Vitória

Foto de Carmen Lúcia

Bem-vindo ao mundo!

Sem passaporte
confiando na sorte
meio que se atropelando
entre atropelos vagando,
junte o que pode juntar
e se embrenhe pelo mundo
vasculhando o vazio e o fundo,
indo aquém e além
do que se possa imaginar...

Caminhadas desacertadas,
um ir e vir sem definição,
sem mudanças, mesma direção...
"Mens(in) sana in corpore (in) sano”
pisando o sagrado, driblando o profano
finitos e infinitos superando,
sempre viajando,
perdendo-se em labirintos,
achando-se em círculos,
movimentos cíclicos
que levam ao mesmo lugar...
Da chegada... Da partida?
Quem há de saber?Tanto faz!
 
E nessa roleta-russa
denominada “Vida”,
há o certo e o incerto
e também a sobrevida...
Um jogo de azar,
a bala ainda não vencida,
uma cartada pré-estabelecida,
a vitória favorecida...
Sorte?
 Única certeza:
 Morte!
 
 
(Carmen Lúcia)
 

Foto de von buchman

PARA QUE CONTINUAR A VIVER...

Olho para o espelho e vejo um semblante
O reflexo de um velho sem vida e sem cor...
Um zumbi, andando seu direção...
Será que estou leproso?
Ou estou com alguma doença contagiosa?
Todos se afastaram de mim...

Não tenho mais família e nem lar,
Não foi uma nem duas vezes
Que dorme no chão
Atirado ao relento,
Na misericordia de Deus...

Fiquei sem nada...
Procuro emprego
E todos dizem você está muito velho...
Até piadas já escutei,
Aqui não é asilo...

Pois tudo meu foi tomado,
Fui traído, humilhado, espancado
E roubado por quem eu mais amava...

Do que restou de mim,
Fica no ar a pergunta quem sou eu..
Um verme?
Um dejeto de vaso?
Uma sobra de algo poder
Que esta ao relento a dias...

Meus amigos que outrora fui bem vindo
Hoje sou descartado pelos comentários maldosos
E falsos como também as calunias levantadas
Contra minha pessoa até pelos
Meus que tanto amei...

Não existe mais esperança para mim
Sou um paciente terminal,
Que vive e respira por tubos e aparelhos...
Nem morre ainda e já se escuta nos corredores
Do hospital da vida,
Os meus discutirem,
E até se desentendem,
Por quem e quem vai ficar de direito
Com o resto dos meus pertences...

A futura viúva dona santinha já toda de preto,
Não para mostrar sua futura viúves e sim
Para angorá mais ainda a morte do amado
E de sua gloriosa vitória,
Na desgraça do mesmo..
Ela nem sequer uma lágrima
Rola de sua face...

No teatro da vida ela diz murmurando!
- Até que fim este miserável vai embora,
Não agüento mais este traste!
Que Deus o leve rápido,
Pois agora terei meu cantinho,
Só meu,
Agora poderei curtir a vida viajando,
E não terei a quem me reportar,
Não terei nenhuma obrigação
Com ninguém...
Tenho minha pensão,
Agora é só curtir a vida
E me realizar...
Sou nova e ainda me acho atraente
E festa não vai faltar...

A minha doce e inútil ilusão de um lar
Que sonhei que almejei nos meus 32 anos
de amor e dedicação...
Quando pensei que tinha conseguido realizar,
Num anoitecer vi tudo desabar
Tudo armado e preparado
Para tomar e destruir o esposo e o pai
por ironia do destino o pai ficou vivo...

O abandono dos filhos foi e é total...
Nem uma mão estendida par dar um remédio,
Nem o perguntar onde dormes?
Que te falta?
Ou uma mui pequena ligação dizendo;
- Eu te amo meu pai,
Que seja por caridade pelos anos que cuidei deles,
Sem nada nunca faltar...

Eu me cogito, que posso dar a eles na minha velhice,
Pois nada tenho mais, tudo foi me retirado
Desde o amor a dignidade de viver...

Hoje sou um pobre e velho rabugento pai,
Que já esta preste a morrer de desgosto,
Dos mal tratos de um filho ,
E do descaso dos familiares...
E que alguns deles falam,
-Tem mais é que se lascar este infeliz
Deixa ele se ferrar...
-Eu tenho muito mais coisas para me preocupar
Do que perder meu tempo com este triste...

Sabe o que esta me matando
Não é o câncer terminal
Que estar dentro do meu coração,
Desfigurado e em pedaços
Pelos abandonos, mal tratos
E falta de amor !
Isto sim é letal e fatal
feita por minha eterna paixão...

