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Foto de Jardim

nos acostumamos

nos acostumamos com aquilo que esperávamos sem nos importarmos quando viria ou mesmo se viria. cultivamos flores sem perfume, um amor contido que continuávamos aguardando nascer. ao acordarmos do sonho, assistimos a esse vir a ser sem a certeza de vir, um anseio inacabado que enfim se dá por concluído.

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em minha boca calada

em minha boca calada guardo palavras mortas e assisto um mundo que silencia turvo e triste, nada mais o que dizer diante desta imobilidade. a incômoda certeza de não mais estar vivo apesar das evidências. só tu permaneces, ainda que ausente. atravessas as horas como se o tempo fosse para ti um brinquedo, como se fôssemos eternos, como se fosse possível esperar o teu retorno e que novamente caminhássemos juntos. estranha liberdade que me torna insensível ao azul do céu, que esconde meus alicerces ruídos, minha casa incendiada, minha rota abortada. um pouco mais e se terá ido o teu olhar, mais um pouco e também a tua pele. em seguida o vento levará o teu cheiro, assim como já levou minhas ambições. escrever é lembrar quem fomos, é aceitar quem jamais seremos.

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foram eternos dias

foram eternos dias a te procurar até que enfim desistisse, guiado por uma inútil esperança até que esta em pó se desfizesse. tanto foi o tempo a te modificar que te tornaste como quando não existias. voltaste a ser como se nunca tivesse te encontrado, quando não sabia que havias nascido, alguém que passava por mim anônimo na multidão. os lençóis que nos envolviam já não existem. somos o que não éramos, o que poderíamos ter sido, o que nunca fomos. foram dias e dias, insano e cego, oco e roto, até me convencer que nunca te conheci, que minhas mãos nunca te tocaram e te percorreram, que nunca me enrosquei na textura dos teus pelos, que nunca conheci teus medos, que nunca deitaste a meu lado e repousaste tua cabeça sobre meu peito, que nunca fizemos planos, que nunca invadi tuas fendas. me concedeste a chance de estar livre de meus enganos.

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foi preciso te encontrar

foi preciso te encontrar para perder o meu chão e minha pátria, para mergulhar em exílio voluntário e esquecer o nome da terra em que piso. foi por causa de teus descaminhos que se embaralharam minhas rotas e acabei por aceitar meu destino: já não podia mais ser salvo, já não havia mais resgate. por causa deles desfiz minhas fronteiras e me tornei meu próprio horizonte, minhas vontades fora de meu alcance. vassalo de tuas ambições, súdito de tua sorte. foi por causa do que dizias que meus ouvidos se tornaram escravos unicamente do que fosse teu eco. foi por ouvir teus ruídos e tua respiração enquanto me afundava em ti que acreditei que pudesse ser teu dono e que também me possuías. foi por me tocares como só tu sabias e por causa do cor de rosa de nossas línguas a se enroscarem que mergulhei submisso no desconcerto, como um náufrago que desiste de lutar. restou a certeza de que não seria possível acordar ao lado de mais ninguém a não ser que voltasse a ser eu mesmo.

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guardei para ti

guardei para ti rosas e versos, construí cada palavra, pus em cada
uma um gosto de sol e mel, busquei matizes e luzes. aguardei que
sobre elas derramasses teu sorriso ao encontrares ali o teu nome.
minha satisfação brotou entre as pétalas do jardim. o que fiz foi para
esquecer as lágrimas já que agora somente teus dedos correm pelo
meu rosto.

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algo se quebrou no universo

algo se quebrou no universo e sombras emergem da carcaça do mundo com a incessante enunciação de um espaço vazio. eterna e triste é a noite, esse território onde me vejo apátrida, refugiado, imigrante, deslocado. sob o signo do improvável minhas fronteiras são traços arbitrários criados por tua partida, limitados pela imprecisão daquilo que me resta por viver. compulsoriamente recebi de ti outro itinerário, outra viagem, outra existência, que perpassam a simetria da ambiência que foi tua. estranhamente tu permaneces, acima do tempo-espaço, tuas antigas mensagens suturadas ao mutismo da minha boca. como se tivesses abolido os calendários e os relógios, como se o que vivemos não possuísse mais existência concreta, ambos metamorfoseados em seres abstratos. na fuga ininterrupta deste pesado cenário em dissolução, a contínua convulsão enquanto percorro distâncias intermináveis sem outro objetivo definido a não ser a sobrevivência. sem mapas ou direção, sem me comover, acompanho surdamente a paisagem. procura e perda, presença e ausência: estranheza ao lembrar a textura de tua pele, os teus argumentos e os meus enganos. resta esquecer teus contornos, esquecer ferida e cicatriz. esquecer os lugares que compartilhamos. esquecer teu instinto, o espaço que ocupavas, teu toque. esquecer cada vértice de sentido em nossas histórias e me atirar à desordem das procuras e dos encontros possíveis.

