A Folha

Foto de jeffersonjqueiroz

I

Era uma vez uma folha de papel branca, totalmente branca. Ela vivia em meio a tantas outras dentro de um pacote fechado e escuro. Ali dentro nada se passava a não se a escuridão e a estagnação. Por muito ela ficou naquele estado, até que em determinado dia, o pacote em que se encontrava foi aberto por uma pessoa. A folha viu pela primeira vez o mundo que tanto escutara somente em ruídos, estrondos e suspiros. Foi quando recebeu pela primeira vez todo aquele conjunto de luz e cores.
Foi colocada em cima de uma mesa junto com algumas outras folhas. Olhou bem ao seu redor e tudo explodiu como extraordinariamente novo.
Assim que chegou percebeu que uma corrente de vento a atingia. Não sabia do que se tratava (nunca havia sentido aquilo), porém percebeu que estava sendo arrastada lentamente para fora da superfície da mesa. Olhou ao redor e tratou de se proteger debaixo de um peso de papel que ali se encontrava. Colocou sob o peso uma pequena parte de sua borda e ali se sentiu segura e protegida.

II

O tempo passou lentamente como de costume, e pouco a pouco o peso foi tomando a superfície da folha, tanto que, em pouco tempo, já havia tomado a maior parte desta.
Enquanto as outras folhas eram preenchidas das mais diversas formas e cores (tanto por canetas, pelo café derramado ou por dentro das impressoras), a folha permaneceu inerte em baixo do peso (era quase igual à dentro do pacote, com exceção de que podia se ver além de ouvir, o que acabava machucando-a ainda mais).
Séculos e séculos se passaram. A folha viu as outras folhas ganharem desenhos, nomes e formas, sendo amassadas, jogadas no lixo e depois recicladas ou tornando-se aviões de papel.
Nisto nunca tivera parte, permaneceu intacta debaixo do peso, que lhe pesava realmente ainda mais. Conheceu diversos objetos que por ali passara. Canetas esferográficas, bicos de pena ou nanquim, carimbos, calendários, computador e pesos de papel.

III

Foi quando conheceu uma caneta, daquelas que possuem duas cores, vermelha e azul. Como havia caído de ponta, estava descartada do seu uso, por isso permaneceu ali, do lado da folha e do peso, por muito tempo.
A caneta funcionava sua ponta vermelha, porém, ainda assim acabou sendo esquecida.
A folha contagiou-se pela caneta e por sua capacidade de expelir cor. Tudo que ela sempre havia sonhado era ser pintada. Pensava inicialmente em um grande desenho feito pela impressora, com toda a sua capacidade de definição. Ficava a imaginar longas e longas noites como deveria ser este desenho, quais seriam suas cores, fazendo o tempo fluir debaixo daquele peso.
Conforme o peso foi tomando o seu corpo e diminuindo seu espaço disponível, o desenho ia perdendo em seu tamanho e importância. Poderia agora ser feito a dedo, qualquer coisa sem sentido, contudo que fosse riscada. Era seu sonho, seu único desejo.
A caneta também passou a admirar a folha. Conversávamos muito sobre tudo, tomando o devido cuidado com a fúria do peso de papel, que não parecia gostar nada daquela aproximação. Foi quando a caneta decidiu e vencer seu medo do peso e ceder aos apelos da folha, que já se encontrava quase toda de baixo do peso, e que não se continha de alegria. Já estava bastante velha e amarelada, toda repleta de poeira. Sua alegria em ser riscada bastaria pelo resto de sua ínfima eternidade.
A caneta foi em direção à folha e assim que ela começou a esboçar alguma coisa, uma pessoa a pegou e a enfiou dentro de um estojo.
A folha entrou em desespero. Começou a querer-se arrancar de baixo do peso, relutando para não deixar que a caneta fosse assim tão bruscamente arrancada de ti, exatamente no dia em que ela teria o maior sonho de sua vida realizado. Forçou-se tanto, tentou sair de todas as formas possíveis, mas era impossível pelo fato do peso ocupar quase que todo o seu corpo. Então a caneta sumiu dentro do estojo e a folha nunca mais a viu.
A folha amarelou-se em um ritmo ainda mais rápido do que vinha anteriormente. Dentro de si não cabia mais a tristeza pela falta da caneta. Nunca havia gostado tanto de um objeto com tinha gostado (e ainda gostava) daquela caneta. Acabou por se entregar ao peso, passando a esconder-se completamente na escuridão que este lhe proporcionava.

