agora não me atormentem mais.

Sequer Zaratustra havia sido tão ousado. Para onde iria Dimas, o santo? Para quarenta dias no deserto? Eu poderia falar no próximo parágrafo, mas não é bem isso o que vou fazer.
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- Esse nome não me serve mais. Revelarei meu nome. Eu sou a discórdia. Eu entreguei o pomo da primeira história. Quem quiser me acompanhe. Quem não quiser, fique aí e seja feliz.

As perguntas que te surgiram serão respondidas mais pra frente.

Foto de Carmen Vervloet

Um Novo Brasil

O povo brasileiro despertou
e a esperança voltou a brotar,
os albores do futuro já se anunciam,
nossas utopias voltamos a projetar!

Buscamos o verdadeiro caminho...
O que passa pelo cuidado,
pelo respeito, pelo amor,
pela responsabilidade coletiva,
onde, juntos, já não andaremos à deriva,
assim garantiremos a proteção do Brasil,
sem balas, sem guerra, sem fuzil.
Apenas como soldados da paz,
mas acreditando que unidos seremos capaz
de transformar este nosso amado país,
cada um atuando como rigoroso e justo juiz,
pressionando aos que detém o poder
com o poder da nossa união
que dará novo rumo à nossa amada nação!

Todos terão direito à educação,
a saúde será sempre priorizada,
colocaremos um ponto final na corrupção,
já não haverá nas ruas crianças abandonadas.
Os velhinhos receberão suas aposentadorias
com os reajustes compatíveis com a inflação
vivendo seus dias com distinção e alegria
respeitados e honrados como dignos cidadãos.
Mandaremos para a prisão
os poderosos corruptos que dizimam,
como praga, a nossa nação!

O povo unido é a égide de nosso Brasil,
Com ORDEM E PROGRESSO enfrentaremos qualquer ardil.

Foto de carlosmustang

DESTRAMBOLHOS

No maldito caldeirão do inferno
A alegria aforece
Lábios belos linda morena
No perverso caldeirão tudo introspectar

O Tesão aflora, saudade extrapola
No caldeirão todos são fracos
E alguns procuram mexer com balas
Vida é tão rara! Arma dispara

Nessa porra valiosa, esparsa
Me procuro saber de um certo amor
Pra contar, confiar, surpreender

Vida de cantos tristes, confusa,persiste
Bela, me arrasto pra ter um amor
Me embebedar na simbiose alma, VIVER

Foto de Evandro Machado Luciano

A Louca dos Espelhos

Os espelhos estavam voltados para as estradas da cidade de Outrora. Todo domingo Ofélia virava os seis espelhos de sua casa para a rua. Ninguém, absolutamente ninguém sabia o motivo. Alguns, mais perspicazes, ousavam especular...
Enfim...
Imagine, você andando tranquilamente pela estrada de chão batido, quando de repente, não mais que de repente, se depara com a imagem mais horripilante que possa ser concebida pela mente humana. Sim, os espelhos estavam voltados para a rua. Ofélia era, sem dúvida, a mulher mais maligna que a cidade de Outrora já conhecera. E não havia nada a ser feito. Ora bolas, a polícia local tentou de tudo: balas de canhão, bombas de hidrogênio, e armamentos bélicos jamais vistos, nem mesmo em Outrora. Os espelhos não quebravam de jeito algum. Magia? Alquimia? Sei não, havia algo de muito estranho naquela mulher.

O que sempre me incomodou naquele ser odioso, – veja bem, refiro-me à OFÉLIA- é que seus surtos psicopáticos aconteciam apenas nos domingos. Nos outros dias da semana, Ofélia agia como uma perfeita mulher de Outrora. Mantinha-se calma, submissa, obediente aos bons costumes e, jamais relava seus calejados dedos sobre os amaldiçoados espelhos. Que tinha aquela mulher? Que vozes lhe ordenavam repudiar os bons costumes e reverter sua normalidade em ousadia repreensiva? Quem era aquela mulher para apresentar ao mundo imagens tão devastadoras?
Ouviu-se dizer, que um dia desses, Outrora havia sido invadida por uma tropa distinta, vinda diretamente de Lugar Algum. Esses rebeldes enrustidos fantasiavam-se de nobres senhores, apoiados sob a retórica social, e desfilavam asneiras em praças públicas. Certa feita, pernoitaram na residência de Ofélia. Ao amanhecer, diziam querer libertá-la dos grilhões de Outrora, e conduzi-la à Lugar Algum.

Que desrespeito! Uma mulher exemplar, corrompida por estes arruaceiros. A partir daí, aquela casa nuca mais fora a mesma. Doravante, todos os domingos seriam de extremo pavor para os transeuntes da cidade.
Aquelas ruas nunca mais foram as mesmas.
Quando a semana anunciava o crepúsculo, todos temiam passar em frente à casa da louca dos espelhos. Enquanto isso, Ofélia sonhava. Sonhava com Lugar Algum.

Exceto nos outros dias, quando se tornava a mulher exemplar.

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