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antes que eu pudesse

antes que eu pudesse me dar conta, desde o princípio, antes mesmo
de te conhecer, já te amava. cultivava este amor repleto de
promessas imprevistas, em outro hemisfério, em terras distantes, em
outro continente, por cruzar mares e oceanos até me encontrar. já
amava a tua cor e o teu toque, tuas palavras antes que as ouvisse, já
previa o emaranhar de nós e nosso abraço, minha ânsia em percorrer
teus relevos e teus segredos, teus pelos em minha boca, a umidade
entre tuas pernas. já tinha minhas mãos à espera das tuas, sempre
aguardando a tua chegada, o momento delas envolverem os teus
peitos. te esperei, repleto de histórias de outras tantas que se
desvaneceram no momento em que teus lábios se encontraram com
os meus.

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será que consegues

será que consegues entender que algo em mim passou a bater fora
de seu ritmo, que por onde passo já não tenho pressa, que as noites
deixaram de ser uma busca feroz, que as estrelas, agora as conheço
pelo nome, que naquilo que enxergo surgiram prioridades? será que
percebes que mesmo acordado meu mundo se enovela em sonhos e
que a trama da realidade coaduna com eles tornando mais leve o
tempo? será que escutas a música que eu ouço quando nosso olhar
se encontra no meio de uma conversa e de repente entre nós se faz o
silêncio? ansioso por tocar teus cabelos meus gestos denunciam
minhas intenções quando estou ao teu lado. será que desconfias que
chegar a ti foi o mais difícil dos caminhos, o mais improvável dos
acontecimentos, um lance de dados que não aboliu o acaso? será
que imaginas a extensão da minha fome a te devorar com os olhos, a
ânsia de tocar tuas pétalas e nelas colher o perfume que fabricas?
será que entendes, nas pistas que deixo, na cadência da minha
respiração, a inquietude a que me entrego, até nos menores atos,
nos momentos mais fugazes? mesmo que não enxergues o óbvio,
sigo assim, sem ruído, me aprendendo um pouco mais a cada
instante, me surpreendendo, me reciclando, me recriando, me
reinventando, sem querer apressar as horas, sem precisar de nada
além de que existas.

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o anjo

o anjo que pego em meu colo
tem um pouco mais na memória
do que a sua infância e me conta
na vastidão do seu tempo
a sua breve história.

um anjo em um corpo de mulher,
as asas das horas nos informam
a transgressão e o tempo
que em desejos alados
logo se transformam.

o anjo que ponho em minha cama
é uma parte aventura e outra romance,
prevê na tarde quieta a noite
e o destino que voa além
dos nossos olhos e do nosso alcance.

um anjo que menstrua,
que tem sexo e vagina que me provoca,
entreaberta ela desvenda
o clitóris que a ponta dos meus
dedos e da minha língua toca.

faço de seu corpo o meu endereço
e no meu colo ela me embala,
revela nos espelhos e no esperma
sua santidade e as roupas
que ficaram no chão da sala.

o anjo que beijo a testa
nem parece a mesma pessoa
que estuda, canta, dança, namora.
com suas asas inquietas
antes que anoiteça voa.

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PUPILA

vejo o pequeno corpo:
nenhuma nudez será como antes.
doce provocação, um desafio, o cruel
convite dos teus olhos infantes.

sob meu peso, vejo tua febre urgente.
com o que sonhas, quase menina?
o que te traz este sorriso
que em teu rosto se ilumina?

na leitura de teu corpo bravio,
encontro nos seios seus delicados botões.
quase intocados, ao tocá-los,
descubro a harmonia de suas formas e canções.

logo me conduzes ao úmido território.
da gentil fenda que toquei
transborda o mel com que me liberto:
de que me serve agora tudo o que eu sei?

ainda que eu conheça muitos caminhos decifro,
desvendo, desvelo, imagino;
ainda que sejas somente anjo e aprendiz
contigo mais aprendo do que ensino.

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