Blog de JGMOREIRA

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ESCRAVIDÃO

ESCRAVIDÃO

Encontro contigo sem que estejas
Vejo-te em todas as coisas
Onde não me deparo contigo
Brotas dos cantos da casa
Surges do meio do nada
Sem que me aperceba, chegas
Surpreendendo quem não mais se espanta.

Quando te tornastes coisa sem nome
Na minha vida, o ar empobreceu,
Faltando-me, às vezes, ao pensar em ti.

O que era belo desencantou
Nunca mais meus olhos sorriram
Posto teres surrupiado deles o brilho.

Passo em escuro a maior parte
Dos dias claros e vívidos.
Não me envergonho dessa tristeza
Quando, repetem-me, é passado.
Não que meus momentos sejam amargos
Ou passe minha vida infeliz.
Tenho momentos de felicidade
Que não compartilho na tua ausência.

Não quero mais que voltes
Ou deparar-me contigo fisicamente
Repente, nalguma rua costumeira.
Quero que permaneças onde moras:
Na impossibilidade do tacto
No limbo do desejo
Na lembrança amada

Contigo nessa distância segura
Posso vencer os dias em paz
Com a plena certeza da cura
Do mal que um dia me acometeu.

Sem que saibas, em sorrisos
Apodero-me do melhor que tinhas
Ando aéreo, cabeça no vento
Pés no chão, porém, atento

É assim que vives em mim
Fiel escudeira da tristeza
Nascendo em cada momento
Para espantar medo e tormento
Da ausência que contigo sentia.

Serves-me de alento na solidão
Para que nunca mais me traia essa mão
Que escrevia a ti cartas apaixonadas
Por ter se acostumado à tua palma
Sem saber, agora, firmar-se em mais nada.

Quando for certa a hora
Sei que farás tua despedida
Sem mágoa por ir-se embora.
Será esse o momento da alforria
Quando te livrarei dos elos
Que a mim te prendiam.

Nesse momento estarei sozinho
e nada mais fará sentido.

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EROSÃO

EROSÃO

Tenho, cá comigo, a leve impressão
de algo perdido em algum lugar.
De algum dia de felicidade guardado
onde? Não posso lembrar com exatidão.

O coração, falésia, fica acabando devagar
na esperança de que a mão alcance
onde a emoção se esconde
para que não eroda de vez o que resta a amar.

Fico com medo, essa incrível ausência de amor
que arranca de mim a coragem para o gesto
que seria na verdade a salvação do náufrago
imóvel enquanto o barco salvador vai ao largo.

Talvez, quando nada mais reste a sentir
e sobreviva apenas o pensar no porvir
descubra que nada era dígno de ser tão sofrido
tão ameaçadoramente vivido.

Restam poucas coisas a serem vistas ou sentidas.
O que passou deixou restos, aluvião,
onde chafurdo o presente que é minha vida.
Viver com medo é viver pela metade cada emoção

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ENTRAVES

ENTRAVES

Por que não me amas?
Não. Não que me pegues e comas
mas que ames.
Que faças com que me sinta eterna
que me ronde as tristezas
me proteja na chuva
faças com que me sinta mulher.

Por que não amas?
Talvez passe longe do teu entendimento
a fragilidade dos sentimentos
que acometem toda mulher.
Coisas de lua e de signos
que tornam pesados todos os desígnios
de quem tem a alma oca
para parir, rir no medo e do destino.

Não. Não me queiras estátua
capaz de suportar, mármore,
tuas caminhadas e vitórias.
Nem me queiras como adorno
troféu para ser exibido
nem descanso da tua libido.

Por que não amas?
Por que não me fazes companheira
não me declinas o verbo amigo?
Por que insistes nas diferenças
como se depurássemos desavenças
Não fazes da cama abrigo.