O que mais doí é o desprezo e a falta de carinho,
Sem falar das pragas, maldições lançadas sobre mim,
Como também as humilhações e o
Ridicularizar da minha pessoa,
Levando-me a uma profunda depressão
Salientando as sequelas adquirida pelas agressões
E mal tratos feitas pelo seu filho
Ao velho pai...

Ah... Os velhos tempos onde era útil,
Pagava as contas e distribui-a
Presentes, ai eu servia, e como era especial...
Era o melhor homem do mundo e o esposo ideal
6 empregadas, 3 carros, motos,
Viagens e vida de milionários que eles tinham...

Hoje a idade avançada, o cansaço físico,
As dificuldades do ganhar o pão nosso
De cada dia, as doenças que se alastra dia a dia
no velho corpo...

Sou tachado de tudo,
Um inútil, uma coisa...
Me fizeram de algo descartável
Como um dejeto,
Lançado ao esgoto a céu aberto...

Que mais posso esperar desta vida?
As migalhas de outros
Visto que minha família me virou as costa,...
O ultimo suspiro do desencarnar?
A morte ?
O dia do juízo final?
Que devo mais esperar...

Acho que só devo esperar o meu falecer,
Para se concretizar o fim do velho homem...

Fica aqui uma pergunta.
Para que eu casei e constitui uma família...
Por que não se fez treva o dia que nasce?

Eu confesso, que dia a dia tenho perdido a vontade de viver
Pois a depressão tem tomado conta do meu ser!

Para quer eu ficar a viver?
Para que eles se realizem rindo,
Se vangloriando do final da vida
Deste velho homem,
que outrora foi um
lindo e amável esposo
e o maravilhoso pai...
QUE IRONIA DO DESTINO...

Foto de Enayar18

A vida !

A vida nos oferece oportunidades de ser feliz
A vida nos proporciona meios de ter a vida mais fácil
A vida nos entrega na mão a vitória
A vida nos guia para caminhos certos
A vida nos dá escolhas ,e mundos em que queremos ter e viver .
A vida nos dá tudo ....
E em um belo dia jogamos pro alto ,a felicidade que a vida nos deu ,jogamos para um lugar incerto
Pois preferimos acreditar na infelicidade
Aquela vitória que a vida nos deu perdemos para dar lugar a derrota que nós mesmos procuramos,justamente por não acreditar que não somos capazes
O caminho certo ,e a escolha nós preferimos entar em caminhos incertos e sem escolha alguma
O mundo belos e tranquilo que ela nos dá ,preferimos ver ele sujo e feio do que estender a mão ao dia belo que todos os dias nasce .
A vida nos dá tudo só precisamos aprender a olhar o que há de bom e não ver somente o que nos causa dificuldade .
Até que um dia descobrimos o amor que nos dá a vida , a alegria ,a vitória ,a felicidade, a escolha e o mundo .
E através desse amor podemos ver mais uma vez as coisas boas da vida .

Ao meu amor ....Helio

P.s Rayane'Oliveira

Foto de Carmen Vervloet

UNIMED RIO/ UNIMED VITÓRIA: De quem é a culpa?

Desculpas esfarrapadas, normas a serem seguidas, falta de interesse, desrespeito para com o ser humano! Lucros e mais lucros almejados e o usuário apenas um trampolim para que alcancem estes lucros. Quanta ambição, meu Deus! De nada adianta o usuário ligar inúmeras vezes pedindo urgência na liberação do exame solicitado pelo médico. A resposta é sempre a mesma:
- A solicitação está em análise, são 48,00h para a liberação. Vitória só enviou ontem, dia 5/01/2012, esta solicitação.
Acontece que o pedido foi feito à UNIMED VITÓRIA no dia 03/01/2012, hoje são 06/01/2012 e com certeza as 48,00h já se esgotaram. Por que será que a UNIMED VITÓRIA não fez o pedido no mesmo dia? A dor que se está sentindo não tem a menor importância para esta empresa. Você pede, informa, implora, diz que o médico viajou e a dor aumentou, mas a solicitação é eletiva, responde o atendente, estamos dentro do prazo.
Peço para falar com a ouvidoria ou um diretor, mas é o próprio atendente quem ouve as reclamações e diz para que você entre no Site da empresa e faça sua reclamação por escrito.
Sinceramente, tenho vergonha de ser usuário deste plano de saúde, de me ver submetida a tanto descaso e humilhação, mas saúde é muito cara no Brasil e infelizmente me vejo obrigada a isto. Se eu tivesse ganho a Mega Sena da Virada com certeza não me submeteria a tanto constrangimento, sem falar na hipertensão que tudo isto me causou.
Com o tornozelo doendo e sem poder andar com segurança, marco a ressonância no MULTISCAN, mesmo sem a liberação do exame. Levo o protocolo do pedido de autorização e ofereço um cheque caução. E a mesma negativa:
- Não trabalhamos com cheque caução.
Indignada e mancando, voltei para casa e encontrei a receita para amenizar a dor e a raiva: Um comprimido de alprazolam de dois miligramas e dormir, dormir, dormir até a UNIMED liberar esta droga de exame, mas antes disto colocar a boca no trombone.

