Motivo

Foto de Carmen Lúcia

A bela cigana

“A bela cigana”

texto inspirado no conto de Machado de Assis: "A cartomante"
(Homenagem ao centenário da morte de Machado de Assis)

O velho relógio da matriz acabava de ribombar a nona badalada, que pairava no ar, feito fundo sonoro e enigmático da história empolgante que acontecia.
Passos apressados se fizeram ouvir, como os de alguém que ansiava chegar rapidamente ao destino a que se dirigia. Pelo toc-toc dos sapatos percebia-se serem de salto alto e consequentemente, de mulher.
Parou por uns instantes numa esquina, como que a espreitar, sem se fazer notar, ao ouvir o barulho de um trem. Esperou nervosamente sua passagem e atravessou a linha. Seus passos agora eram mais rápidos, como se quisesse recuperar o tempo perdido.
Seguiu pela Rua do Porto, tortuosa, escura e esburacada. Aquela noite sem luar estava
propícia para o que se propusera a fazer. Uma grande aliada! Após atravessar algumas esquinas úmidas e sombrias, chegou ao local que lhe haviam, sigilosamente, indicado.
Não era bem uma casa, mas algo parecido.Deparou-se frente a um barracão bastante surrado, meio fantasmagórico, mal iluminado por velas e lampiões.
Ficou assustada.Pensou em voltar, desistir de seu intuito, mas o motivo que a levara até ali era muito forte e resolveu continuar.
Olhou para os lados para certificar-se de não haver ninguém por perto e começou a bater palmas.
Uma figura excêntrica, trajando roupas exóticas e coloridas surgiu silenciosamente feito uma aparição. Escondia o rosto num véu, lembrando dançarina do Oriente Médio, deixando à mostra um par de olhos negros, grandes, belíssimos e um ventre bem torneado.
- Boa noite!disse-lhe Lígia.
A cigana fez um leve movimento com a cabeça, cumprimentando-a e estendeu o braço, apontando-lhe o local a que deveria se dirigir.
Ambas sentaram-se nas almofadas que havia ao redor de uma mesinha onde a misteriosa mulher, à luz de velas, começou a colocar cartas de um baralho sinistro, pedindo que Lígia escolhesse algumas. E assim ela o fez, sem tirar os olhos da bela cigana, agora sem o véu.
De repente, viu um largo sorriso em seus lábios, revelando dentes muito alvos e um canino revestido de ouro.
-Vejo imensa luz em seu destino!Seus sonhos serão realizados!Nada a afastará de seu grande amor.Somente a morte, após terem vivido longos anos de felicidade.
Em seguida, pegou a mão esquerda de Lígia :-Essa linha mais comprida da palma de sua mão vem comprovar o que lhe disse.
Lígia sentiu-se muito feliz e um alívio tomara conta de seu coração.Pagou a mulher, que já aguardava o pagamento pelo seu trabalho e retirou-se dali.
Eram vinte e três horas quando chegou à Avenida Coronel Alcântara, onde residia.Não ficava distante do local de onde viera.
Tirou as roupas, os sapatos, vestiu uma camisola branca e deitou-se, sem qualquer ruído, ao lado de Álvaro, seu marido, que roncava, dormindo profundamente.Apagou a luz do abajur e adormeceu logo em seguida, satisfeita com o que ouvira naquelas últimas horas.
Cássio a esperava no lugar de sempre, sem muito movimento de veículos e transeuntes.Final da Rua Vinte e Oito, local ideal para encontros clandestinos.Olhava seu relógio, pois, já passava das vinte horas, horário combinado por eles.

