Espaço

Foto de Carmen Lúcia

Quero

Quero...
Ser o elo entre o mundo e a paz,
a vida simples de quem é capaz
de unir humildade e grandeza,
sabedoria e beleza
com a mansidão de um barco
aportando o cais...

Quero...
Ser rio que chega ao mar
vencendo as batalhas de seu fluxo
ao tornear pedras , colidir em rochas,
modelar-se à opressão das margens,
nortear as águas durante seu percurso,
único recurso para estancar a sede.

Quero...
ser o filme dos instantes felizes,
o ancoradouro das melhores lembranças,
a saudade que faz companhia
quando a ausência marca triste mudança
e a vida mostra o outro lado da face,
um lado sombrio, que se desconhecia.

Quero...
ser a frágil bailarina,
girar o corpo ao redor da rima,
de seu interior ouvir a melodia
inspirada na arte que combina
passos , compassos, coreografia ,
todo espaço irreal, sua geografia
sendo transformada em poesia.

Quero...
ser a tarde e sua nostalgia,
cores indecifráveis a findar o dia
num céu que rouba toda a magia
na transição de fim e recomeço,
reverenciando a noite, o luar,
as constelações do espaço estelar
preparando mais uma manhã.

_Carmen Lúcia_

Foto de Rosamares da Maia

Medidas do Amor

Medidas do amor

Quanto eu te amo? Não sei.
Só sei amar sem medidas.
Do que sou capaz por ti?
Não sei. Sei somente que sou.
E somente amo, sem limites.

Sei que teu silêncio é minha dor.
Tua indiferença meu desespero.
Teu olhar dia, claridade, luz.
Não sei de razões ou sentido.
Sei de amar este amor.

Querer-te incondicionalmente.
Quem ama é porque ama.
E essa é toda a razão.
Somente faz sentido sentir.

É tudo simples assim:
O amor preenche a vida
Não amar esgota, esvazia.
Amor abraça e afaga.

Não amar é frio sem esperança
Corpo na busca solitária de calor
Amor é prumo dos sentidos.
Solidão é deserto entre tempos.
Angustia oprimindo o espaço

Quanto eu te amo?
Não sei, nem o quero saber.
Vivo toda a vicissitude do amor.
Vertendo sorrisos e lágrimas.

Bebendo das alegrias e tristezas,
Tolices e artimanhas de amar.
Somente sei amar sem medidas.
Com a pele toda exposta ao sol.

Rosamares da Maia – 12 de julho de 2013.

Foto de Carmen Vervloet

Nosso Lar

A nossa casa, o nosso ninho,
nosso aconchegante cantinho...
Na jardineira flores sem espinhos,
gerânios e o canto dos passarinhos!

Nosso neto correndo por todo espaço
entre porcelanas, flores e cristais...
Nós dois a espera do seu terno abraço
enquanto, da janela, admiramos o cais.

Da cozinha vem um cheiro de comida
impregnando todo o ambiente,
despertando aquela fome escondida.

Depois, meu amor encantando ao piano,
arrebatando o coração e a mente,
apagando qualquer dor ou desengano!

Foto de Rosamares da Maia

EVOLUÇÃO

Evolução
No tempo a história da Humanidade fala.
Conta à saga da Criatura que de pé caminhou.
Criando laços, traçando passos e trajetórias.
Emitiu sons guturais e logo modulou o tom,

Aperfeiçoando o gesto, ferramenta da mão.
Eis os arquitetos de uma nova criação!
Corpo ereto, pés sustentando movimentos,
Pés e mãos, veículos da mente para circulação.

Artérias a amostra rasgam um novo chão.
Mas logo, o dom de caminhar não basta!
Precisava viajar e transportar, transcender.
Saciar o seu desejo de saber e conhecer.

Assenhorou-se dos rumos desta nova vida.
Pés e mãos convertem-se em máquinas,
Fundem sua força no elo da transformação.
É a nova era, poder, riqueza e progresso.

