Dissimulação

Foto de Paulo Gondim

Dissimulação

Dissimulação
Paulo Gondim
02/11/2012

Eu te olhava de longe...
Na verdade, eu sempre te olhava
Desconfiado, para que não percebesse
Mas te olhava, como se fosse uma obsessão

E tu, nem pensavas, nem desconfiavas que te olhava
Fingias não me ver e os dias passavam indiferentes

Mas eu continuava a te olhar
A cada amanhecer com um novo dia
A cada ocaso que nos faz pensar na vida
Mas sabia que a cada alvorecer, a vida se renovaria

O tempo passou e eu continuava a te olhar
E tua indiferença também crescia
Ao ponto de cruzares por mim pelas ruas sem me ver

E teu olhar continuou cego, se fez cego a vida inteira
E hoje, no adiantado dos anos, nada mais tu vês
E se perguntas: Valeu a pena tanta dissimulação?

Foto de Carmen Lúcia

Sem palavras

Nos olhos, perfeita dissimulação,
olhar sem direção pra não me entregar,
sem ter que encarar, fraquejar e implorar,
mantendo-me firme na proposta da encenação.

Nos lábios um sorriso camuflado
amargando uma lágrima indiscreta
a arder o âmago, a salgar o cerne
de onde pulsa desenfreada dor...

A dor que permeia meu espaço
e passo a passo toma posse de meu ser.
Na garganta um nó fortemente atado
a sufocar palavras que não quero dizer,
sonoridade embargada pelo silêncio
que sempre calado há de permanecer.

Não revelo a fragilidade do sonho acabado
sem nunca sequer ter começado.
Quero que vás sem nunca saber
o que teu coração não conseguiu entender.

_Carmen Lúcia_

Foto de Pepalantus

Epitáfio para um Poeta Vivo

Não me meças pelas minhas parcas virtudes natimortas.

A medida justa de mim são os vivos vícios,

a lascívia e os erros.

Não me meças nas palavras dos poucos amigos, podem ser fantasiosas.

A medida justa de mim é o ódio bruto e frio dos inimigos,

o silêncio e a indiferença sinceros.

Tampouco me meças pelo que deixei de herança. Só vergonha deixei.

A glória herdada e jogada aos porcos,

a lama e o lodaçal em que vivi, estes sim, são a minha justa medida.

Também não me meças pelas cicatrizes. Não foram heróicas.

A medida justa de mim é o caráter de um covarde,

a dissimulação de um fraco e a omissão de um tolo.

Tampouco me meças pela minha passagem na terra. Nada representou.

O ar que avidamente respirei, o pão que comi avaramente,

estes sim, são a minha justa medida.

Não me meças pelo homem que não fui.

Antes, medi-me pelo verme que me habitou,

pois esta é a medida justa de mim. U’a alma unicelular.

Foto de Joaninhavoa

A pétala da flor...

*
A pétala da flor...

Que é uma pétala
perante toda a beleza
de uma flor!?
Não! Não é para te substimares
Óh pétala! mas sòmente
para pensares se quiseres
Na parte e no todo
Sem dissimulação senão
Onde pára a verdade
e toda a consciencialização
destes nossos corações!?
A pétala é sopro
A flor é vida!

E a flor se tiver a capacidade
de ter e dar amor
É uma bela uma belíssima flor!

Joaninhavoa
(helenafarias)
22/02/2009

Foto de Carmen Lúcia

Libertação

Se minha vida é uma prisão,
E trago contida minha verdade,
Sorriso nos lábios é simulação,
Prazer no que faço, dissimulação...
A espontaneidade cabal falsidade...

Armo-me de coragem,
Cobre-me a camuflagem,
Esperando o momento oportuno
De rebelar-me, soltar-me, achar-me...

Nesse papel em branco, caneta em punho,
Traço meu plano de fuga, um tanto soturno,
O meu desejo insano ou mesmo profano
De correr ao encontro da liberdade,
Braços abertos à própria vontade...

Libertar em poesia tudo o que sou...
Recolher a fantasia que ainda restou,
Num expressar escancarado, nada forçado,
Dançando anseios na chuva que molha
E limpa meu corpo do que o deflora...
Trazendo de volta a alma que agora
Chora a emoção, liberta a expressão,
Sorri o livre-arbítrio, afaga o que aflora.

Carmen Lúcia

Foto de Jamaveira

Engano da alma

Engano da alma

Traços marcam caminhos sem direção
Destruídos com o amor que era só teu
Fizeste da vida ladeira sem cabresto
Tentas agarrar, porém, passas na carreira.
Já não encontras mãos que amparam
Todas te deram adeus quando ias
Apaixonado sem rédeas nem percebias
Agora na sarjeta dormes sem companhia.