Lígia apontara na esquina, mais bonita que nunca, com um insinuante vestido preto colado ao corpo, ornamentado por um generoso decote, mostrando seu colo macio e branco e uma boa parte de seus seios.Deixava no ar um rastro de perfume francês.
Cássio a olhou com olhos de admiração e desejo.Saiu do carro e abriu a porta para que ela entrasse.
Partiram para um lugar retirado, onde pudessem conversar e namorar tranquilamente.
-Nada irá se opor a nós!As palavras da cigana foram convincentes.Seu misticismo é contundente.Não há como descrer.
Ele riu da credulidade infantil da amante, mas não proferiu qualquer palavra sobre o assunto.Preferia-a assim, crédula e feliz.
Cássio havia sido chamado ao gabinete de seu chefe. Esperava o elevador que demorou um bom tempo para chegar.Bateu à porta levemente e ouviu:-Pode entrar!
Álvaro girou sua poltrona e ficou frente a frente com seu assessor.Fumava um charuto cubano e fazia questão de soltar a fumaça em direção ao seu subalterno.
Este ficou um tanto constrangido, pois notou algo de diferente no ar. Pensou:-Será que ele descobriu tudo?
-Preciso resolver um problema da empresa, em São Paulo, e pela confiança inabalável que tenho em você, pela sua inegável competência, quero pedir-lhe que vá em meu lugar, pois tenho outros assuntos pendentes a resolver .
Deu uma pausa no falar para acender outro charuto.
Cássio jamais negaria esse pedido ao seu chefe e amigo, ainda mais pela consciência pesada que trazia, decorrente da traição amorosa com sua mulher.
-Conte comigo, Álvaro!Amanhã mesmo tentarei resolver isso.
Sentiu-se livre do mau presságio que o invadira.
Combinaram o horário da viagem, despediram-se e Cássio voltou para sua sala.
Lígia atendeu o telefone que tocava insistentemente.
-Olá, querida!Que tal irmos para São Paulo e termos uma semana somente para nós?
Do outro lado da linha, uma mulher pálida e trêmula, não sabia se chorava ou ria.
Ele a tranquilizou e até sugeriu uma desculpa ao marido.Ela diria que precisava visitar uma amiga de infância, em fase terminal de câncer, na cidade de Resende.
Bem, parecia que tudo conspirava a favor para que os amantes ficassem juntos por mais tempo e se amassem muito.
Poucas horas antes da viagem, Lígia fez um pedido ao Cássio:-Gostaria de agradecer à cigana por essa felicidade, que em grande parte, ela nos proporcionou, já que eu andava tão angustiada, acreditando numa possível desconfiança de meu marido.
Cássio colocou alguns obstáculos nessa idéia da amante, mas, se era para deixá-la mais feliz, concordou.
As horas passavam e Lígia não chegava. Preocupado, resolveu ir até lá. Já era noite e um chuvisco embaçava o vidro do carro, deixando-o impaciente. Parou próximo à linha do trem, para esperá-lo passar. Era um cargueiro que parecia não ter fim.
Finalmente, linha desimpedida! Acelerou o carro e chegou em frente ao barracão que sabia muito bem onde se localizava, graças às informações de Lígia.
Bateu palmas e ninguém apareceu. As velas acesas piscavam e os lampiões estavam apagados.
Resolveu entrar, na surdina. Pé ante pé...A cena que viu jamais sairia de sua mente. Abraçados sobre as almofadas, a bela cigana e Álvaro...e mais adiante, numa poça de sangue, o corpo sem vida de seu grande amor...Lígia!

(Carmen Lúcia)