E da nova vida Homem? Deleite e desfrute.
Fabuloso prêmio ao Senhor dos tempos.
Mais qual o preço? Qual vida? Que valor?
A Criatura é refém da própria criação!

Transita no berço da morte, guiando destruição.
O elo da humanidade perdeu o seu rumo.
Na rota do futuro desencontrou-se do Homem.
Onde e como reaprender o caminho?

É preciso restaurar o caminho e cada passo.
Sem pressa reencontrar o valor do espaço,
A rota do Criador e a humildade da criação.

Laços, passos, traços, elos de vida - Humanidade.
No tempo a história do Homem subverteu-se,
Já não fala, grita e suplica num pranto de dor.
Roda e motor, rolo compressor. Perdão Criador!

Rosamares da Maia

Foto de Joice Lagos

Amor Verdadeiro

Envio-te esta carta, como mensageira de um amor sem fim! para que possas, assim como eu, ter a certeza de que todos os momentos que vivemos foram recheados de imenso carinho e respeito.
às vezes estes detalhes passam despercebidos, como anjos que nos redeiam e não podemos sentir.
O Mundo pode por vezes infindáveis nos desencorajar a confessar os nossos sentimentos mais profundos.
às vezes brigas tolas, não deixam um beijo doce acontecer.
Mesmo assim decidi, que apesar do mundo hoje, não dar espaço ao romântismo, iria contra todos os obsáculos que a vida moderna me impôe, te levar através desta missiva, o meu coração...
...ele está contido em cada palavra desta carta, escondido nas entrelinhas.
E meu amor! quando estiver lendo minhas palavras, feche seus olhos e deixe seu pensamento percorrer nossos instantes.
Porque verás que em todos eles eu lhe disse eu te amo, seja com os lábios, seja com meu sorriso, ou com os olhos.
Se fechares bem os teus olhos, poderás ouvir meu coração em prece dizendo que te ama.

Foto de Joice Lagos

Aos que sofrem de amor

O amor às vezes nos fere e sangra. É uma dor que aflige e oprime. Quando isso ocorre tudo ao redor enegrece e martiriza.
Essa dor tamanha, nos cega a ponto de não vermos uma saída, senão a solidão de um quarto vazio e uma alma em frangalhos.
Mas essa dor, não é amor, é somente dor de perda, dor de solidão.
O amor é sublime, raro, ele nos chega de mansinho e se instala para sempre.
Sem percebermos ele ganha forma e espaço dentro do peito, anulando a dor, e rejeitando a solidão.
O amor não dói, o amor enobrece o ser humano, e só pode entrar em corações abertos.
O verbo amar, só pode ser conjugado a dois e na mesma intensidade. Sendo um complemento do outro.
Mas o amor sozinho não basta, não sobrevive sem o respeito, que se estabelece para manter a paz de uma união.
Muitos dirão que nunca doeu tanto, e que nunca irá passar.
Mas assim como a tempestade se vai, assim desaparece a dor, trazendo um lindo dia de sol e um novo e real sonho de amor.

Foto de Joice Lagos

Dia Internacional da Mulher

O corpo do homem gera força, o teu mulher, gera a vida.
E muitas vezes renuncias tantas coisas, simplesmente para amar, seja por um segundo ou uma eternidade!
Amar a família... que traz calmaria nos dias de tempestade;
Amar o homem... que te traz o amor e te ensinas a ser frágil diante da solidão;
Amar os filhos... que tu guias para um caminho e reza chorando para que os anos te contemplem de vê-lo ao final;
Amar os amigos... que dia após dia passa a chamar de irmão;
Amar a Deus ... Aquele, com quem conversas baixinho intercedendo por todos, e muitas vezes esquecendo de ti mesmo;
Tu amas, sofres, chora... parece que teu castelo é feito de areia.
Mas é em ti que se firmam os pilares da família;
É tu, que preenche com flores os caminhos vagos;
São tuas lágrimas, teus prantos, tuas orações, teu amor que muitas vezes afastam o mal de teus entes queridos;
Queres ser especial... Não só hoje.
Queres ser especial, todos os dias.
Quando acordas e vê teu lar tranqüilo
Sentindo-se amada;
Teus filhos trilhando pequenas partes do caminho do bem;
Teus amigos superando as dificuldades;
Com a certeza de que existe um Deus lá em cima, te fortalecendo;
É assim que tu conquistas cada dia teu espaço e se torna cada vez mais especial entre os mortais;
Não só quando te encontra em excelentes posições socias;
O poder que tens esta acima de venturas que a vida pode te dar.

