Comida

Foto de Remisson Aniceto

Cara-de-pau

Hoje tirei o dia para pensar.
Pensar nas coisas que tenho para consertar:
os meus dentes, os dentes dos lá de casa,
os meus calos, aquele sapato furado (único que tenho),
a camisa social onde faltam dois botões,
o meu salário ou a falta dele,
o emprego que não tenho,
o pagamento dos impostos em atraso,
as contas de água e de luz,
o cheque sem fundos do supermercado,
as roupas das crianças que já não lhes cabem,
as sandálias surradas da minha esposa,
a comida na mesa...
Tanta coisa para consertar,
tanta coisa para comprar,
tanta coisa por fazer,
para por em dia,
mas esse filho pai-d`égua
tem que primeiro colocar vergonha
nessa cara suja!

Foto de Lou Poulit

Poulit em Versos II

No cancioneiro brasileiro, até pouco tempo atrás eram muito raras as compositoras. Poucas, como Chiquinha Gonzaga por exemplo, tiveram personalidade para romper a bolha machista e fazer sucesso fora dela. Mas há uma outra característica no contexto musical do nosso país: Muito poucos compositores dispuseram-se a entrar na bolha! E construir letras onde o “eu” era feminino. De cabeça, qualquer um poderia se lembrar de Chico Buarque e Caetano Veloso. Mas existem outros menos famosos. “A Fruta e o Pássaro” é meu melhor resultado:

“Se me guardo navego
Se me entrego não volto
Porque quero me solto
Porque temo me prendo.

Me fendo como a fruta
Que um pássaro perscruta
E me agarro ao meu talo
E me calo
E me odeio e me odeio e me odeio.

Eu receio o seu espaço
Despencar da canção
Ficar só, de cansaço
Ser comida no chão.

Me fendo com a fruta
Que um pássaro desfruta
Mas te sonho e te tramo
E te amo e te amo e te amo”.

Seguindo uma linha poética na qual se solidariza contra o condicionamento e as injustiças da cultura machista, o poeta se arrisca a ser atropelado. Vejam, a maior parte dos conceitos hoje vigentes têm origem no ideário judeu do tempo de Jesus, ou dele derivaram. Ironicamente, não obstante o anti-semitismo fazer parte das idéias de povos e governos, historicamente, ao longo de milênios, com a expansão do cristianismo esses conceitos vieram no seu bojo e se espalharam pelo mundo cristão.

As instituições cristãs, obras do homem com necessidades próprias, e à revelia da mensagem do seu “protegido”, ambicionaram o poder e alavancaram a absorção desses conceitos durante a idade média principalmente. Passaram de perseguidas a perseguidoras, abençoaram as fogueiras e criaram um documento oficial, no qual os depois chamados judeus-novos (designação preconceituosa) declaravam e assinavam serem cristãos, para continuarem vivos. Assim apareceram sobrenomes de árvores frutíferas como Pereira, Limeira e, no meu caso, Oliveira, uma clara alusão à figueira amaldiçoada por Jesus. Dentre tantos conceitos, quero destacar aqui o moralismo egoísta e segregacionista. A falsa idéia de que há um certo e todos os discordantes errados. Uns são ditos filhos de Deus, mas não se diz de quem são filhos os demais.

Pode parecer que eu esteja exacerbando, que não é tão importante. Vou dar um exemplo para provar que não: nunca houve e provavelmente jamais haja um sucesso literário comparável ao da Bíblia! Nem em volume de vendas, nem no poder de convicção do seu conteúdo e nem no poder político das instituições que lhe deram endosso. Sua multiplicação editorial coincidiu com a massificação da alfabetização. E no bojo de qualquer uma delas, está a maior parte do ideário judeu, pois que Jesus era judeu e os principais apóstolos também. Nada pode ser comparado a isso.

Então recebemos por herança um falso direito de fazer julgamentos, como teimam belicosamente em fazê-los até hoje judeus e árabes. Mais que isso, de exilar os “adversários” das nossas convicções em nome de uma identidade divina que nos autoriza. Em um certo ponto da nossa história, com o fim da segunda guerra mundial e toda a explosão tecnológica que se seguiu, nosso ideário saiu dos guetos europeus para recriar antros ideológicos em todo mundo. Suscitaram-se todas as revoltas. Vieram os hyppies, a dita reforma, depois a contra-reforma... Mas a essência de tudo tem sido sempre a mesma: a segregação.