E tu nem sentes que passas através de mim
como se eu fosse sombra, vulto
com massa e volume, densidade e forma
Por que não procuras entender esse indivisível
feminino constituído de metades
que se abrem para receber-te inteiro
que goza ao sentir teu cheiro
que se delicia com mínimos mimos

Tu não percebes nada
ficas aí, no vão da escada
preocupado com exterioridades
sem encontrar a mim, emersa da tristeza
inquilina em ti
tendo-te como senhorio em mim.
Por que não mergulha de cabeça
não deixas que a fragilidade te aconteça
te esqueças homem e sejas apenas gente
que encontra gente para ser mais gente
deixa-te, apenas, ser, sem considerações.

Por que não amas?
Fala comigo, deixa-me te adornar com carinhos
deixa-te esvaziar de perigos
para que eu sinta que me amas
e adore que me pegues e me comas.

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EM FORMA DE OBJETO

EM FORMA DE OBJETO

ANDO EM FORMA DE OBJETO
SEM NENHUM DESEJO SECRETO
SEM NENHUMA GALHARDIA
SEM NADA QUE ME DEFENDA

TENHO ESSE AR BLASÉ
DE QUEM NÃO VIU O QUE OLHOU
COMO SE FOSSE IMPORTANTE
TER A MÃO DISTANTE
DO GESTO QUE SOCORRE

TALVES TU BRINCASSES EM MEUS PARQUES
SE HOUVESSE TEMPO PARA MAIS UM DIA
MAS É SEMPRE ESSA URGÊNCIA DESESPERANTE
ESSE DIA A MAIS QUE DIMINUI NOSSOS INSTANTES
ESSA PRESSA DE FUTURO INCERTO
QUE FEZ DO SAARA DESERT0
QUE FEZ DE MIM ESSA ROTINA

ASSIM QUE SOLTAREM OS PÁSSAROS
QUE GEMEREM AS RODAS
QUE SUAREM AS ENGRENAGENS
QUE TENHO ASPIRADO NESSE TEMPO IRADO
TALVE EU ME SOLTE UM POUCO
PERCEBA QUE HÁ ALGO CONCRETO
ALÉM DESSA FORMA DE OBJETO
COM QUE DEFINO MINHA PASSAGEM

AMANHÃ, ESSA PROMESSA CONSTANTE
COLHEREI ALGUMAS FLORES
TRAREI ALGUMAS NOVAS FORMAS
DE DIZER QUE JÁ É TARDE
ENQUANTO ISSO, RODA A RODA
DO PARQUE QUE TIVE DENTRO
QUE FICA DOENDO
ESPERANDO TUA CHEGADA
TUA RISADA
APENAS PARA BRINCAR

QUE SO TU ENTENDES PERFEITO
QUE ESSA FORMA DE OBJETO
É MINHA DEFESA OU JEITO
DE DIZER QUE SÓ A TI AMO E ESPERO
MESMO QUE SEJA AMANHÃ, OU DEPOIS
OU QUANDO PARAR O TEMPO
E TODAS AS MÁQUINAS EMPERRAREM.

QUE SÓ TU PODES SUAVIZAR
ESSE JEITO OBJETO DE ANDAR
ESSES TALHOS DO TEMPO NO ROSTO
ESSA TRANQUILA FALTA DE GOSTO
ESSA ESPERA QUE HÁ DE ME MATAR.

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ÉGIDE

ÉGIDE

Antes que minha mão busque o cigarro
Algo se impõe entre ela e mim,
Como sombra.
Um fantasma de ti que não mais assombra
Apenas surfa nas ondas
Das lembranças
Querendo estar vivo dentro de mim
Quando já há muito morri
Contigo dentro de mim.

Horas vãs, horas vagas,
imperpétuas de felicidade
Sonhos vivos ao romper do dia
Amargas horas, doces sonhos na aurora
leve madrugada a fugir do claror do dia

Antes que meu coração almeje o punhal
Um vulto vem ao ouvido dizer
Palavras que amortecem todas as quedas
Que torna minha ânsia lerda
Afasta das desgraças o mal.
Os espectros que passeam pela casa
Passe-partout, escancaram cômodos
Estabelecem quartos de vigília
Protegendo a mim que já morri de ti.