Foto de Cretchu

ALMA GÊMEA


Todos os atos praticados durante a vida receberão uma contrapartida em vidas posteriores, como é público e notório para qualquer um que conheça as regras básicas da metempsicose. Um dos efeitos que mais nos alerta é a questão das almas gêmeas, tanto por ser romântico, quanto por ser doloroso. Ora, não podia deixar de ser doloroso, já que a dor é parte integrante deste mundo de ilusão. A questão é a seguinte. As almas são geradas para se complementarem mutuamente. Além disso, duas almas são criadas uma para a outra, tornando-se uma só em sua individualidade. É como o frio e o quente, a tristeza e a alegria, o riso e o pranto. Nestas condições, um casal cujas almas foram criadas uma para a outra, e que tenha se amado ardentemente em uma vida passada, mas que por algum motivo tenha abusado das delícias deste amor, voltará separado um do outro na vida seguinte. Isto é um fato. E assim terá ocorrido uma outra volta do parafuso, onde o amor e a dor irão conviver.
Estes amantes irão viver em busca do reencontro, mas não se lembrando do que se passou na vida anterior. Sentirão um vazio em suas vidas enquanto não contrar o ser amado. Ao mesmo tempo estarão separados por uma distância geográfica ou por diferenças econômicas, financeiras, religiosas, e tantas outras convenções que tornam a vida mais dolorosa do que deve ser. Talvez vivam um bom tempo sem saber da existência um do outro, apesar de sentirem no coração que o ser amado está em algum lugar do que se denomina cosmos. Então, um belo dia, tomam conhecimento do outro, muitas vezes de forma inesperada e imprevisível. Percebem as semelhanças de comportamento, gostos, atitudes, idéias. E buscam o reencontro, muitas vezes acreditando tratar-se de um primeiro encontro. Este é o lado romântico.
Só que aqueles empecilhos da distância e das convenções humanas mostram o lado dolorido da situação. Os amantes caminham separados por sua vida que, agora que tomaram conhecimento da existência um do outro, se tornou ainda mais árida. Se olharem para o céu no mesmo momento, à noite, verão a mesma lua, mas não poderão se ver nem se tocar. É como aquele enredo do filme "O Feitiço de Áquila": à noite um dos amantes assume forma humana e o outro forma animal, e durante o dia os papéis se invertem. Estão sempre se desencontrando e, o que é pior, em uma fração de segundos durante a transformação a que estão submetidos, conseguem se ver em sua forma humana, mas sem poderem se tocar e se amar.
Numa situação destas, o suspiro e a dor devem se aliar a atitudes positivas. As almas gêmeas devem estar juntas, pois se complementam. O objetivo é sempre o amor. É necessário empreender todo esforço para o encontro aguardado por eras espirituais, e que é merecido, pois são o complemento que falta para sua integralidade. Porém, muitas vezes, no estágio de vida em que estão, os amantes acabam por ficarem separados até o momento final. Mas o amor irá vencer. A dor será superada. As almas gêmeas, se não se encontrarem fisicamente neste mundo de ilusão, irão se encontrar em um lugar melhor para ambos, que, deste modo, ficarão unidos e purificados de todo sofrimento.

Foto de Sonia Delsin

ANOS DE TERNURA

ANOS DE TERNURA

Hoje uma libélula entrou pela porta aberta da minha sala de visitas e por um tempo ficou debatendo-se tentando encontrar a saída. Quando ia ajudá-la, ela acabou por si mesma encontrando-a.
Lembrei de meus tempos de criança. Tive mesmo uma infância encantadora e desde pequena sempre adorei insetos, animais, a terra, as plantas. Eu me sentia parte integrante daquela natureza que me rodeava.
Vou contar um pouco do lugar onde passei toda minha infância. Era naquele tempo uma terra agraciada com recantos deliciosos (o tempo passou e muitas coisas mudaram).
Entrando por uma velha porteira seguíamos por uma estradinha muito singela, onde meu pai havia plantado de cada lado coqueiros de pequeno porte. Um verde e um roxo. Ele tinha verdadeiro amor pela estradinha, e todos os dias a varria com uma vassoura de bambu. Essa estradinha passava por um velho paiol onde guardávamos o milho que mais tarde se transformaria em fubá.