Foto de Paullapam

Poema Mais Lindo Que Eu Li!!!!

Não quero alguém que morra de amor por mim, Só preciso de alguém que viva por mim. Que queira estar junto de mim, me abraçando. Não exijo que esse alguém me ame como eu o amo, quero apenas que me ame. Não me importando com que intensidade. Não tenho a pretensão de que todas as pessoas que gosto, gostem de mim... Nem que eu faça a falta que elas me fazem. O importante pra mim é saber que eu, em algum momento, fui insubstituível... E que esse momento será inesquecível... Só quero que meu sentimento seja valorizado. Quero sempre poder ter um sorriso estampado em meu rosto,mesmo quando a situação não for muito alegre. E que esse meu sorriso consiga transmitir paz para os que estiverem ao meu redor. Quero poder fechar meus olhos e imaginar alguém... E poder ter a absoluta certeza de que esse alguém também pensa em mim quando fecha os olhos... Que faço falta quando não estou por perto. Queria ter a certeza de que apesar de minhas renuncias e loucuras. Alguém me valoriza pelo que sou, não pelo que tenho... Que me veja como um ser humano completo. Que abusa demais dos bons sentimentos que a vida lhe proporciona. Que dá valor ao que realmente importa, que é o meu sentimento... e não brinque com ele. E que esse alguém me peça para que eu nunca mude, para que eu nunca cresça. Para que eu seja sempre eu mesmo. Não quero brigar com o mundo, mas se um dia isso acontecer. Quero ter forças suficientes para mostrar a ele que o amor existe... Que ele não é superior ao ódio e ao rancor. E que não existe vitória sem humildade e paz. Quero poder acreditar que mesmo se hoje eu fracassar, amanhã será outro dia. E se eu não desistir dos meus sonhos e propósitos, talvez obterei êxito e serei plenamente feliz. Que eu nunca deixe minha esperança ser abalada por palavras pessimistas... Que a esperança nunca me pareça um angústia que a gente teima em maquiá-la de verde. E compreendê-la como desânimo. Quero poder ter a liberdade de dizer o que sinto a uma pessoa, De poder dizer a alguém o quanto ele é especial e importante pra mim, Sem ter de me preocupar com terceiros... Sem correr o risco de ferir uma ou mais pessoas com esse sentimento. Quero, um dia, poder dizer às pessoas que nada foi em vão, Que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades e as pessoas Que a vida é bela sim, E que eu sempre dei o melhor de mim... e que valeu a pena!!!

Mario Quintana

Foto de Rosamares da Maia

UM CALDEIRÃO CHAMADO BRASIL

UM CALDEIRÃO CHAMADO BRASIL

Nos teus céus, o luar é da mais pura prata,
Sob a noite das congadas, exibes tua beleza,
Verde, esplendorosa
Despertando desejo, paixões e a cobiça dos homens.
Por ti, bateram-se nobres cavalheiros,
Também aventureiros, sem eira, beira, ou tribeira.
Todos atravessaram oceanos,
Enfrentaram tormentas, vindos de distantes lugares,
Tudo por ti, prenda preciosa.

Villegainon tomou-te a força.
Na França Antártica pretendeu desposar-te,
Mas, viu o brandir da borduna, E o ar sibilando de flechas,
Defendeu-se a tua honra.
E dançastes para comemorar.

Nassau encantou-se de ti a primeira vista.
Na alta Olinda, o mar invadiu seu sonho,
Esculpindo em obras de amor e arte a sua conquista.
No batuque do maracatu a história desenha traços,
Seguiu jogando pernas pro ar. Rabo-de-arraia,
Jogada de mestre e moleque do garboso capoeira.
Mas perdeu-se o moço nos olhos de uma morena,
E no samba de roda foi namorar.
Ginga, samba crioulo, arranca do chão a vida,
Mesmo na seca caatinga faz o teu destino.