Feliz dia das mulheres.

Foto de Bruno Silvano

A Mafia

O Vento batia continuamente na fresta da janela do quintal e produzia um leve e suave assobio, que embalava a mais belas das bandeiras, em tons cintilantes, simples e repletos de significados, que naturalmente se encaixava com aquela cidade e atraiam a atenção das pessoas que por ali passavam, os raios solares realçavam o amarelo, as nuvens em tom de algodão o branco e a camada escura de solo fértil que abria por instantes rente a neve derretia, representavam o preto. Era uma bandeira tricolor, que apesar de poucos saberem o que ela realmente significava, já a adoravam. Essa era a minha vista de quando olhava através das janelas de vidro.
Era apenas um brasileiro, criciumense para mais ser preciso, ou apenas mais um criciumense perdido e sozinho na Europa. Havia mudado recentemente para a cidade de Oxford, cidade essa cheia de cultural e beleza, um dos principais centros universitários do país. A oferta de estagio da garantia de experiências e grandes aventuras me atraíram àquele lugar. Não foi uma das escolhas mais fáceis que tomei em minha vida, longe disso, teria que abrir mão de muitos hábitos e principalmente do meu amor.
Minha cidade de natal fazia muita falta, costumava falar com as estrelas, dizem que as estrelas são boas companheiras, principalmente pra alguém quanto eu que precisa de alguém para se animar, pedia todos os dias para que meus amigos pudessem estar comigo, não que eu estivesse descontente com aquilo ali, talvez a imaturidade e inexperiência me fizesse sentir medo, me fizesse questionar o que estava fazendo ali, muitas vezes acordava assustado ao ver as arvores, os carros, os jardins repleto de neve, acreditava ainda estar dentro de um sonho. Meu passatempo era acordar cedo todos os dias, tomar um cappuccino quente e ficar em frente a lareira observando a bandeira do meu time do coração, que havia cuidadosamente enfiado em frente a casa. Esse era o meu hobbie enquanto não precisa ir trabalhar.
Seguia o mesmo caminho quase todos os dias para ir trabalhar, morava a 3 quadras da empresas, sempre ao sair de casa encontrava dois meninos e uma menina jogando futebol no pouco espaço onde a neve ainda não tomava conta, justamente em baixo aos redores da bandeira, que além de bonita servia como trave pra diversão da criançada. A cada dia que se passava o numero de crianças aumentava e todos tomavam gosto pela bandeira pela sua capacidade de iluminar e proporcional diversão para os mesmo.
Minha vida se tornava uma mesmice naquele lugar, chegara a imaginar que meu um dos meus maiores sonhos, acabara por se tornar pesadelo, era uma ainda muito sozinho repleto de solidão, mal eu imaginava que aquilo pioraria muito, mas que também passaria por muito bons momentos.
Não me importava que as crianças jogassem ali, muito menos com as varia perguntas tolas que recebia de pessoas curiosas sobre a bandeira.
Não me lembro ao certo que dia era, mas a previsão do tempo apontava a vinda de uma forte nevasca para a região, porém muitas crianças ainda brincavam no meu jardim, muitos se assustaram com o barulho das fostes rajadas de ventos que se aproximavam e saiam correndo para suas casas, mas um deles o mais novo da turma que tinha por volta de 4 anos ficou tonto, completamente desorientado, não sabia à que lado ir, logo corri par retirar o menino da rua e leva-lo pra dentro de casa, porém a hora que cheguei ele já não estava mais lá,. Apenas ouvi o barulho de um grande estouro e desmaiei, daí em diante não lembro mais nada.
Quando acordei, demorei a conciliar onde estava, o ambiente cheirava a hortelã, mas tão logo percebi que estava em minha própria cama, no lado tinha uma xícara com chá de hortelã com mel, acompanhado de um bilhete com as seguintes palavras “Cuide-se e da próxima vez tente não sair correndo como um louco na rua, no meio de uma nevasca. Da-lhe Tigre!” Seguido de risos e um beijo estampado a batom. O Chá ainda estava, ainda sentia um cheiro de perfume no ar, tão cheiroso quanto qualquer um outro que já senti outras vezes. Corri a porta pra ver se encontrava alguém, porém tarde demais, a porta estava emperrada devido o excesso de neve. Meu guarda-roupa estava um tanto quanto bagunçado, mas talvez já estivesse assim, devida a minha organização. O dia estava amanhecendo, foi ai que me dei conta que fiquei desacordado por mais de 12h.
Os telejornais avisavam a paralisação em algumas escolas e empresas devido a nevasca. Não iria precisar trabalhar, então fiquei deitado o dia inteiro tentando entender e lembrar de mais alguma coisa sobre o que havia acontecido no dia anterior. Porém todos os meus pensamentos foram interrompidos pela noticia de que entraram o corpo de um menino, por volta de 4 a 5 anos de idade, morto com sinais de asfixia, em um terreno próximo ao da minha casa.
