Lembranças que trás ainda mais recordação, deixando um soluço em nossos corações.
Lembranças de minhas chupetas, eram tantas, todas coloridas.
Não me bastava uma para sugar, sempre carregava mais duas, três, nas mãos, talvez para que elas não sentissem saudades de mim, ou eu em minha infinita insegurança já persistia que era chegado o momento delas partirem.
Meu pai me aconselhou a plantá-las junto aos pés de rosas no jardim, por onde nasceriam lindos pés de chupetas coloridas, que seria sempre ornamentação.
Mas, nem mesmo a visão de um lindo e colorido pé de chupetas, venceram a imposição de vê-las soterradas, coibidas da liberdade.
Pensei no lago, poderiam ser mais que ornamento, poderia servir aos peixinhos, nas cores em profusão, mesmo sem ser alimentação, prismaria pela diversão.
Já com cinco anos, em um domingo depois da missa, com a coração tão apertadas quanto, estava todas elas embrulhadas no meu pequenino lenço que revestia meus cabelos do sol forte do verão, sentamos no barco, papai e eu e fomos até o centro do lago, onde deveria se concentrar a maior parte da família aquática, que muitas vezes em tuas brincadeiras familiar, ultrapassavam a margem, como se este fosse exatamente o palco da festa.
Ainda posso sentir minhas mãos tateando a matéria plástica, companheira e amiga de todos os dias, que para provar que existia, deixaram minha fileira de dentinhos, arrebitadinhos.
Razão óbvia pela qual gominhas coloridas enfeitaram minha adolescência de uma forma muito diferente, onde fios de metal era a mordaça que impunha restrição e decorava o riso, como uma cerca eletrificada, sem a placa “Perigo”.
O sol forte impôs urgência, e por mais que eu pensasse que elas ficariam bem, não conseguia imaginar como eu ficaria sem elas.
A voz terna e suave de papai, que sempre me inspirava confiança e bondade, como um afago nas mãos, preencheu minha mente, onde a coragem habitou e minhas mãos pequeninas, tremulas, deixaram que elas escorregassem, a caminho de teu novo lar.
Eram tantas... de todas as cores, eu gostava de segura-las as mãos alem de poder sentir teu paladar, era como se sempre poderia ter mais e mais ás mãos, sem medos ou receios de um dia não encontrá-las.
Papai quieto assistia meu marasmo em depositá-las na água de cor amarelada pelas chuvas do verão.
Despejadas na saia rodada de meu vestido, elas pareciam quietas demais, como se estivessem imaginando qual seria a próxima e a próxima e a próxima, e eu indecisa tentava ser justa, depositando primeiro as mais gasta, que já havia passado mais tempo comigo, mesmo que isto não me trouxesse conforto algum, eram as minhas chupetas, minhas fiéis escuderias dos tantos momentos que partilhamos, das tantas noites de tempestade, onde o vento açoitava fortes as árvores, os trovões ecoavam ensurdecedores, quando a casa toda dormia, e eu as tinha como companhia.
Pude sentir papai colocar teu grande chapéu de couro sobre minha cabeça para me protegendo sol forte, ficava olhando o remo, como se cada detalhe fosse de suprema importância, mas nós dois sabíamos que ele esperava pacientemente que se cumprisse à decisão gigante, que tua Pekena, (como ele me chamava carinhosamente) e grande garota.
Mesmo que fosse difícil e demorado, ele sabia que eu cumpriria com minha palavra, em deixar definitivamente as chupetas que me acompanharam por cinco felizes anos.
Por onde eu as deixava elas continuavam flutuantes, na seqüência da trajetória leve do barco, se distanciavam um pouco, mas não o suficiente para eu perdê-las de vista.
Só me restava entre os dedinhos suados, a amarelinha de florzinha lilás, não era a mais recente, mas sem duvida alguma minha preferida, aquela que eu sempre achava primeiro quando todas outras pareciam estar brincando de pique - esconde.
Deixei que minha mão a acompanhasse, senti a água fresca e turva que em contraste ao sol forte parecia um bálsamo em repouso, senti que ela se desprendia de meus dedos e como as outras, ganhava dimensão no espaço que nos separava.
O remo acentuava a uniformes e fortes gestos de encontro às águas, e como pontinhos coloridos elas foram se perdendo na visão, sem que eu pudesse ter certeza que ela faria do fundo do lago, junto a milhões de peixinhos coloridos tua nova residência.