Brasil,
Teu gosto é café, cacau docinho, rapadura, carne de sol,
Churrasco dos pampas, tutu com linguiça e carré.
Tens o cheiro da pele das meninas, das cadeiras mulatas,
Também, da branca estrangeira.
Tudo no liquidificador das raças - misturadas,
Com estilo, para extrair um suco verde e amarelo,
Que enfeita e enfeitiça, traduzindo-se na imensa passarela,
Por onde desfila a mais nova porta bandeira.

Brasil,
Dos contos e lendas, de bravuras e bravatas,
-São filhos de botos cor-de-rosa, que saltam das águas,
Para emprenhar donzelas, Caipora, Curupira,
Mula Sem Cabeça, Saci Pererê, Negrinho do Pastoreio,
Lágrima de princesa índia que virou Vitória Régia,
E Orfeu, príncipe negro da favela?
Da tua fé mestiça, soam os atabaques, rodam sete saias de rosas.
Do mar, na rede dos humildes, ergueu-se Santa, Aparecida.
Na voz de teu povo consagram-se: Anastácia, Padre Cícero,
Dulce, a irmã da bondade.
Um grito de gol, de bola na rede que apaixona milhões.
Fé, pés, talento e arte. Essa é a tua gente!

Brasil,
Quanto resta do bugre Xingu, do Português, do Holandês?
Quanto ainda corre em teu corpo?
Somam-se tantas outras ocidentais e orientais misturas.
Desaguando todas, finalmente, na grande pororoca amazônica.
Colocamos a massa miscigenada para dourar ao sol de Copacabana,
Faz-se repousar o resultado deitado no colo do Redentor,
- Eternamente de braços abertos, em berço esplendido.

É assim o teu despertar, Brasil.
Se a maledicência diz que a tua certidão é imprecisa,
Que e a tua paternidade é duvidosa,
Pouco importa o despeito desta gente maldosa.
Fenícios, espanhóis, portugueses – Quem primeiro aqui aportou?
Quem afinal, de forma acidental ou intencional te encontrou?

Este é apenas um detalhe.
Estamos aqui! Construímos a nossa história.
Mais que navegar, foi preciso tecer,
Prender o fio de tantas origens.
Somos a raça da verde / dourada flâmula,
“Da loura Bombril e do negro alemão”.
Emergimos do caldeirão da Humanidade.
Mexido com a rica madeira vermelha
Ela que deu origem ao próprio nome,
“madeira de dar em doido”, brasa viva e incandescente,
Que forja e “ergue da justiça à clava forte”, sem fugir da luta.
Somos o Brasil.

Rosamares da Maia

Foto de Rosamares da Maia

AVES MIGRATÓRIAS

Aves Migratórias

É inverno e partirei para o sul.
Com as aves do hemisfério norte,
Migrarei em busca do sol.
Voando na forma da vitória,
Sou o líder do meu bando,
Cortarei o ar com o vento no rosto,
Gotículas de nuvens borrifando as penas

Com pena do pássaro sem asas,
Que sempre voa preso ao solo,
Sem norte, ao extremo do sul.
Sem rumo, só no prumo de sobreviver,
Na busca do sol no azul do céu.
Homem e pássaro de hemisfério algum,
Que não se permite voar em bando.
E mesmo na multidão faz solitária revoada.
A formação, disforme, não guia o vento.

De asas abertas cumprimos penas,
Sentenças atávicas de nossas necessidades,
Asas privadas de liberdades e sonhos.
De quando em vez na vida, uma vez,
Os olhos olham em direção ao sol,
A alma libera as asas e voa livre.
E o pássaro e homem buscando a direção sul.
Sobrevoa a sua dignidade de águia
E reencontra o caminho da sua humanidade.

Rosamares da Maia
18 de outubro. 2011

Foto de João Victor Tavares Sampaio

Setembro – Capítulo 7

Essa noite eu tive um sonho estranho. E esse sonho, por assim se dizer, foi muito complicado de se decifrar. Nele, os absurdos imperaram. Os seres, sem serem claramente separados como na nossa realidade, lutavam entre si. E os fracos subjugavam os fortes, os devoravam, sem que lhes sobrassem sequer os cadarços. Tremulavam estranhas bandeiras, de estranhas causas, e estranhos países. Crianças mandavam em adultos, que as obedeciam. Outros homens, rendidos, suicidavam-se, alegando merecer o falecimento. Hinos desconexos ecoavam nas paredes pelas ruas tumultuadas. Senti, se é que é possível sentir algo com um sonho, um desejo por uma inquieta tranqüilidade, uma tranqüilidade quase que inviável diante da necessidade das evoluções e modificações. Houve uma voz que conclamava, chamava os santos adormecidos para a fúria das incertezas e das discórdias. Carros aceleravam, carros indomáveis aceleravam com um sorriso irônico em sua parte dianteira. Ouviam-se sirenes, buzinas, caos. Não assimilei bem o que o sonho me passou. Também, não deve ser algo importante...
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O tempo se seguiu.