Estava extremamente curioso para descobrir o que havia acontecido, e ainda mais quem era a pessoa que havia me trazido pra dentro de casa, minhas únicas pistas eram, o perfume, o idioma e a letra com que a pessoa havia escrito, e a julgar pelo batom imaginava se tratar de uma mulher, de fato não estava errado. Mas a questão é, o que estaria ela fazendo ali, se a única pessoa que vi era um menininho inocente e indefeso? Ao menos foi isso que imaginei ter visto, pelo menos através do vidro fosco das janelas.
Passaram-se dois dias sem que eu tenha mais informações sobre o caso, porém através de denuncias, feita por uma mulher, que não quis se identificar, que relatou me ter visto com a criança. E como a criança costumava brincar sempre no meu jardim, fiquei sem ter como me defender e as suspeitas sobre a morte do menino recaíram todas sobre mim.
Passei varias tardes respondendo inquérito e prestando depoimentos, haviam encontrado luvas com o emblema do Criciúma perto da cena do crime, o mesmo que estava na bandeira, que por sinal também havia sumido. Peritos constaram que a luva me pertencia e que eu havia sumido com a bandeira, pra não levantar suspeitas e ligações entre luva e bandeira. Mal eu sabia, que a profissão que sempre sonhava em ser, se voltava contra mim, em um mero descaso do destino.
Não entendia o que fazia uma luva do criciúma, era o único criciumense que morava na região. Tentava montar em minha cabeça parte por parte, mas faltava um detalhe, pra mim essa historia não fazia o menor sentido, quanto mais para um chefe do departamento de investigação. Que por sinal era mulher, uma bela mulher, muito me parecia familiar, era baixinha, não tinha mais do que 1,65 metros de altura, possuía cabelos ruivos puxando pra loiro, seu perfume, ela era misteriosa, e isso me atiçou a desvenda-la.
A luva era a prova concreta contra mim, pelo menos para me deportarem para o Brasil, alguns dias antes essa seria uma boa noticia, mas agora já estava muito envolvido no caso e faria de tudo para desvenda-lo, e por ventura provar minha inocência.
Em um dos depoimentos cara a cara com a chefe do departamento criminal de Londres, ela deixou cair alguns relatórios de perícia em cima de mim, havia algumas anotações em português, logo reconheci a letra, como a mesma do bilhete deixado em meu quarto. Estava ai, frente a frente com a pessoa que poderia me salvar, me defender. Ela leu em meus olhos que havia descoberto quem se trava ela, porém não me deu tempo de reação, me deu um beijo, tão suavemente quanto um de cinema, e mandou eu segui-la rapidamente e que me explicaria no caminho, mas que precisa que eu embarcasse no avião e voltasse para o Brasil. Não sei se essa foi uma das atitudes mais inteligentes que tomei, porém segui-la.
Ela me levou a um depósito velho onde trabalhará sozinha como detetive particular, e um dos seus casos era de uma máfia formada dentro da empresa em que estava trabalhando. Máfia essa que aliciava e menores idades inclusive eles que haviam cometido o assassinato do pequenino e estavam me usando pra atrair as crianças. Explicou ainda que se a culpa do assassinato caísse sobre mim era a única maneira de me defender da máfia, e por isso ela se encarregou de implantar as provas.
Detalhou: “Você estava indo salvar a criança, eles estavam atrás dela, ao perceberem que tinha alguém por perto tentaram lhe matar, porém apenas te desacordaram, e antes que tivessem mais tempo, cheguei e eles recuaram, então levei você até a cama e tratei de você, até porque temos muito mais coisas em comum do que você pensa..” Nessa parte fomos interrompido por barulhos de tiro. Corremos em direção ao carro, porém cai na armadilha e fiquei na mira da arma de um dos membros da máfia, um tiro e era certo que eu morreria. Ele engatilhou e atirou, fiquei meio surdo com o barulho do tiro, porém ela a delega havia se joga em minha frente, rebateu o tiro, porém não se livrou do ferimento. Havia sido atingida a altura do pulmão, dava pintas de que não resistiria, deu-me mais um beijo, o melhor deles, e desmaiou.
A ambulância não demorou a chegar, porém não escondia a aflição do medo em perde-la em nunca mais a ver. Porém vi em seus braços uma tatuagem “Da-lhe tigre” e logo entendi que não era apenas destino. Os médicos disseram que ela havia perdido muito sangue, porém ficaria bem. A partir desse dia descobri o que era a paixão, algo que começou a alguns anos em jogos do criciúma, e que se estendeu mais além, além de continentes, um clube que reuniu meus dois amores