IV

Foi então que o peso foi retirado, em determinado dia, de cima da folha. A luz a atingiu como minúsculos filetes de vidro. Fungos e bactérias que também dividiam a escuridão com a folha passaram a derreterem ao serem atingidos pela luz do sol que varava a janela. A folha olhou com os olhos de quem não quer acordar, e desejou a morte do sol. Não queria mais saber de luz, de cores, de sombras e de odores nenhum. A vida já deixara de existir para ela há algumas décadas. Nada mais daquilo a importava.
Permaneceu na mesma posição durante horas, sentindo, enquanto o vento fresco levava as partículas de poeira seculares. Quando decidiu olhar melhor ao redor percebeu toda a sua desgraça. Estava esfacelada! O peso e o tempo fizeram com que folha se tornasse fragmentos amarelados de papel. Olhou para si mesma preste a desaparecer e percebeu lá no fim de si mesma, um fragmento onde havia uma pequena marca da caneta, que tinha registrado, antes de ser arrancada, as palavras “Eu te am...”.

Foto de Stacarca

Olá amigo, que belo enredo o seu... Gostei muito de seu texto, mesmo. Adorei essa folhinha srrsrs
Parabéns!
Stacarca

Foto de jeffersonjqueiroz

Escrever conto para mim está se tornando um desafio. A forma de construção da narrativa exige muito de quem escreve, principalmente da sua afinidade com as palavras. No conto deve estar contido uma trama com início meio e fim, e geralmente quando escrevo meus poemas tenho em mente seu início, mas pouco me importa com este irá acabar. Com o conto, isto se torna diferente. Necessito, para começar a escrever, de ter mais ou menos tudo aquilo que penso colocar no conto, e isto está sendo muito difícil para mim, pois geralmente estou constantemente transformando o conto quando este ainda está em minha cabeça, o que acaba atrasando a sua passada para o papel.

Foto de Fernanda Queiroz

Apesar do tema ser considerado díficil, você se saiu muito bem, em riqueza de detalhes, transformando uma folha em uma estrêla, mesmo que inerte e intocável.
Parabéns.
Fernanda Queiroz

Grande abraço.
Fernanda Queiroz

Foto de jeffersonjqueiroz

Oi Fernanda. Agradeço muito sua contribuição com meu conto. Sei que ainda sou um iniciante nisto (como coloquei na resposta ao Estacarca), mas penso que é algo que com desenvolvimento, posso ficar bom um dia.
Sempre adorei ler contos e crônicas, acho que por sua forma mais curta e sua leitura mais rápida. Em duas ou três páginas já foi possível encontrar tramas que me tocaram de forma mais intensa do que um romance de 400 páginas. Acredito que seja esse o maior charme do conto: poder interagir com o universo inteiro em apenas algumas poucas páginas. Até mais.

Foto de Izaura N. Soares

Olá Jefferson, meus parabéns!
O seu conto ficou muito bom e muito criativo. Vc deu uma importância a uma folha de papel que estava abandonada. Foi de uma criatividade muito grande.
Meus parabéns... Adorei!

Um abraço pra vc.

Foto de Mitchell Pinheiro

Que história interessante caro amigo! Bela fantasia! Um abraço!

Tudo que é humanamente possível eu posso conseguir!

Tudo que é humanamente possível eu posso conseguir!

Foto de angela lugo

Oi poeta ... Muito mais muito interessante seu conto muito criativo que seria da vida sem a tão famosa folha de papel... Eu pelo menos tudo que escrevo é primeiro na folha depois para o PC.. Bela consideração para essa estrela Folha! Parabéns ... Beijinhos no coração

ângela lugo

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