Sabia que papai me observava atentamente, casa gesto, cada movimento, eu não iria chorar, eu sempre queria ser forte como o papai, como aqueles braços que agora me levantava e depositava em teu colo, trazendo minhas mãozinhas para se juntar ás tuas em volta do remo, onde teu rosto bem barbeado e bonito acariciava meus cabelos que impregnados de gotículas de suor grudava na face, debaixo daquele chapéu enorme.
Foi assim que chegamos na trilha que nos daria acesso mais fácil para retornar para casa, sem ter que percorrer mais meio milha até o embarcadouro da fazenda.
Muito tempo se passou, eu voltei muitas e muitas vezes pela beira do rio, ou simplesmente me assustava e voltava completamente ao deparar com algo colorido boiando nas águas daquela nascente tão amada, por onde passei minha infância.
Nunca chorei, foi um momento de uma difícil decisão, e por mais que eu tentasse mudar, era o único caminho a seguir, aprendi isto com meu pai, metas identificadas, metas tomadas, mesmo que pudesse doer, sempre seria melhor ser coerente e persistente, adiar só nos levaria a prolongar decisões que poderia com o passar do tempo, nos machucar ainda mais.
Também nunca tocamos no assunto, daquela manhã de sol forte, onde a amizade e coragem prevaleceram, nasceu uma frase... uma frase que me acompanhou por toda minha adolescência, que era uma forma delicada de papai perguntar se eu estava triste, uma frase que mais forte que os trovões em noites de tempestade, desliza suava pelos meus ouvidos em um som forte de uma voz que carinhosamente dava conotação a uma indagação... sempre que eu chegava de cabeça baixa, sandálias pelas mãos e calça arregaçada á altura do joelho... Procurando pelas chupetas, Pekena?
Fernanda Queiroz
Direitos Autorais Reservados
**Texto não concorrendo.**
Comentários
Stacarca - Nãna
Oi Nãna, desde o momento que te conheci (no qual lembro perfeitamente), vi esse seu lado menina, mesmo achando que você tinha 65 anos lembra? rsrsrs. Fui saber que era novinha bem depois, a primeira coisa que li sua foi o seu conto, antes que o ano termine, e posso afirmar que esse que acabo de ler (Lembrar, é poder viver de novo.) é tão igual a ele como qualquer outro escrito seu, sabe porque? Porque você não escreve com a mão, (ou com o teclado rsrs), você escreve com a alma, com o coração, e ler você em qualquer circunstância me faz bem, bem de poder dizer e gritar para todos que você é minha amiga, a que tanto te amo e sempre vou querer estar do lado. Bjs...
Bill
CARLOS/FERNANDA
Muito bonito resgate nostálgico poetisa!!!
UM GRANDE ABRAÇO AMIGA INCENTIVADORA.
carlosmustang.zip.net
Oi amiga Fernanda!!!
francila8@hotmail.com
Viajo nos teus escritos,
São doces sonhos,
Cheios de magia
Onde a poesia
Viaja leve e solta!!!
Digno de várias leituras!!
Parabéns querida, amei!!
Bjs a ti!!
...^^...
francila8@hotmail.com
Goreti/Fernanda
Belíssimo texto, Fernanda!
Fez-me recordar o drama de minha sobrinha Juliana para abandonar suas chupetas. Um dia conto como foi.
Mas o que mais comove no teu texto é a maneira sutil da qual teu pai se utilizava para indagar sobre as tuas dificuldades. Um homem sábio!
Beijos, querida.
Sim, lembrar é sentir saudades de Fernanda Queiroz
Bom mestre, melhor discípulo.
Enorme prazer em conhecer está página, sempre soube de sua paixão pelos contos e fábulas, rimas e acervos que desde cedo, pontilhava as redações e produções de textos.
A história é de uma humanidade linda, mas esta palavra “linda”, é marco de sua história, pequena Fernanda.
Sou do tempo do sorriso entre as chupetas e a armação metálica, das tentativas em te fazer pontuar corretamente, e daquela produção de texto que saiu no edital semanal da escola, e ganhou destaque na cidade e no campo, onde muitas complicações ocorreram.
Bem, você já deve se lembrar do que eu quero dizer.
Porque não faz uma prosa sobre o episódio?
Sem citar nomes é claro, porque agora você é uma formosa moça ajuizada.
Fernanda, foi um prazer enorme conhecer este seu trabalho, você é mesmo uma caixinha de surpresas, de onde só salta serpentinas e balões coloridos.
Será um prazer participar deste site dinâmico e talentoso. Pode contar comigo.
Parabéns pela narrativa poética e por este incentivo que hoje funciona como uma porta aberta á grandes conquistas.
Professor
Antero Gomes Soares
Antero Gomes Soares