Apagasse a luz da sensatez
Montado na dissimulação partisse desgarrado
Escolhesse pra te a mentira
Desdenhasse o amor de verdade
Na corda bamba da paixão tantas emoções
Fragmentos de momentos de ilusão
Passou assim como chegou
Desbotou todos os sonhos
Caiu à máscara, foi tudo uma farsa.

Jamaveira

Foto de Paulo Gondim

Vivos e mortos

Vivos e Mortos
Paulo Gondim
02/11/2007

Continuamos a chorar nossos mortos
Por tradição, por desculpas
Por culpa ou dissimulação
Por saudade, por solidariedade
Às vezes, até, por compaixão

Só sei que choramos
Por vezes, um choro seco
Dramatizado, teatralizado,
Tudo, menos um choro chorado
Apenas um choro forçado
Improvisado, inapropriado
Um choro,assim, disfarçado

E nos vamos em caravana
Para o fim da caminhada
Juntos, na última procissão
Onde se confundem vivos e mortos
Todos num mesmo caixão

No morto, atiram-se flores
Como lenitivo, como perdão
Tenta-se minimizar sua culpa
Na sinistra e sofrida procissão
Depois, cobrem-lhe de terra
Como fim de sua longa espera
Pelo carinho que não sentiu
Pelo amor que dele fugiu
Pelo beijo que não gozou
Pela palavra que não escutou

E voltam os vivos, já dispersos
Como vítimas de imolação
Pois já menor aquela procissão
De pouca fé e muito ceticismo
Agora, só individualismo
Mais uma vez, perdeu-se a lição

Foto de Paulo Gondim

Teu fantasma

Teu fantasma
Paulo Gondim
29.05.2006

Vejo-te nas pedras dessa rua
Essa rua escura, sombria
Que desce a encosta
Margeia o rio
Esbarra na serra

E em cada pedra dessa rua
Ficou um pedaço de teu medo
Um farrapo de tua beleza
Que o tempo levou
Nas águas do rio
E escondeu na serra

Cada pedra dessa rua escura
Te bateu na cabeça
Te esfolou viva
Expondo cicatrizes
Que o rio não levou
Nem a serra escondeu

Elas estão ali, uma a uma
Em cada pedra dessa rua
Como purga, como expiação
Marcas da desfaçatez
Feridas da dissimulação

E nesta rua escura, de pedras
Ouvem-se gritos, ecos
Na noite fria, nublada
Onde passeia moribundo
A puxar correntes
O teu fantasma

Foto de Senhora Morrison

O troféu

Queria vê-lo feliz.
Queria poder participar de sua felicidade...
Queria poder te fazer feliz...
Gostaria de voltar atrás...
Gostaria de não ter vivido aquele dia...
Não daquela forma...
Gostaria de não ter te conhecido.
Gostaria de poder arrancar meu coração do peito...
Joga-lo fora,
Este nunca mais pertencerá a ninguém.
Estou confusa
Você nunca me pertenceu
Você nunca me indagou!
Você sempre acreditou no que eu sou de verdade...?
Você sempre me respeitou...?
Você vendou-me,
Enfeitiçou-me
Mas você nunca foi meu
Como posso te querer tanto?
Se você nunca foi meu...
Como posso te amar tanto?
Se você nunca me amou...
Você procurava refúgio...
E eu estava ali...
No lugar certo
Na hora certa
Você me conquistou no primeiro olhar...
Ali naquele instante...
Eu já me sentia sua
Mas você nunca foi meu
Foi tão mágico...
Como um conto de fadas...
Tudo se encaixava
O seu olhar
As suas palavras...
Os seus carinhos...
E enfim...
Os beijos...
Tudo passou a ter sentido
Encontrara um homem de verdade!
Mas você nunca me pertenceu...
A partir daquele dia
Eu era só desejo
Em estar ao seu lado
Mesmo só para estar
Mas você nunca foi meu
Os dias foram passando
E mesmo que eu falasse que não...
Eu tinha esperanças...
Cheguei a ter certezas...
Com você!
Então tudo começou a ficar confuso
Eu já não sabia mais como agir
Foi quando aquela noite chegou...
Noite que jurava te ver...
Estar ao teu lado...
Mas invés disso...
A descoberta!
Você pertencia...
À outra
E eu?
Não havia mais espaço pra mim?
Nunca houve
Meu mundo desmoronou
Eu não sabia mais em que acreditar
Estava tudo tão bem
Não estava?
O que aconteceu?
Porque fizestes isso comigo?
Porque me encostaste a um canto qualquer...
Como um troféu!
Possuístes a arte da dissimulação
Não posso acreditar nisso
Provastes-me o que meus olhos não queriam enxergar
Tornou meu sonho cor-de-rosa no mais rígido breu
Senti-me traída
Humilhada
Não era isso que queria
Nunca foi
Você nunca foi meu...
Agora te observo a distância
Almejando... ainda sua felicidade
A minha penduraste como prêmio
Em qualquer lugar...
Agora me obrigo a acreditar
Que nunca
Nunca fui sua...

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