Foto de cafezambeze

CARTAS COM ESTÓRIAS DE ÁFRICA (II/VII) (FEIJÃO MACACO)

Belém, 31/01/2006

RECARREGANDO CARTUCHOS E MAIS...

Uma coisa que gostávamos de fazer era caçar. Uma das poucas opções para passarmos o tempo nas férias. Mas munição custava dinheiro, que era algo que não tínhamos, e armas, nossos pais raramente as punham nas nossas mãos, senão na companhia deles.

O Aguiar, a quem já me referi, nos ofereceu usar a caçadeira do pai, mas... e cartuchos?

Descobrimos que o nosso vizinho, o sr Roque que nem arma tinha, possuia uma caixa com pólvora, chumbo, espoletas, enfim, os apetrechos necessários para a recarga.

Para quem não sabe, e nós não sabiamos, em cada carga, tanto a pólvora como o chumbo têm que ser pesados, e no caso da pólvora o peso varia também conforme o tipo.

Bem, pusemos a mão no material e resolvemos recarregar cartuchos usados.
Para medir a pólvora fomos cortando um cartucho até a encontrarmos. Essa seria a medida.

Cartucho com espoleta nova, enchíamos a medida com pólvora, umas vezes rasa, outras formando um montinho acima da medida (era tão pouco), outras comprimindo-a com o dedo, e lá vai a carga para dentro do cartucho. Uma bucha feita com jornal, cada uma com o seu tamanho, e o resto do espaço livre cheio de chumbo.

Com um saco cheio de cartuchos, chegamos à farm do Aguiar e fomos recebidos também pelo funcionário que na outra estória tinha dado o grito de aviso: cobra! cobra! Lembras? Ele tinha virado fã do teu pai e veio-nos mostrar o seu arco que era uma obra de arte de perfeição de acabamento e, certamente, ganharia de qualquer coisa industrializada. Me lembro que só tinha uma flecha. Se acertasse algo e o animal não caísse, ficava na pista dele o tempo que fosse preciso.