Andando mais um pouco já avistávamos o jardim de mamãe. Belo jardim! Rodeava a casa, que era muito simples. Andando mais pela estradinha chegávamos a um rancho, que foi o cenário de muitas fantasias minhas.
Tínhamos várias cabras sempre e me lembro de muitas aventuras que tivemos com elas. Todos os filhotes ganhavam nomes. Lembro-me como se ainda estivessem diante de meus olhos, e pareço ainda sentir os puxões de cabelos (tentando mastigá-los) que elas davam quando me aproximava.
Na chácara tínhamos muitas jabuticabeiras, talvez umas noventa. Não sei se exagero, mas eram muitas. Próximo ao nosso jardim havia uma fileira de umas cinco delas, muito altas; onde meu pai fazia balanços para brincarmos.
Deus! Quando floriam, que perfume! Aquele zum zum zum de milhares de abelhas... as frutas nas árvores depois de algum tempo!
O pomar era uma beleza, tínhamos grande variedade de frutos e nos regalávamos com toda aquela fartura.
Havia o moinho de fubá que foi o meu encanto. Aquele barulhinho, parece que ainda o ouço.
O vento nos bambuzais, aquele ranger e os estalos. Gostava de caminhar entre os bambus, mas meu pai nos proibia de freqüentarmos aquele lugar, devido a grande quantidade de cobras que costumava aparecer por lá.
Havia dois córregos e mesmo proibida de entrar neles eu desobedecia algumas vezes.
Tínhamos um cão muito bonito que participou de toda a minha infância, recordo-o com seu pêlo preto brilhante, e meus irmãos se dependurando nele para darem os primeiros passos.
No meio do jardim tínhamos uma árvore que dava umas flores roxas, São Jorge nós a chamávamos. Não sei se é esse mesmo o nome dela. Ela tinha um galho que mais parecia um balanço e estou me lembrando tanto dela agora.
Eu, vivendo em meio a tudo isso, estava sempre muito envolvida com a natureza que me cercava e muitas vezes meus pais surpreendiam-me com os mais variados tipos de insetos nas mãos. Eles me ensinavam que muitos deles eram nocivos; que eu não podia tocar em tudo que visse pela frente; que causavam doenças e coisa e tal. Mas eu achava os besouros tão lindos, não conseguia ver maldade alguma num bichinho tão delicado. Não sentia nojo algum e adorava passar meus dedos em suas costinhas.
As lagartixas, como gostava de sentir em meus dedos a pele fria! Eu as deixava desafiar a gravidade em meus bracinhos.
Muitas vezes meus pais me perguntavam o que eu tanto procurava fuçando em todo canto e eu lhes dizia que procurava ariranha. Eu chamava as aranhas de ariranha e ninguém conseguia fazer-me entender que o nome era aranha e que eram perigosas.
Pássaros e borboletas, eu simplesmente adorava. Mas fazia algumas maldades que hoje até me envergonho de tê-las feito. Armei arapucas e peguei nelas rolinhas e outros pássaros mais, somente para vê-los de perto e depois soltá-los.
Subia em árvores feito um moleque e quantas cigarras eu consegui pegar! Também fiz maldades com elas e como me arrependo disto! Eu amarrava um barbante bem comprido no corpo das pobrezinhas e deixava-as voar segurando firmemente a outra ponta nas mãos, claro que depois as soltava.
Mas se por um lado eu fazia essas coisas feias, por outro eu era completamente inocente e adorava tudo que me cercava.
Os ninhos, eu os descobria com uma facilidade incrível porque acompanhava o movimento dos pássaros que viviam por lá. Adorava admirar os ovinhos e os tocava suavemente. Eu acariciava a vida que sentia dentro deles. Visitava os filhotinhos quando nasciam e quantas vezes fui ameaçada pela mãe ciumenta.
Estas são algumas das recordações de minha infância, do belo lugar onde tive a graça de ter vivido, acho que é por este motivo que gosto de contar sempre um pouco dela. Era mesmo um lugar privilegiado aquele e gostaria que todas as crianças pudessem também desfrutar de uma infância tão rica em natureza e beleza como foi a minha.

