Fome

Foto de Minnie Sevla

Carnaval

Tempo de folia?
E o que é a folia senão alegria?
Descanso, sol, mar, se revigorar
para quem gosta de pular...
Retiro espiritual para reflexão, oração...
E o mundo precisa de quê?
Folia?
Precisamos da verdadeira alegria
de justiça,
paz,
amor e fraternidade que
emana a mais pura felicidade!
Carnaval no Brasil,
fantasias lindas.
Escolas de samba com mulheres nuas,
carro alegórico quebrado na rua.
Um lado retrata gastos em futilidades
do outro a fome ataca sem piedade.
Brasil, dos sonhos de alguns
Da realidade dura de outros.
Brasil de muitos carnavais mais de
tão míseros reais...

Minnie Sevla

Foto de Raiblue

Corrompida mente...

.
.
Acordo...
Em desacordo
Com o tempo...
Entre as nuvens
Do travesseiro
Seu cheiro
Desperta
A fome...
Lasso anseio
Numa tácita manhã...
Hiberno no meu quarto
Inverno por um dia inteiro...
No blues da distância
Bebo as lembranças
Sorvo o sumo
Extraído do corpo
Nos dedos molhados
Procurando por ti lá dentro...
Pulsando...latejando...explodindo...
Absorvo teu gosto misturado ao meu
Vinho e veneno
Absolvo-te
Do delito maldito
Ex traída
Corrompida
Pelo apetite
Voraz da carne
Crua...lasciva...
Num sádico delírio
Claustro divino
De um deus pervertido
Demasiada mente humana
Desejo!

(Raiblue)

Foto de Raiblue

Jorrando néctar em seu tédio...

.
.

Seu tédio
Se agarra aos meus olhos
Quer brincar com o fogo
Provar meu ópio
Alongar a noite
Esmagar a lucidez dos dias
Se atirar num delírio sem fundo
Se perverter no bordel do meu corpo
Se derramar nos meus submundos
Na impureza da minha carne crua...
Banquete para contaminar seu sangue
Despertar a fome
Que lhe corrói os ossos
E agora devora todo ócio
Num vício nascido num gole de cólera...
Numa bebida alucinógena dividida comigo
Absinto...
E bebemos a vida que escorria
Naquele momento
Lua nua...rubra...
E o sol nascia nos becos imundos
Por pura anarquia
Dissolvendo a escuridão
In fusão de corpos
Meu ventre exalando
A impureza mais santa
Minha flor profana
Jorrando néctar em seu tédio...

(Raiblue)

Foto de Raiblue

Beco sem saída

.
.

Nos becos sujos
Da cidade vazia
Eles se encontram
Fugitivos do cárcere
Da burguesia
Amam-se como bichos
Sobre um jornal
Anunciando
As dores do mundo...
E o amor se derrama
Sobre a notícia
Dissolvendo as letras
Desfazendo a realidade
Tudo por um instante
É só carne...carne...
Quente...úmida...trêmula...
De dia, nos becos,
A fome dos meninos
Abandonados nas ruas ...
À noite,outra fome....
Dos pervertidos amantes
Abandonados
Ao mais carnal desejo...
Alheios a tudo
Aos perigos dos submundos
Bebem na taça do corpo
O antídoto dos dias vazios
Sem a rebeldia do amor...
Dissolvem os medos
E fazem do beco
Um ninho...um segredo...
Devoram-se
Como se devorassem a vida
E não mais precisassem
Voltar...
Perdidos no beco sem saída
Da paixão mais devassa
Em uma noite que não passa...
E,de repente,
Estrelas de sussurros
Iluminam o beco escuro
E os amantes tocam o céu
Azul derramado sobre o concreto
Mar invadindo o deserto
Milagre...
Mistério...

(Raiblue)

Foto de Sirlei Passolongo

Menino do Agreste

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Lá vai o menino
Lata na cabeça
Em busca de água
Pra matar a sede
Antes que anoiteça

Lá vem o menino
Com calos nos pés
poeira nos olhos
Ele olha pro céu
Vê longe a fumaça
Numa chaminé

Reza pra Deus
Pra ser de sua casa
Que ao menos tenha
mandioca assada
na brasa

E segue o menino
No dia seguinte
A fome lhe aperta
Ele mal pode andar
Mas sabe que a água
É pra sua família salvar

Em seu cruel destino
Ele jamais se rende
A fé nunca perde
Uma vela
Pra Deus acende
Pedindo chuva
Pra toda sua gente

E lá vai o menino...

(Sirlei L. Passolongo)

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Foto de Lou Poulit

LASO, Cia. de Dança Contemporânea

UMA EXPERIÊNCIA LINDA

O bailarino/coreógrafo/ator/professor CARLOS LAERTE, seus intérpretes e assessores, foram uma das mais felizes surpresas da minha vida.

