A MENINA ESQUECIDA
O vento açoitava as árvores,
Folhas fugiam desesperadas,
A chuva chicoteou casas e praças
Do anoitecer até alta madrugada.
Pequeno raio de luz
Da aurora, inda embaçado,
Mostra a transeuntes menina
Encolhida na calçada.
Uns a chamam de vadia,
Alguns, de pobre coitada,
Tremia de frio a criança
Por toda a noite lavada.
Outros lhe “davam de ombros”
Dizendo “está acostumada”.
“O corpo pode acostumar
Mas é diferente a alma.”
Assim a menina pensava.
Durante essa triste noite
Pediu a Deus misericórdia:
“Não esqueças de mim, meu Pai,
Leva-me contigo embora.”
Ao sentir que soluçava,
Mãos generosas a afagam,
E ela não falou nada.
Surgiu então personagem,
Tal príncipe em conto de fadas.
Diante de todos os olhares,
Com a criança pela mão,
Condoeu-se o coração,
Levou-a à sua morada.
A menina o seguiu,
Como se estivesse encantada.
A multidão o aplaudiu
Com grande salva de palmas.
Eis que, ao voltar ao caminho,
A comitiva, assustada,
Ouviu apenas, em gritos,
“A menina jaz na calçada!”
Um misto de horror e êxtase
Apunhalou corações.
De joelhos puseram-se a orar,
E chorar aos borbulhões.
Voltou a açoitar, a chuva;
Pôs-se a chicotear, o vento;
Ali, molhados, sentiram
O que é viver ao relento.
À menina foi atendido
Do coração puro, o lamento.
E o povo, por muito tempo,
Teve a culpa por sentimento.
Marilene Anacleto - 16/03/99 – 01:10h
Publicado em: http://rotadaalma.spaces.live.com/ , em 01/09/07
Publicado no site http://www.itajaionline.com.br, em 22/02/01
Publicado no Jornal Folha do Povo – Itajaí – SC, em 27/05/00
Publicado no livro Jardins, Jardins : [poemas[ / Marilene Anacleto. – Itajaí (SC) : 2004. 72 p. : il.