Foto de Darsham

A vida do Pesadelo

De quando em vez, em momentos inesperados, carregados de significados surgem no meu pensamento pequenos pedaços da vida, vistos de diferentes vertentes e ocasiões, que me fazem pensar…
Pensar, analisar, questionar o nosso papel como seres humanos, individual e colectivamente neste mundo que nos foi dado, e que posteriormente e numa constante e frenética actividade se modifica ao nosso bel-prazer e à existência das nossas pseudo necessidades.
É-se mil pessoas numa só e ao mesmo tempo não se é ninguém.
Somos os catalisadores das nossas destruições…somos fúteis, e buscamos o prazer momentâneo sem nos preocuparmos com as futuras consequências, que se traduzem na devastação completa de tudo o que temos desde que nos entendemos por gente.
Foi-nos dada a possibilidade de podermos ter o direito de escolher, de ter sempre dois caminhos por onde seguir, sem nada ser imposto nem obrigado, mas com a consciência advertida de que existe um mau e um bom caminho, e que nos cabe a nós construir a nossa consciência, estruturando-a de acordo com a capacidade de distinguir o certo do errado. Esta capacidade traduz-se pelos valores, os nossos valores e que nos comprometemos a viver de acordo com eles, por serem comuns a todos e para que seja possível uma existência pacífica e um usufruto repartido, consciente e justo sobre tudo o que nos é dado sem ser pedido nada em troca: os nossos bens mais preciosos e que são determinantes para a continuidade da nossa existência, os nossos pontos de orientação que nos permitem perceber que a nossa liberdade acaba quando começa a do próximo.
Afirmo com toda a intensidade, que somos abençoados com pequenos privilégios que se estendem pelos nossos 5 sentidos e nos deixam extasiados…sensações únicas, momentos inigualáveis, visões que mais parecem alucinações, ilusões, sons que nos penetram a alma, deixando marcas em nós e ainda a capacidade de podermos esboçar um sorriso de felicidade quando, sem sequer precisar de olhar, sentimos que alguém querido veio até nós (eu sorrio só de pensar).
Somos seres dotados de extrema sensibilidade e inteligência e temos uma exclusividade que nos torna diferente de qualquer ser vivo que exista no mundo…podemos sentir o amor, sentimento tão sublime, que ninguém, em parte alguma o consegue descrever com precisão e exactidão. Sublinho, somos abençoados, 1, 2, 3 vezes, mil vezes por acordarmos para um novo amanhecer, em que abrimos a janela e nos deixamos lavar pela vida …
Verdade, somos acima de tudo ridículos por ter tudo e passarmos a vida acreditar e a lamuriar que nada se tem, destruindo assim, gradualmente o que na nossa cegueira de querer sempre mais, não vemos, ou vemos e ignoramos, já que é essa a nossa natureza, desvalorizar coisas importantes…
Por vezes temos rasgos de sanidade e prometemo-nos a nós próprios que vamos modificar a nossa atitude perante a vida e os outros, mas depressa nos esquecemos, e promessas são levadas pelo vento…
Vivemos numa guerra constante, connosco e com os demais, pelas mais diversas razões, de uma forma continuada e impensada, porque agimos através de ímpetos, que não procuramos controlar, de impulsos que se assemelham aos dos animais, como se todo o mundo fosse uma selva.
Construímos muros em cima de histórias, colocamos pedras sobre o ar que respiramos, valorizamos o mau em detrimento do bom, por o vivificarmos e vivenciarmos constantemente sem dar espaço para a alegria entrar…nós sufocamos a alegria e o bom senso…
Representamos na maior longa-metragem alguma vez feita, numa constante troca de papéis, e nunca acabamos por perceber qual é realmente o nosso. Em vez de nos regermos pelos nossos supostos valores, estamos mais preocupados em agradar este ou aquele, pensando o que poderemos obter dali. Vivemos na era da hipocrisia. Estamos sempre prontos a apontar o dedo, a julgar, como se nós próprios fossemos o modelo inquestionável de perfeição. Representamos o chefe sisudo, de mal com a vida, porque já não ganha tanto como ganhava com o negócio; a colaboradora, que desconhece o simples significado de sorrir, e mostra claramente que está ali a fazer um frete; o médico que nos passa a receita sem sequer olhar para nós; a senhora reformada que passa as tardes no café, falando da vida de toda a gente, criticando e apontando o dedo; a proprietária do pronto-a-vestir, que nos diz que a roupa nos assenta como uma luva, quando nos vemos ao espelho e nos assemelhamos a algo parecido com um ET; o senhor que vende peixe no mercado, e que afirma estar fresquinho, quando o peixe já está completamente vermelho de tanto gelo que levou em cima para parecer “fresquinho”; o político que faz promessas que nunca se virão a cumprir; a professora que está mais preocupada em que os alunos façam tudo certinho e em silêncio, do que propriamente em ensinar, orientar e formar futuros cidadãos; o polícia que está mais preocupado em caçar multas do que velar pela segurança da comunidade; a eterna mãe preocupada e sofredora, que vive num constante receio no que diz respeito ao caminho que os seus filhos irão seguir e que faz disso uma obsessão; o pai que sai do trabalho, cansado e que em vez de ir para casa, segue para o café, onde bebe cerveja atrás de cerveja, até que lhe vão buscar ou até ao fecho do café e que quando vai para casa culpa a mulher por todos os seus infortúnios; o (a) filho (a) certinho (a) que segue à risca tudo o que lhe é incutido no seu seio familiar e que não constitui problemas em contraste com o (a) filho(a) despreocupado(a), que quer curtir e vida, sem perder tempo com coisas que não interessam, procurando sensações cada vez mais arrebatadoras, fortes e loucas, porque é nelas que conseguem agarrar, ainda que efemeramente estados de completa euforia que acreditam conter o segredo milagroso para uma vida plena, e principalmente sem tristeza; a menina gordinha, que na escola é ignorada e gozada pelos seus colegas, em contraste com a menina popular, com quem todos querem brincar; a eterna sonhadora que acredita que a vida é um sonho construído em cima de um castelo de areia; o casal, que cheio de dívidas mal consegue dormir e discute a toda a hora questionando-se sobre como a vida de ambos teve aquele rumo…
Os ricos…os pobres… os arrogantes…os educados…os maus…os bons…os egoístas…os altruístas…os sensíveis…os insensíveis…eu…tu…os outros…nós…
Somos uma mescla de matéria mexida e remexida, produto de nós mesmos e dos nossos ardis, onde a genuinidade se extinguiu…
Vivemos assentes numa liberdade ilusória, mascarada…vivemos mais presos que um detido por homicídio. Nós construímos as nossas próprias barras de ferro, fechamo-nos dentro de algemas e jogamos a chave fora.
E a simplicidade? E a alegria de estar vivo e sorrir sem ser preciso ter um motivo? E a partilha? E a vida, só por ser vida e vivida?
Só existe esta e enquanto não tivermos a plena consciência desse facto e que também passa muito depressa vamos cavando lentamente a nossa própria sepultura e acabamos por ser autores, em parte da nossa passagem para outro mundo que não este.
Sonho e anseio por um dia em que todos nós vamos acordar e perceber que não somos personagens de um pesadelo constante e irreversível, mas sim de uma vida que teimamos transformar nesse pesadelo que já pensamos viver…
Vamos então todos juntos acordar num grito de esperança??? Um dia…um dia, quem sabe…