Horas vãs, horas vagas,
Imperpétuas de felicidade
o coração se abastece de esperanças
Claro-escuro, o crepúsculo abraça o dia.

Assoma o vulto, passa perto
deixa no ar um perfume que nunca esqueço
uma dor que não mereço
um sentimento que não mais quero.
Sorrio o sorriso dos conformados
quando o coração que fora sepulcro
redivive o que cria lapidificado
Meu lastro único no mundo
É este amor que vaga eterizado

Coisa vã, horas vagas, incrédulas na felicidade
quando se mistura a noite no dia
Adormeço lentamente, antes do cigarro
sabendo que não mato em mim o que de ti havia
pois, abastece-me de esperança tua presença
a esperança abastece-se de vida. Minha
única proteção na aurora ao fulgir do dia.

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ECOS

ECOS

p/CB
Ecoam nas saudades tuas palavras:
incognoscível infortúnio a idade
que tive de senhor do mundo
quando se perde as rédeas
bridão, restando apenas as crinas
para manter-se sobre esse alazão.

Tuas notícias chegam pelo ar
empolgadas pelo comercial
da Ana Paulo Arósio.
Passeio dentro de mim
em leves sorrisos
lembrando de ti
lembrando o que o tempo permite
o que a distância não desfez.

Como é feliz
o tempo que consegue
transformar saudade em bem-querer
nesses tempos de cruzadas anglo-americanas
nessas épocas sem segredo
de Lua já pisada
de Marte à vista.

Talvez eu nunca mais decifre nada
que existem satélites à espreita
arapongas nas escutas
e esses certeiros Scuds
Mas, mesmo nessa miscelânea
consigo sorrir como quem levita
ao ouvir tuas palavras na Panasonic
até me esquecendo do diário Rivotril.

Nada direi que possa ferir esse carinho
esse afago que sua voz me causa
nos males d'alma
Nada direi que as palavras
são reles instrumentos
para lapidar sentimentos
terminando por confundir
fundo e forma, lobo e cordeiro

Às vezes não tenho coragem
de responder teus recados
que nem tudo vale a pena
para quem tem alma pequena
nesses dias de grandes mercados
luminosos shoppings
sombras fugindo das pessoas

Silencio na São Sebastião:
um homem sorri sozinho
como soe aos loucos, aos tolos
aos que se cobrem com afagos
dormem sossegados
sabendo que além dos olhos
além da distância
além do tempo
fica a felicidade de saber
que nunca ricochetearão n'algum
sofrimento as tuas falas

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DO MEDO

DO MEDO

Não há nada
O que há
O que verdadeiramente existe
É o medo
Esse sentimento universal
Que nos irmana
E distancia
Que faz com que eu te mate
Ou abrace
Dependendo do peso do medo

Não há tudo
O que há é esse
Excesso de coragem
De segredo
Que nos faz velar
Noite após noite:
O que com maior zelo guardamos
É o medo com que nos matamos
E nos consumimos
E nos entregamos a esse outro
Corpo túrgido de medo
Ao lado

O que vive
É o medo
O medo de estar calado
De estar só
Principalmente de estar só
Sem uma mão medrosa
Que nos afaste os cabelos
Da testa perolada de medo

Há o medo de acordar
amanhã cedo
de enfrentar o patrão
e horário
sem nada erguer em nome
do universo
por causa do salário

somos filhos do medo
pais do medo
nossas crias, decerto
investirão no futuro
irão ao espaço
encontrarão civilizações
E lá, nesse lugar
Alguém estará segredando
A um papel confessor
Que o que há é o medo
Essa incrível ausência
De amor.

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DO HOMEM QUE SE TORNOU ESCRAVO DA VIDA

DO HOMEM QUE SE TORNOU ESCRAVO DA VIDA

Para.
Para de olhar com essa cara
de quem perdeu o gol do Vasco
Menino que quebrou o brinquedo

Fala alguma coisa que quebre o gelo
que encha o copo para ser servido
que eu sou todo ouvidos.