- A dona Clarisse é boa! A dona Clarisse passou para o nosso lado!

O burburinho tinha razão de o ser. Comentava-se, à boca pequena, que o nosso líder estava mancomunado com os seres dominantes. E o nosso líder não deixava por menos. Ele estava bem mais contido nos discursos de contrariedade aos nossos inimigos. Diferentemente da dona Clarisse. Ela, segura de si apesar das provações que lhe ocorreram, se colocava cada vez mais como uma liderança para toda a comunidade, e com o ponto positivo de se impor de maneira pacífica na resolução dos problemas do gueto em geral. Sendo mais específico, ela era a ponte entre a comunidade e o nosso líder. E esse, cada vez mais distante das necessidades, vinha perdendo a sensibilidade que o levou a ascender à branda influência que exercia aos seres de sangue quente.

- A dona Clarisse é a nossa esperança de vitória!

Tomava corpo uma nova representante do existir do gueto.
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A torta me olhava.

- Dimas...

Era a única que me chamava pelo nome.

- Dimas...

Novamente a ignorei.

- Dimas...

Eu me recolhi. Tinha nojo da torta. Engraçado sentir isso dela. O normal é os outros se enojarem comigo.

- Dimas, você pode até me ignorar, mas saiba que eu te amo e isso é uma verdade.

Senti muito medo de ela estar sempre comigo, em todos os momentos que eu precisasse.
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Parece que tudo me é mais sofrido.

- Inúteis! Ou trabalham direito ou não vão poder comer!

Os mais fracos no gueto são os responsáveis pela produção e preparação dos alimentos, pela limpeza de vias e aposentos, pelos reparos gerais e pelos afazeres menos aceitáveis. Já os mais fortes, por sua vez, garantem a segurança e a fiscalização do cumprimento das regras na comunidade, sendo sustentados para tal, e mantendo o equilíbrio da nossa calma convivência comparada ao tormento horrível da subjugação aos seres de sangue frio.

- Trabalhem seus inúteis, trabalhem!

Até eu subir de vida, será assim.
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- Justo, venha.

A voz de Clarisse era doce e acalentadora.

- Justo, beba.

Clarisse poderia seduzir qualquer homem que bem quisesse. Era uma bela mulher. Poderia seduzir apenas com o nome, que de tão belo fazia jus ao seu significado, de clareza, em meio à escuridão do nosso mundo, rochoso, opaco. E Clarisse, uma pessoa de bem, uma figura moldada para conseguir o melhor e sempre o melhor, não simplesmente seduzia ao homem que bem entendesse. Clarisse, ao invés disso, seduzia o homem do qual precisasse.

- Justo, dorme, dorme...

Ele obedeceu, como em poucas vezes em sua vida.

- Morre... Isto... Morre...!

E com presteza nosso líder foi a óbito.

Foto de João Victor Tavares Sampaio

Setembro – Capítulo 6

- Setembro – Capítulo 6

Em certas realidades
Você não pode ouvir
Não pode ver
Não pode sentir o cheiro
Aliás
Não pode sentir
Não pode falar
Não pode pensar
Não pode pensar em falar
E não pode degustar
Não pode encostar
Não pode colocar a mão
E não pode querer ter ou ser
Não pode poder
Não pode nada
Não pode tudo
Não pode proibir
E muito menos pode liberar

