Paternidade

Foto de Rosamares da Maia

UM CALDEIRÃO CHAMADO BRASIL

UM CALDEIRÃO CHAMADO BRASIL

Nos teus céus, o luar é da mais pura prata,
Sob a noite das congadas, exibes tua beleza,
Verde, esplendorosa
Despertando desejo, paixões e a cobiça dos homens.
Por ti, bateram-se nobres cavalheiros,
Também aventureiros, sem eira, beira, ou tribeira.
Todos atravessaram oceanos,
Enfrentaram tormentas, vindos de distantes lugares,
Tudo por ti, prenda preciosa.

Villegainon tomou-te a força.
Na França Antártica pretendeu desposar-te,
Mas, viu o brandir da borduna, E o ar sibilando de flechas,
Defendeu-se a tua honra.
E dançastes para comemorar.

Nassau encantou-se de ti a primeira vista.
Na alta Olinda, o mar invadiu seu sonho,
Esculpindo em obras de amor e arte a sua conquista.
No batuque do maracatu a história desenha traços,
Seguiu jogando pernas pro ar. Rabo-de-arraia,
Jogada de mestre e moleque do garboso capoeira.
Mas perdeu-se o moço nos olhos de uma morena,
E no samba de roda foi namorar.
Ginga, samba crioulo, arranca do chão a vida,
Mesmo na seca caatinga faz o teu destino.

Brasil,
Teu gosto é café, cacau docinho, rapadura, carne de sol,
Churrasco dos pampas, tutu com linguiça e carré.
Tens o cheiro da pele das meninas, das cadeiras mulatas,
Também, da branca estrangeira.
Tudo no liquidificador das raças - misturadas,
Com estilo, para extrair um suco verde e amarelo,
Que enfeita e enfeitiça, traduzindo-se na imensa passarela,
Por onde desfila a mais nova porta bandeira.

Brasil,
Dos contos e lendas, de bravuras e bravatas,
-São filhos de botos cor-de-rosa, que saltam das águas,
Para emprenhar donzelas, Caipora, Curupira,
Mula Sem Cabeça, Saci Pererê, Negrinho do Pastoreio,
Lágrima de princesa índia que virou Vitória Régia,
E Orfeu, príncipe negro da favela?
Da tua fé mestiça, soam os atabaques, rodam sete saias de rosas.
Do mar, na rede dos humildes, ergueu-se Santa, Aparecida.
Na voz de teu povo consagram-se: Anastácia, Padre Cícero,
Dulce, a irmã da bondade.
Um grito de gol, de bola na rede que apaixona milhões.
Fé, pés, talento e arte. Essa é a tua gente!

Brasil,
Quanto resta do bugre Xingu, do Português, do Holandês?
Quanto ainda corre em teu corpo?
Somam-se tantas outras ocidentais e orientais misturas.
Desaguando todas, finalmente, na grande pororoca amazônica.
Colocamos a massa miscigenada para dourar ao sol de Copacabana,
Faz-se repousar o resultado deitado no colo do Redentor,
- Eternamente de braços abertos, em berço esplendido.

É assim o teu despertar, Brasil.
Se a maledicência diz que a tua certidão é imprecisa,
Que e a tua paternidade é duvidosa,
Pouco importa o despeito desta gente maldosa.
Fenícios, espanhóis, portugueses – Quem primeiro aqui aportou?
Quem afinal, de forma acidental ou intencional te encontrou?

Este é apenas um detalhe.
Estamos aqui! Construímos a nossa história.
Mais que navegar, foi preciso tecer,
Prender o fio de tantas origens.
Somos a raça da verde / dourada flâmula,
“Da loura Bombril e do negro alemão”.
Emergimos do caldeirão da Humanidade.
Mexido com a rica madeira vermelha
Ela que deu origem ao próprio nome,
“madeira de dar em doido”, brasa viva e incandescente,
Que forja e “ergue da justiça à clava forte”, sem fugir da luta.
Somos o Brasil.

Rosamares da Maia

Foto de betoquintas

Segunda sagração (Sarcanomia)

Geração
Hino do plantio e da paternidade

No ventre da Grande Mãe
Está a dádiva dos deuses.

Tal como cuidamos e vigiamos
O ventre crescente das vestais,
Regamos e carpimos o campo.

Para que não se perca a colheita,
Tomando o exemplo dos deuses,
Somos ciumentos e zelosos,
Orgulhosos de nossa prole.

Eis a boa e excelente paternidade,
Não negamos nossa descendência.

Seja riscado da comunidade,
Qualquer homem ou deus,
Que condene o fruto da união
Ou persiga o rito da consumação.

Que a ninguém seja concedido,
Tronar impuro o que é consagrado.

Consagradas estão as vestais,
Como consagrada é a Grande Mãe.

Porque sagrada é a junção,
De homem com mulher,
Do deus com a deusa.

Pois o fruto é a vida
E a vida continua no amor.

Herdade
Hino das descendências aos antepassados

Aqui estamos, guardados,
Protegidos pelo corpo sagrado,
Crescendo, germinando.

Nós somos a seqüência,
A esperança da descendência,
De uma longa e feliz linhagem.

Agora dependemos de cuidados,
Temos muito que aprender.