Estava expondo minhas pinturas no Corredor Cultural do Largo da Carioca. Derrepente chegam um mulatinho e uma mulher, ambos lá pelos trinta. Perguntam quanto tempo eu levava para pintar uma daquelas telas (série Bailarinos Elementais). Descrente, respondo que dependia do grau de elaboração, uma hora... um dia... Eles se entreolham e depois o mulatinho pergunta se me interessava por apresentar meu trabalho num espetáculo de dança contemporânea e quanto cobraria. Confesso: além de não acreditar, na hora também não entendi. Nunca soube que espetáculos de dança apresentassem pintores trabalhando ao vivo!

Acertamos cachê, marcamos data e hora. Me pegariam de van em Copacabana, onde tinha ateliê, e estaria embarcando para Campos, cidade aqui do estado conhecida pelas muquecas e peixadas, onde faríamos uma apresentação no dia seguinte. Só acreditei quando a van chegou, trazendo uma penca de bailarinas tímidas e a tal mulher, que parecia saber todas as respostas mas não era a deusa. O deus era o tal mulatinho, bem quetinho no canto dele.

Pois bem, a gente nasce com dois olhos e ainda assim é muito pouco. Íamos fazer um ensaio técnico de véspera e estava prestes a conhecer um trabalho artístico maravilhoso, seríssimo e cativante. Fizemos aquela apresentação no Teatro Municipal de Campos, depois fui novamente convidado e fizemos outras, no Espaço Sérgio Porto, no Centro Coreográfico da Tijuca... A cada dia tinha a impressão de reencontrar uma aura registrada no meu sangue e da qual não me lembrava mais. Explico para que entendam: minha avó paterna, Nair Pereira, fora bailarina no tempo do teatro de revistas. E dessa história só restava, até há pouco tempo, a madrinha de batismo de meu pai, hoje falecida, Henriqueta Brieba. Também pelo lado paterno, meu bisavô que não conheci em vida, Antônio "Paca" Oliveira, fora homem de circo: o maluco (me perdoe o linguajar moderno) foi o primeiro homem-bala do Brasil, num tempo em que se fazia isso para matar a fome. Só podia ser! E sem seguro?! Em troca de meia-dúzia de cobres e o aplauso de meia-dúzia.

Na hora da apresentação ficava pintando no palco e de costas para o balé, mas durante os ensaios aquela gente me impressionava. Assim descobri o talento inequívoco do coreógrafo Carlos Laerte, a sua memória fantástica de um trabalho artístico que usa vários recursos simultaneamente, e ainda tem registrados todos os pequenos erros das últimas apresentações para que não se repitam. Até eu, que estava ali assim, como vira-lata caído do caminhão, também mereci uma crítica para melhorar o desempenho!

Os intérpretes estimulavam a minha adimiração. Carol, Simone, Yara, Bianca e Rodolfo, o espírito da arte habita, com certeza, todos eles. Não se pode compreender aquela gente de outra forma. Repetem infinitas vezes seus movimentos, perseguindo pequenas eficiências. Tornam-se íntimos do cançasso e, não é exagero dizer, da dor física. Controlam o próprio ego para que o coreógrafo corrija a interpretação de outro bailarino, já que precisam estar sincronizados, e isso é uma espécie de ginástica psíquica. Outra deve ser a nacessidade de por temporariamente na gaveta os problemas de casa, filhos, maridos/namorados, para não perder a concentração.

E tudo em troca de cerca de cinqüenta minutos. Esse é o seu tempo. O tempo em que os intérpretes são os senhores do momento, da luz que explode em seus corpos húmidos, da linguagem do movimento, do ritmo do qual nem o cosmo pode prescindir, enfim, da emoção que paira sobre e em todos, profissionais e expectadores, como uma hóstia artística que paira sobre o cálice do sacrifício e da adoração. Nessa hora a arte é a deusa e o espetáculo me parece uma grande comunhão, porque nos faz comuns uns aos outros, porque amamos isso e nos oferecemos para construir e transmitir a emoção. Incrível isso, eles constróem sua arte complexa em muitas horas de dureza. Ao final é como o velho exercício de imagens feitas de areia colorida nos mosteiros do Tibet, como alusão à transitoriedade da vida humana: o mestre passa a mão na imagem pronta, perde o momento, e nos liberta dela para que possamos recomeçar, com o mesmo amor, a reconstrução do nosso próximo momento. Uma pintura minha pode ser feita por dias consecutivos e depois guardar aquela emoção por décadas, talvez um século. Por isso me parece tão menor do que a arte que esse pessoal faz.

O espetáculo "Caminhos" fala exatamente disso: reconstruir sempre. Recomendaria aos expectadores de primeira viagem que se vistam condignamente. Aos homens que não deixem de fazer a barba e se pentear. Às mulheres que não usem saias demasiadamente curtas, pintem-se com sabedoria, cuidem do andar e do falar. Porque talvez estejam indo na direção de um grande e insuspeito amor. Se em minhas palavras houver poesia, não há mentira. No meu caso particular, como no de muitos outros, esse amor atravessou várias gerações".

