CARTAS DE AMOR I
A entrega
Carta de amor não se escreve
À luz do dia, hora dos apressados
Nem deveriam ser entregues
Por carteiros assalariados
Que levam nas algibeiras
Entre outros trastes
Promessas de uma vida inteira
Ou um adeus de desastre
As cartas de amor deveriam ser levadas
Por abnegados voluntários apoetados
Que sairiam nas noites enluaradas
Com mãos de seda, olhares amados
Esses operários do amor alheio
Receberiam por salário
O olhar de surpresa ou receio
Que soe a todo apaixonado
Nas noites de caminhada pela cidade
Cantariam nas ruas canções de saudade
Os porteiros por sabê-los puro cuidado
Os cumprimentariam com longos abraços
Andar por andar, sem usar elevadores
Chegariam de porta em porta, toc toc
Surpreendendo os moradores
Com cartas perfumadas com miosótis
De volta às casas, felizes pelo trabalho
Conhecendo todos, os abnegados
Fariam poemas, reuniriam retalhos
De palavras para alegar os desamados
Assim, todos os dias portas se abririam
Com rostos felizes, gente saudável
Que ao vizinho cumprimentaria
Com palavra boa e sorriso amável.
Carta de amor, quando é amor amado
Não se entregue sem certo cuidado
Nem se lê de dia, hora amarga
As palavras da amada.