Para nos tornarmos completos,
Maduros, felizes,
Ensine a mãe ao filho
Como tocar uma mulher;
Ensine o pai à filha,
Como resistir e ceder.

Tendo cuidado de nossa infância,
Não cobiçaremos, dividiremos;
Não roubaremos, repartiremos;
Não violentaremos, compartilharemos,
Assim a lei é mantida
E o ciclo continua.

Herança
Hino dos antepassados às descendências

Bendita seja a renovação!
Que venham as brisas da mudança,
Que vicejem os brotos da ousadia.

Bendita fúria sagrada,
Venham os jovens e sua revolução,
Para que se aplique a evolução.
Conquistem seu espaço e lembrem.
Que nós também tivemos nosso tempo
E muitos mais antes.
Que não nos abandone na velhice,
Como nós não lhes faltamos na infância.

Da mesma forma
Que recebem e aprimoram
Tão antiga herança,
Reavivem em nós
A graça da nova experiência
E refresquem nossos sentidos.

Vocês tem o frescor e a ansiedade,
Nós temos a técnica e a paciência.

No templo sagrado,
Não há sentido a idade,
Nem tem lugar a consangüinidade,
Somos todos um e o mesmo.

A regra é o amor,
A união é a forma,
O prazer é tudo.

Doutrina
Hino dos deuses aos pais e filhos

Em espirito, somos criados;
Em carne, somos nascidos.

Nem a carne pesa ao espirito,
Nem o espirito oprime a carne.

Não existe separação ou rejeição,
Dos deuses vem o exemplo,
Que o sagrado é a convivência
E a lei é o Amor.

A idade não concede precedência,
Nem implica obediência,
Laços consangüíneos perdem
Contra os laços da união.

A posição pouco importa
Nesse esporte sagrado.

Que se una sem restrições
O novo e o velho;
O esquerdo e o direito;
O sombrio e luminoso;
O humano e o divino.

Foto de betoquintas

Primeira sagração (Sarcanomia)

Chamado
Hino das vestais aos deuses

Acabou a estação de estio,
O gelo derrete,
Vem a névoa e o orvalho.
No solo, as sementes aguardam,
Sobem os vapores,
Juntam-se as nuvens.
Os deuses preparam a chuva,
Venham e propiciem a fertilidade!
Venham sobre nós,
Façam de nossos corpos
O terreno arado e pronto.
Venham em nossos sulcos
E derramem dentro de nós
O néctar vitalizante,
Que despertará as sementes do torpor,
Para que todos aproveitem a safra.
Mostre a divindade pela verga,
Prove a autoridade pela soma.

Vesperal
Hino das vestais aos campineiros

Vinde, obreiros da colheita!
Vede que os deuses não demoram,
Cedo vem as nuvens
E os campos devem estar prontos.

Tragam as enxadas
E firmem os moirões.
Removam as pedras do passado
E as raízes do remorso.

Não podemos atender aos deuses,
Nem honrá-los com nossos serviços
Sem sua vigorosa ajuda.
Abram nossos véus sagrados
E depositem sua força em nosso templo.
Façam com seus corpos musculosos
A sagração de nossos veios,
Amaciem e preparem nossas carnes,
Para receber a dádiva divina.

Ato de labor
Hino dos campesinos às vestais

Formosas damas, eis-nos!
Nunca fugimos às obrigações,
Mal nos chamaste
E nossos membros já atendem.

Somos homens rústicos,
Simples e brutos.
Não possuímos riquezas,
Senão nossas mãos,
Nem temos nobreza,
Senão nosso trabalho.

Ainda assim nos recebe,
O templo sagrado se abre,
Nos revelando segredos e mistérios
Que são negados a reis.

Recompensados com tal honra,
Oferecemos em profusão dessa seiva
Que seus corpos pedem
Em sagrado frenesi.

Monção
Hino dos deuses aos devotos

Eia, fruto de nossos amores!
Nós viemos de longas distâncias,
Escutamos o chamado da carne
E nos preparamos para nutrir este mundo.

Eis a verdade,
O que está embaixo
É igual ao que está em cima.

Benditas são as vestais,
Que com seus véus dançam,
Chamando para si os campesinos,
Para que esta festa na terra
Se reflita no firmamento.

Assim se juntam as nuvens
E nelas derramamos o sagrado néctar.
Enchei os ventres das vestais
Com sua virilidade, campesinos,
Para que, do mesmo modo,
Derramemos a nossa seiva
No ventre da Grande Mãe.

A ninguém seja permitido
Separar e discriminar a vida.
Material e mundana,
É a mesma vida,
Espiritual e sagrada.

Partida
Hino de gratidão dos devotos aos deuses

Grandes e respeitáveis deuses!
Aos que reconhecem a paternidade
E não fogem da responsabilidade,
Nós agradecemos a propiciação!

Manifestada seja a lei,
Amor e irmandade.

Somos espirituais e carnais,
Como vós são carnais e espirituais.

Tal como vieram à Grande Mãe,
Vem os homens às mulheres.

Tal como à dádiva do amor
Não se impõe regra ou forma,
Nos unimos ao festim,
Para que o espirito se torne carne
E a carne desperte sua alma.

Não pode haver separação,
São uma e mesma essência.
Portanto venham em nosso meio
Na próxima temporada,
Enquanto continuamos a seguir
O ciclo sagrado e eterno.

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