Passo por ti todos os dias
e nenhum alarme em ti dispara
Não vês na minha cara
que me fazes falta?
Que te quero todos os dias
na alegria e na tristeza?
Não percebes que te quero no colo
na cama, rindo de deslocar o maxilar
ou chorando teus fracassos?

Mas não quero te servir de descanso
Não quero ser teu amparo no desespero
se quando chego para falar-te de mim
tens sempre uma desculpa.
Do que é que tens medo?

De que me revele a ti, expondo fraquezas
Por acaso não pensaste que sou humana
e que não acabo na bunda nem na beleza?

Como queres que eu te ame se não falamos?
Não trocamos confidências
não existe afago em nossos "eu te amo"

Pensas acaso que quando desmontas
eu não fico tonta
Que fica faltando uma parte tua
quando no banho me escorres nas pernas nuas?

Para. Para de fazer de conta que me amas
e desata esse nó na garganta.
E me fazes crer que sou só tua
de uma cumplicidade criminosa
que me excitarás só de pensar que virás
para a casa que queremos lar
cheio de felicidades nossas.

A tão sonhada liberdade
que almejas com tanta vontade
só será alcançada
quando me completares minhas metades
quando me recheares com tuas verdades
quando, enfim, deixares de ser covarde
para ser homem que fala, sente, chora, ri
para que eu possa amar a ti
e não aquilo que me mostras todos os dias
que não passa de filosofia
com algum traço de poesia
que morre na beira da realidade
quando te calas e me deixas morta de saudade
do homem que conheci um dia

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DISPARADA

DISPARADA

Passam por mim em disparada.
Oiço-lhes o tropel. Voz muda.
As mãos não chegam às rédeas
A vontade não serve para nada.

A velocidade das cavalgaduras
Atordoa meus olhos. Fere.
Ficam no ar os riscos da sua passagem,
Manchas que atravessam as ruas.

Onde quer que vá é o atropelo.
São belos, vários pelos becos
Sob o sol, lua, amor e medo.
Não obedecem nada. Desespero.

Deliro em minhas janelas
Vendo-os riscar os dias.
Assustam-me nas noites
Quando passam. Mazelas.

Não encontro um sequer rocinante.
São sempre altivos, bravios, indômitos
Nada os detém, voam sem pousa
Estrebaria. Não lhes sei rumo nem nomes.

Um dia pensei tratar-se de tropilha
Que tivessem direção definida
Seguindo algum tropeiro ou dono
Mas é apenas cavalaria.

Observo a marcha forçada da bestiagem
Sem atinar com o sentido das idas e vindas
Como circulassem à minha volta em mostra
Do seu poder, fúria ou da pelagem.

Atônito, tendo dar sentido à manada
Dos anos que passam em disparada
Como se fossem cavalos sem brida
Todos os dias da minha vida.

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DIA CLARO

DIA CLARO
Sabes, às vezes me deparo comigo mesmo
parado diante o mar,
olhando onde nunca estarei
com a alma fremente de desejos de lá estar.

Os olhos que amam as ondas inatingíveis
olham as pegadas sulcadas na areia
decifrando para mim
o significado de mim mesmo:

Serás o homem da terra amando a possível sereia.
Minha boca salga com minhas lágrimas
por entender-me um homem de pouca aventurança.

Fico
até que o mar que nunca desbravei
perca-se na lembrança.

Quando, um dia, não puder mais navegar
talvez invente pra mim mesmo, uma aventura.
aquele mar inusitado de tanto ser lembrado
tornar-se-á a minha verdade mais segura.

E, assim, quando tombar a mão ao rés do corpo
sem mais respirar, lembrar ou qualquer gesto,
serei remetido para além das ondas
onde aventura-se a alma
do corpo que ora empresto.

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