Foto de Rosinéri

QUANDO O AMOR ACONTECE

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração
parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção
pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta:
pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d'água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se os corpos se atraírem loucamente, se a química da pele permanecer antes, durante e depois de fazerem amor, acredite:
vocês são almas afins.
Se fazer amor for muito mais do que fazer sexo, se o prazer não for só um momento e se depois vocês dormirem abraçados, entrelaçados até amanhecer o dia, aceite:
algo de muito importante está acontecendo na sua vida...
Se acordar no meio da noite e sentir vontade de observar a pessoa dormindo, sentir a respiração, tentar adivinhar o que ela está sonhando e, neste momento, sentir vontade de beijá-la com carinho, e essa pessoa, mesmo dormindo, retribuir , assim, meio inconsciente, fique feliz:
vocês já são um do outro, inteiramente...
Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa,
se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração , agradeça:
Deus mandou-lhe um presente divino - o amor
Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum motivo e em troca, vier um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos
e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se:
vocês foram feitos um pro outro...
Se por algum motivo você estiver triste, se a vida deu-lhe uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa:
você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida...
Se você não consegue dirigir com as duas mãos, porque não pode deixar de tocar a outra pessoa nem por um instante, que incrível:
ocês estão correndo perigo e nem se dão conta disso...
Simplesmente não conseguem se desgrudar... Se você conseguir, em pensamento, sentir o cheiro da pessoa como se ela estivesse ali do seu lado... Se você conseguir adivinhar o que ela comeu no jantar, mesmo sabendo que ela tem dez pratos preferidos...
Se você conseguir saber o que está incomodando a pessoa, mesmo que aparentemente esteja tudo bem...
Se você souber exatamente o momento do filme em que ela vai estar chorando, mesmo sem olhar pra ela...
Se você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados...
Se você não consegue andar pelas ruas, sem deixar de segurar a mão da outra, mesmo que um poste atravesse os dois ao meio...
Se você consegue ficar somente 15 minutos aborrecido depois de uma briga (daquelas em que tudo termina somente por meia hora)...
Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo encontro que está marcado para a noite...
Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...
Se você tiver a certeza que vai ver a outra envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela...
Se você preferir morrer, antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida.
É um presente de Deus. É uma dádiva.
Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam ou encontram um amor verdadeiro. Ou às vezes encontram e, por não prestarem atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.
É o livre-arbítrio.
Por isso, preste atenção nos sinais!
Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o ceguem para a melhor coisa da vida:
o amor.

Foto de Fredericorego

CONFUSO AMOR

Guardo o tempo,
O vento,
Um pouco de tudo.
Que cheira terra molhada,
Frutos silvestres maduros,
Corpos suados no labor,
No amor,
No horror.

Sou o cárcere que te priva,
Que te liberta,
Que te magoa,
Por motivo qualquer,
Em instante qualquer.

Sou um fragmento de tudo
Que te traz ódio,
Que te dá prazer.

Sou um pedaço do mundo,
Que gosta do teu cheiro,
Que gosta do teu corpo molhado.

