Ladislau Catuna
Ladislau Catuna era um homem vulgar, tão vulgar que passava despercebido no seu pequeno mundo. Tinha todos os dias o seu momento, quando à noite se aventurava na rotina da bica depois do jantar, era já costume de anos, a pança encostada ao balcão, um múrmurio arrastado para a empregada: - uma bica por favor, a moeda já pronta nas calças, para trocar com a mão estendida, e um "não preciso de açúcar" - arrematado da mesma forma, desde que por ali juntava os pés.
De repente, quis meter assunto com toda a gente: - O assunto era a compra de um computador; que o tinha já comprado, bom preço, topo de gama, cheio de uma memória de muitos bites, como se houvesse nele alguma memória armazenada, tão fugazes eram os seus encontros e os seus desencontros. Os outros anuiam com a cabeça, para que depressa pudessem voltar a outros sons mais agradáveis.
De um dia para o outro, nunca mais o viram, o café deixou de ter a sua desnotada presença. Enterrava-se em casa, numa esquina do corredor onde colocara o tal computador, aprendeu a linguagem dos chats, de todos os sítios onde se podia introduzir sem grandes dificuldades, e então a verborreia foi crescendo. Adorava poder castrar e corroer os outros, esganava os pensamentos que não os seus, deleitava-se na provocação e na ordinarice, dando um ar de superioridade intelectual que provocava a risota e a pena, e ao mesmo tempo a necessidade de o poder enfrentar físicamente e dar-lhe cabo daqueles cornos duros, que concerteza teria. A principal causa era de quem aturava a sua arrogância, as falsas distâncias que continuamente criava, apenas porque não conseguia viver longe dos outros, porque as únicas coisas que lhe provocavam ínfimas descargas de adrenalina, eram a provocação, a ordinarice, o linguajar por dá cá aquela palha, as falsas pretensões a intelectualóide de esquerda.
Nunca ninguem encontrou o Ladislau Catuna, nunca ninguem o pode confrontar, aprender-lhe as manias, desfeitiar-lhe os dentes. Por detrás daquele computador, era a alegria do clandestino, do que escreve nas paredes à socapa da noite, ou nos WCs das estações, coisas sem sentido, sem mais nenhuma perspectiva que não, odiar-se e odiar o Mundo.
Um dia os bombeiros foram chamados a casa do homem. Pois que cheirava mal, não se ouvia barulho, alguma coisa se devia passar. Quando conseguiram arrombar a porta, Ladislau Catuna, estava imóvel, a cabeça enterrada no teclado, os cabelos sebosos pegados ao visor do PC. Ali tinha morrido, sem queixumes, sem respostas. Uma página inteira num chat qualquer, riscava ainda a tecla onde tinha aterrado a sua penca ranhosa, um contínuo ponto de interrogação, com o qual se libertara deste mundo. Vai em paz Ladislau, ninguém dará pela tua falta.
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Para Jorgebicho
Que conto deprimente, hein?
Realmente há dessas pessoas no mundo que nunca aprendem a arte de socializar e nunca são felizes, metem dó...
Gostei do seu texcto, tem coerência!
Parabéns!
Porque mais lindo que o amor, é só mesmo escrever sobre o amor:
Cheila Pacheco