DAS VÁRIAS ESPÉCIES DE MALES QUE ATORMENTAM A ALMA
Se não fosse essa doença invisível
Que me torna essa coisa previsível
Decerto a vida seria diferente
Comigo inventando gente
de nova estirpe e contente.
Todos os cômodos da casa
Tornaram-se enfermaria
Onde guardo meus curativos
Para proteger a doença que procria.
Criei em mim esse mal, esse inimigo
Que abriga-se em mim, que se refugia
Dentro da minha alma e covardia
Estou doente. Terminado está cada dia.
Só tenho momentos de oxigênio
Não existe mais presente
O que respiro alimenta o mal que carrego
Que minha vida é quarto escuro
Sem janelas ou odores decentes.
Somos nós, eu e o mal, afrontados
Como amigos nunca afastados
Siameses, híbridos, assensos seres
Ao nascer do dia de guarda montada
Sabendo eu que ele se alimenta
Da minha vilania, alegria, palavra.
Nesse quarto escuro, sem portas
Sem trancas, sem futuro ou dignidade
Cultivo o que me mata
Sem poder fugir,
Dada a sua exigüidade.
Ficamos assim, a nos contemplar
Dia-a-dia, todo o tempo
Sem nada a dizer ou pensar
Para não lhe dar alimento para germinar
Que sua metástase ganha força no sofrimento
Que com o passar do tempo
Termino oferecendo
Quando passo a me expressar.
Entrei nesse retiro forçado da humanidade
Para que todas as dores fossem só a minha
Para não dividir, compartilhar, ofertar
O olhar triste de quem esqueceu amar
Cria-me homem imenso, imortal
Ulisses a suportar todas as dores
Mas desconhecia essa capacidade
Humana de vergar a qualquer custo
O mais forte sem nenhum esforço.
Criei esse mal em minha alma
Essa tristeza que procria no fundo
Que vara com calma e paciência
Meu coração com sua indecência.
Os doentes do corpo, nas enfermarias
Lamentam a sorte, afrontam Deus.
Cá, nessa minha construída agonia
Ignoro a morte, ergo as mãos ao céu
Dono dessa tristeza que me assaltou
Não sei bem quando nem aonde
Vou descobrindo que todas as doenças
São inventos puros da falta de amor.