O teu pai pegou no arco e na flecha e começou a mirar uma pequena tabua de uns 20 x 40cm que estava encostada nuns bambus a uns 50 metros. Ele nunca tinha atirado com arco e pensei que ele só estava testando o arco...Que nada! A flecha partiu e foi cravar-se no centro da tabua.
Chiii!!!! Chiiii!!! Tem cuche-cuche! ponta maning! gritava o moço. Chi é uma esclamação de admiração, cuche-cuche é a palavra para feitiço, ponta é pontaria e maning era usada como muito/muita com concanetação de máximo.
Sorte de novato! Tentamos que ele repetisse a façanha, mas ele não caiu na armadilha.

Quando pegamos a caçadeira do pai do Aguiar, olhamos de esguelha um para o outro, pois o estado da arma era lastimável. Desengonçada, cheia de folgas, com vários pontos de ferrugem e com cara de quem nunca tinha visto um óleo na vida.
Mas tinhamos de experimentar os cartuchos. Tinhamos tido um trabalho danado e eles estavam tão bonitinhos...

O Aguiar, que ficou com medo de cobras, pegou o trator da farm.
Nos encavalitamos nele e lá fomos nós.

O primeiro tiro foi tão forte que a espingarda e o teu pai rodaram com o coice.
A espingarda ficou inteira?... Vamos continuar. Umas vezes o chumbo caía a poucos metros do cano, outras havia um coice violento, mas não havia estampido. Só um vuuummmm, como uma bazuca. Também sairam tiros normais. Me lembro de uma perdiz que o teu pai enchofrou e de que não se aproveitou nada tal a violência do tiro.
A espingarda do Aguiar não era tão má assim. Devolvemos ela inteira.

Montados no trator, a corta mato, acabamos inadvertidamente por passar numa moita cheia de feijão macaco. Porquê feijão macaco?
É uma vagem parecida com um feijão, mas coberta por uma penugem dourada muito bonita. Só que a penugem dourada, ao menor toque se solta, e provoca uma coceira danada. As rodas do trator levantaram uma nuvem que nos cobriu.
Não tinha parte do corpo que não coçasse. Quando chegamos à farm, já com o corpo vermelho de tanto coçar, corremos para tomar banho. Piorou! A mãe do Aguiar apareceu com uma pomada de não sei o quê. Nada adiantou. Nossa sorte foi um moleque que trabalhava na casa e que não parava de rir da gente. O Aguiar o ameaçava com porrada se ele não parasse com a gozação, mas ele ainda ria mais e emitava um macaco se coçando. Por fim, ele se compadeceu de nós e nos levou para o quintal onde nos deu um banho de terra.
Isso mesmo! A terra esfregada no corpo removia a penugem dourada...

Tãooo Bonitinhaaaa!

Foto de Carmen Lúcia

Momento único

Um doce enlevo me conduz à recordação,
trazida pelo vago entre a tarde que morre
e a noite que se anuncia...
Pela nostalgia que se espalha no ar
e pelo espaço vazio entre os dois momentos;
final da tarde e início de noite...
Pelo surgir, de qualquer canto, da saudade
que invade e toma forma,
pra se fazer notar...

Então a vejo...
A tez clara em oposição à contraluz do lugar;
brilho ao mesmo tempo fosco e esfuziante...
Cabelos discretamente dourados,
como folhas de outono, apagadas...
Olhos que me acariciam, me adornam...
E me deito em seu colo
tentando retroceder o tempo...
Queria esse tempo agora...

Utópico pensamento que me consola.
Suas mãos macias em meu corpo
me fazem renascer...
Adormeço com o seu cântico
a me embalar ... e de novo me gerar.

Minha mãe...Eterna morada...
Acordo... enquanto o doce enlevo se desfaz;
olho para o espaço vazio
entre a tarde que se vai
e a noite que ainda vem.
É o momento de a reencontrar...

Carmen Lúcia

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