Sou um apêndice insano, egoísta...
Um detalhe que te destrói um pouco,
Que te faz chorar,
Que te faz odiar,
Que te faz amar.

Sou para você um pouco de tudo,
Um pouco de nada.
Um corpo,
Um vulto,
Um desejo,
Um motivo de agonia,
Um motivo de satisfação.

Foto de Sonia Delsin

A FORÇA DA NATUREZA

A FORÇA DA NATUREZA

Os mais velhos sempre me disseram uma frase que hoje me voltou nítida à memória. Que ninguém pode com a força da natureza. Minha avozinha me mostrava o fogo e falava: Quem o domina? Os elementos têm poder. Não brinque com fogo.
Meu pai me ensinou a amar e a respeitar a natureza. Quantas vezes assistimos juntos temporais acompanhados de raios, de trovões. Quantos estragos vimos juntos e quanto falamos a respeito.
Quem consegue segurar com as mãos a água? Um bem tão caro, mas que pode nos tirar a vida; tão benéfico e tão traiçoeiro tantas vezes.
Eu que quase morri afogada aos doze anos sei bem como é. Eu queria me segurar, me dependurar em alguma coisa e esta coisa simplesmente não existia dentro daquele rio. Não era a hora de minha morte, porque meu irmão que sabia nadar me retirou de lá quase sem vida. Depois aprendi a nadar, mas junto com a natação aprendi algo muito importante, a respeitar a água.
Ontem tivemos aqui em minha cidade uma chuva repentina e acompanhada de forte vento. Um vendaval.
Eu e meu filho ficamos olhando as antenas que balançavam e nosso pé de acerola que tombava todo.
Por sorte os galhos são bem flexíveis e tombam, mas não quebram facilmente.
Está tão bonito este nosso arbusto e eu não queria vê-lo por nada deste mundo ao chão caído.
Pois bem, vou adentrar agora no que me levou a escrever esta crônica. Quando cheguei hoje no local aonde estudo a primeira coisa que vi pelo portão entreaberto foi que uma de nossas belíssimas árvores, uma cuja sombra tantas vezes praticamos tai-chi ao ar livre, estava tombada. Os galhos retorcidos...
Pareceu-me que um gigante andou por lá ontem. Torcendo galhos como educadores maus torcem braços de aprendizes.
Foi esta a minha sensação, mas não acredito que a natureza venha se vingar em cima de belas criações como aquela árvore tão linda. A idéia me passou e o motivo nem sei. Também nem sabia se devia citar aqui isto, mas citei e está citado.
No chão estava o filhote de João-de-barro e os pais aflitos revoavam por lá.
É duro descrever a cena. Nos ponteiros da bela árvore algumas flores azuladas permaneciam lindas como ela se ainda estivesse de pé.
Senti vontade de chorar. A dor daqueles pobres passarinhos que tantas vezes vimos carregando material pra fabricar o ninho chegava a doer no meu peito.
Ficávamos admirando, conversando sob a árvore e os dois tão empenhados em construir a casa.
Olhando-os revoando conseguia trazer de volta os dias que os via trabalhando na construção do ninho, a alegria deles.
Uma cerca de segurança foi colocada, pois uma das outras árvores estava com o caule totalmente trincado e perigava cair.
Fui triste para a sala de aula, porque deixamos no pátio aquela árvore tombada. Fiquei imaginando se vão cortar as que ficaram de pé, porque me parece que apesar de imensas, elas são frágeis. Ou o vento foi tão forte?
Acredito que exista sim uma fragilidade naquelas árvores, mas são idéias minhas. Não conversei a respeito com nenhum entendido. E também não sei como encontrarei tudo lá amanhã.
Não teremos mais aquelas sombras tão aconchegantes? Será muito desolador encontrar aquele local vazio.
Mas se elas podem colocar as vidas das pessoas em risco...
Algo a pensar, realmente.
Bem, quem pode com a força da natureza? Algumas vezes vemos um céu tão azul, tão quieto. E de repente algumas nuvens se formam, chega um vento e o que parecia que ia durar eternamente se acaba.
Eu tinha que contar. Eram simples e lindas árvores, mas fazem parte do meu dia-a-dia. Ajudam a enfeitar o tempo que passo lá; pela beleza; pela sombra; pelos pássaros que nela se abrigam; pelas parasitas grudadas nos caules.
Senti vontade de chorar...senti vontade de contar e contei.