Eta realidadezinha besta
Meu Deus...
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No nosso mundo, tudo permanecia como era antes, só que mais cheio. Os meus pares preocupadíssimos com futilidades essenciais mal se davam conta que desperdiçavam suas energias com situações que não os levariam a nada ou os satisfariam. Eram pobres e não tinham simplicidade. Brigavam por entorpecentes, por pequenas posses, orgulhos imbecis. Não que eu ache isso errado, cada um tem sua vida e cuida dela. Mas, vendo os resultados, me sinto intimamente incomodado. Não sei bem o porquê vejo as crianças brincarem no esgoto e fico incomodado. Eu deveria me importar mais comigo e menos com os outros. Como sou desprezível!
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No gueto a vida era muito boa. Os meus colegas de moradia tinham uma moral impecável. Um batia na mulher. Outro estuprava a própria filha. Uma das matriarcas espancava os filhos e os obrigava a catar restos nas lixeiras dos seres de sangue frio. Toda a pureza que de comportamento que eu não encontrava entre os meus senhores sobrava na comunidade que me acolhera. Havia toque de recolher durante a noite. Só ficavam abertos um bar e um prostíbulo para o divertimento dos que podiam pagar. E todos os produtos e serviços eram tributados em favor do nosso líder. Vivíamos em uma paz sem voz, mas ainda uma paz. Em liberdade, sem submetermo-nos às vontades de algum chefe tirano ou aproveitador aventureiro.
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Nosso líder pede a palavra:

- Amigos! É chegada a hora! Vamos enfim fazer valer a força da nossa organização! É hora do tão aguardado momento do ataque! Chega de nos espreitarmos por entre a grama! Pisaremos a cabeça da serpente! Urrem, seremos os vencedores! Nada irá aplacar nossa fúria!

Os aliados explodem em alegria. A comunidade saqueará os homens ricos. Nunca na sua história houve tanta esperança.

Dona Clarisse se mantém serena mesmo diante dos brados ensurdecedores.
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Havia uma mulher torta que não tirava os olhos tortos da minha presença. Muitas vezes era a única que percebia que eu existia e respirava. Ela me incomodava um tanto, essa mulher torta, mas torta que fosse, parecia torta para o meu bem. Já eu não perdia de vista a estranha e bela dona Clarisse. Por algum motivo que eu não sabia apesar de ter sido linchada seu aspecto era o mesmo de antes de ser banida do lado dominante. Os colegas dizem que os seres de sangue frio podem regenerar seus órgãos, igual a um rabo de lagartixa. Dizem também que sou muito azarado por atrair a atenção da mulher mais feia da comunidade. O que eu acho mesmo é que poderiam deixar a gente fazer o próprio pão, ao invés de comprá-lo a preço de ouro.
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A torta me espreitou num corredor. Ela apertou minha mão e me abraçou. Senti nojo. Quando ela olhou para mim, demonstrando uma sensação que eu nunca vi em outra pessoa, me disse algo que não entendi de verdade.

- Nosso líder é um traidor.

Agora compreendo porque dizem que ela é louca.
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O líder assumiu uma tática de guerrilha. A vitória era garantida, segundo suas palavras. Enfim, teríamos alguma chance de subjugar nossos inimigos mortais.

- Os fortes vão bater de frente com os porcos de sangue frio! Podem tacar fogo naqueles bastardos! Já os fracos vão jogar pedras de longe! Mulheres preparem a gasolina! Vamos explodir aqueles malditos!

Ele se senta sobre um escravo e orienta a premeditada baderna.

- Sai da frente, inútil!

O grito era para mim. Fiquei lisonjeado.
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Durante a dura batalha fui escondido dentro de uma caixa. Meus colegas me chutaram com o fim de que eu evitasse problemas. Ao final, tivemos uma honrosa derrota, perdendo apenas metade de nossos homens. Os seres de sangue frio revidaram o ataque com lâminas e arpões. Se nosso líder não tivesse feito um oportuno acordo, que o colocava como chefe de segurança legítimo e remunerado da nossa comunidade, tudo seria muito pior.

Eu continuei na caixa. Ordenaram-me que de lá eu não saísse.

- Então está certo... Nós te daremos os privilégios que você tanto queria sobre aquele lixo... Mas não ouse nos atacar de novo ou exterminaremos essas suas tralhas... Sorte sua ter tamanha fidelidade a nossa realidade...

A voz de Luís Maurício me esclareceu o óbvio.

Nosso líder era mesmo um traidor.

Foto de Marilene Anacleto

Vida

Um sorriso, um sufoco.
Uma lágrima, um beijo louco.

Uma vitória, dia sem chão.
Uma conquista, perder um coração.

Um gemido, uma estampa.
Um sussurro, um relâmpago.

Uma gota de orvalho, uma rede mundial.
Uma onda gigante, um grão de areia a voar.

Vida ... nos ensina atitudes de amor.
Aprendamos as lições. Esqueçamos o professor.

Para alguns, insignificantes, isentas de dons.
Grandiosas, edificantes, no conceito dos bons.

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