Não te iluda a tristeza
que te prende, ilesa, antes da janela,
porquê para depois dela não há ceia
muita ou pouca, feia ou bonita,
em que não se lhe omita a menção.
Não te iluda a tangível impressão
das lembranças luzidas pelas horas:
memória das fartas tranças, cartas vestais
de outros natais de nossa estória,
que não têm mais que hoje
a glória de ser o dia
de celebrar a mais bela história,
que já se pode um dia contar;
porquê para além da tua porta
e por toda a casa que hoje te hospeda,
há mais caídas que saídas
e há muitos tipos de queda.
Nem te iluda o silêncio escuro,
que ante o muro das tuas crenças
lamenta o instante que te pertence,
num vau de horas imensas;
porquê um dia serão todas apenas
não mais que apenas um dia,
do rio eterno de águas lentas
que há de lavar esse momento
e de te levar ao centro
de tudo que te compõe a vida.
Para todos verem que só a ti pertencem,
para além da dor, o julgamento,
o inexplicável, o grado e o malgrado,
e todos os direitos que pertencem
a quem já foi julgado.
De entre os tristes abraços
erguem-se do abate os pedaços
de cada um de nós, coadjuvantes,
que assim encenamos o próprio resgate.