Foto de Thatiane Ognibene

O encanto ao meu encontro

O encanto começa com um simples encontro com alguém que conheça ou nunca tivesse visto na vida, mas a primeira coisa, bate um olhar distante, e sem perceber toca seu coração.E esse olhar , Ah!!! esse olhar, fica na memória , e nem sabendo que um dia iria virar um amor.
Por um pequeno gesto de carinho, um gesto diferente, cativa e deixa lembranças na cabeça.
Mas será eu estar certa do encanto?Do brilho do olhar?De uma simples presença que fascina?Ou será um puro e inocente conto de fadas que só se vê em revistas e televisão?
Será que existe o encanto?
E amor será que existe?
A resposta está em cada um de nós que surpreendemos e entristecemos alguém por algum motivo.
Cada um possui um mistério diferente guardado por dentro, e o encanto é o que se desvenda na outra pessoa.Simplesmente é um presente que não só possui um papel bonito por fora , mas um valor enorme por dentrro, cheio de caráter, dignidade e amor!!!
Ao juntar o mistérios descobrirá a união verdadeira que começou de um simples olhar e carinho.
O verdadeiro amor é plantado por dentro , nasce, cresce e se desenvolve coma força de que esse amor seja regado todos os dias de formas diferentes, com todo amor e encanto.
Na vida há várias situações que se possa enganar, pois conhecer a pessoa é o maior previlégio , pois só assim saberá se é apenas um embrulho sem nada dentro ou alguém especial que surgiu e sem querer te cativou o coração.
O olhar diz coisas que a própria razão desconhece.
Se há o encanto , um olhar,um carinho, o mistério de duas almas gêmeas que só estavam esperando uma pela outra, abra seu coração, pois ele não foi feito para guardar tanta emoção só para ele.é capaz de etr um enfarte .
Compartilhe a alegria e felicidade e o encanto dentro de você, pois os verdadeiros amores nasceram de um simples encontro com alguém.

Foto de Juliana Aquino

Despedida com sabor de reencontro

Hoje foi um dia de despedida!
Despedida feliz, você me disse coisas lindas e me fez revelações das quais eu não sabia.
Nos amamos, sei disso.
Sentimos saudades e vontades um pelo outro, mas como você mesmo me disse: nossas vidas tomaram rumos diferentes.
Não gostaria de sacrificar nosso amor, mas há escolhas na vida que fazemos e não sabemos o real motivo.
Quem sabe no futuro você escolhe ficar comigo,
E quem sabe eu aceite essa loucura e vá viver de amor em seus braços macios e acolhedores.
Saudades de ti meu amor. Saudades do teu beijo, do teu cheiro e do te corpo.
Esperarei o dia de nos reencontrarmos novamente.

Foto de Miqueias Costa

Somos presos e somos livres

Somos presos e somos livres

Jamais esqueça de nenhum momento, seja o de tristeza ou aquele que um dia felicitou sua vida.
Unificar o seu viver e transformá-lo, é tão importante quanto o entender da parte sofrida.
Livres somos e somos presos, tudo pelo poder de julgar muitas vezes o que não se deveria.
Imagine uma noite sem luar, quem se preocupará enquanto a energia a noite dominar?
Ame quem a ame, lute por seus desejos, deseje e faça-se desejar, não invente... Simplesmente crie sua forma de amar.
Não sofra antecipadamente, pois esperança há enquanto acreditar em si... Se encontra a verdadeira força no pensamento.
Ajude, não prometa, realize e sinta o seu coração, olhe para o mundo e perceba que tudo se resume num só momento.

Momentos vão, momentos vem, muitos acontecerão e outros nem sequer virão.
Antes de tudo lembrar que somos presos e somos livres, muitas vezes muitas coisas acabam ocorrendo e ocorrem em vão.
Razão é o motivo, o motivo transforma-se em força, a força em realização e dessa trilha sua atitude foi tomada.
Impedir um fato não é o fator mais predominante, o que vale é procurar e descobrir o motivo de ter sido tão arriscada.
Analise sua vida de uma forma agradável sem querer se alto corrigir por acontecimentos do passado.
Nada em sua vida aconteceu simplesmente por acontecer, nada vive e nada vem do acaso.
O momento mais importante é o hoje, então procure sorrir, procure o procurar e quando encontrar... Guarde-o!

Miquéias Costa

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