Foto de Paulo Gondim

A fila do leite

A FILA DO LEITE
(Paulo Gondim)

Num sonho, vi pobres mulheres
Com surradas sacolas de supermercados.
Sacolas plásticas e pequenas,
Porque pequenas também eram suas poucas compras.

Enfileiravam-se de forma sinuosa,
Olhares “compridos” por sobre os ombros das outras,
Como se esperassem um pequeno milagre.
Milagre este que se resumia em dois saquinhos de leite.

Vinham tristes, caladas e de semblante fechado,
Como se fecharam também seus corações
Pela brutalidade de maridos pobres,
Que lhes geraram muitos filhos (ainda mais pobres).

E saíam da mesma maneira que chegavam...
Sem um sorriso, com a roupa humilde, o olhar perdido;
A esperança desfeita, os sonhos castrados
De pessoas que pouco têm e tudo lhes faltam.

E no sonho eu via suas dores diárias,
A rotina de fome, o ciclo de miséria.
E voltavam na mesma fila do pequeno milagre.
Olhavam-se caladas e saíam caladas
Prá viverem mais um dia de escassez,
Que a injusta pobreza lhes reservara.

E do sonho acordei e me assustei,
Quando vi, do outro lado da rua,
A mesma fila de mulheres sofridas,
Mal alimentadas e mal vestidas
Com suas pequenas sacolas de supermercado
(Aquelas que pensava só existirem nos sonhos)
E pegavam um litro de leite quase mendigado.

Foto de Raiblue

Amor marginal

.

Viajo...

Submersa em tuas águas
Em tuas avenidas mais devassas
Submundos de delírios
Meu ópio, meu vício...

Respiro...

O teu cheiro masculino,e me distraio
Em cada esquina do teu corpo viril
Num transe crescente e delinqüente
Descobrindo perfumes indecentes ...

Toco...

Tua carne, preparando o caminho
Desvendando passagens em tuas ruas vadias
Onde faço a mais marginal poesia
Para me deitar contigo e brindar nossa orgia!

Beijo...

Cada pedaço desse percurso
Sulcos de salivas vão se formando
Inundando a noite por todos os cantos
Desse lugar sedutoramente insano!

Imploro...

Tua boca, tua língua, tua fome
Degusta-me,beba-me,embriague-se
Quero ser o teu último gole
Nessa noite subversiva
Dois marginais e um poema...

Em carne viva!

Depois...

Olhos de ressaca
A saudade
A desintoxicação
E mais nada...

(Raiblue)

P.S.:Poema registrado na Biblioteca Nacional.
Lembre-se de que plagiar é crime!

Foto de Daemon Moanir

Vontades

Tenho sede de amores eternos!
E de beber paixões violentas!
Embebedar-me em mulheres sedentas!
Sentir a boca pesada de tanto estar aberta
De falar deitado, ver estrelas cadentes,
De beijar demais lábios ardentes,
De o fazer antes e arrepender-me depois…
Tenho fome de vida! Tenho fome de vida!

Escrevo vontade, escrevo por vida!
Escrevo desesperado, sem sossego algum!
Escrevo a remexer-me, mal parado,
Escrevo fechado,
Escrevo para não gritar, escrevo na esperança
De tudo um dia voltar,

Escrevo escondido
P’ra ninguém me encontrar,
Escrevo em falsete,
Escrevo em mentira,
Escrevo sozinho
E escrevo por vida.

Bom era se vontade ter
Desse vida pra lá do nascer,
P’ra lá do viver.
Desse vida sem nada temer,
Desse os cantares dos pássaros
Sem entraves nem discordâncias.
Desse a mim o que mais ninguém quer.

Foto de Raiblue

À luz dos teus olhos índicos...

.

Vem...
A noite me preparou para ti
Despiu-me
Banhou-me em um óleo
Escuro e finíssimo
Feito de vento
Com gotas de lua
E aroma afrodisíaco...

Vem...
Cai sobre meu corpo
Agora!
Estrela cadente
Riscando um verso
Incandescente
Em minha carne
Molhada pela tinta vermelha
Do desejo...

Vem...
Adentra minha íris
Enquanto meu corpo todo treme
Ao mínimo contato
De sua língua solar
Queimando minha pele
Sem doer
Incendiando a noite...

Vem...
Meu eterno poente
Põe o sol dentro da noite
Põe-se dentro de mim...
E grávida ficarei
Da luz que vem de ti
Em direção ao meu jardim...

Vem...
Sou seu banquete
Ofertado pelos deuses
Nesse espaço
Fora do tempo
Espécie de transe
À luz dos seus olhos Índicos
Hipnose
Destino...

Vem...
Nosso mantra é profano
Feito de notas de um orgasmo insano
Invoco seu prazer, de joelhos
Sugo seu néctar, celebrando a festa!
Saciamos a fome
Entre ritos e rezas
Sob o manto azul celestial
Nosso gozo transcendental!

(Raiblue)

P.S.:Todos os meus poemas estão registrados na Biblioteca Nacional.Lembre-se de que plagiar é crime!

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