Bem, na poesia, como nas artes em geral, não cabe essa natureza dominadora e egoísta. Na imensa maioria das vezes o poeta se coloca do lado mais frágil. Ele não submete, mas aceita submeter-se para se impregnar das dores, amores e demais humanidades que constituem sua matéria prima. O poeta é um habitué dos antros. A começar pelo seu próprio. E faz dessa “condenação” um caminho escuro, para a luz do seu amor penitente, prostituto, voluntarioso. Encontrei em meus antigos alfarrábios uma letra de música que define muito bem as minhas convicções a esse respeito. Chama-se exatamente “Antro” e foi construída num período da vida em que me senti condenado por todos, exilado em meu pequeno ateliê, de onde tentava tirar minha sobrevivência física.

“No antro em que sou ninguém
Alguém que me faz feliz
Me faz ser a conquista
O herói mais vigarista
Um corpo no chão
Vazado de luz.

No antro em que volto sempre
No ventre em que asilo o ser
Dos lanhos da minha viagem
A chuva molha a tatuagem
No chão da alma
Vazado se luz.

Seria meu santuário
Não fosse o amor um cigano
Seria meu cadafalso
Vagasse profano e descalço.

Um amor que não se detém
Me fez refém, com salvo-conduto
Mas eu luto contra aparências
Eu vivo das nossas essências
É um antro bom... dentro de mim”.

Foto de lmleca

Que Deus!!!

Quem quer que sejas, onde quer que estejas
Diz-me se é este o mundo que desejas
Homens rezam, acreditam, morrem por ti
Dizem que estás em todo o lado mas não sei se já te vi
Vejo tanta dor no mundo pergunto-me se existes
Onde está a tua alegria neste mundo de homens tristes
Se ensinas o bem porque é que somos maus por natureza?
Se tudo podes porque é que não vejo comida á minha mesa?
Perdoa-me as dùvidas, tenho que perguntar
Se sou teu filho e tu amas porque é que me fazes chorar?
Ninguém tem a verdade o que sabemos são palpites
Se sangue é derramado em teu nome é porque o permites?
Se me destes olhos porque é que não vejo nada?
Se sou feito á tua imagem porque é que durmo na calçada?
Será que pedir a paz entre os homens é pedir demais?
Porque é que sou discriminado se somos todos iguais?

Porquê que os Homens se comportam como irracionais?
Porquê que guerras, doenças matam cada vez mais?
Porquê que a Paz não passa de ilusão?
Como pode o Homem amar com armas na mão? Porquê?
Peço perdão pelas perguntas que tem que ser feitas
E se eu escolher o meu caminho, será que me aceitas?
Quem és tu? Onde estás? O que fazes? Não sei
Eu acredito é na Paz e no Amor

Por favor não deixes o mal entrar no meu coração
Dou por mim a chamar o teu nome em horas de aflição
Mas tens tantos nomes, és Rei de tantos tronos
E se o Homem nasce livre porque é que é alguns são donos?
Quem inventou o ódio, quem foi que inventou a guerra?
Ás vezes acho que o inferno é um lugar aqui na Terra
Não deixes crianças sofrer pelos adultos
Os pecados são os mesmos o que muda são os cultos
Dizem que ensinaste o Homem a fazer o bem
Mas no livro que escreveste cada um só leu o que lhe convém
Passo noites em branco quase sem dormir a pensar
Tantas perguntas, tanta coisa por explicar
Interrogo-me, penso no destino que me deste
E tudo que acontece é porque tu assim quiseste
Porque é que me pões de luto e me levas quem eu amo?
Será que essa é a justiça pela qual eu tanto reclamo?
Será que só percebemos quando chegar a nossa altura?
Se calhar desse lado está a felicidade mais pura
Mas se nada fiz, nada tenho a temer
A morte não me assusta o que assusta é a forma de morrer

Quanto mais tento aprender, mais sei que nada sei
Quanto mais chamo o teu nome menos entendo o que te chamei
Por mais respostas que tenha a dúvida é maior
Quero aprender com os meus defeitos, acordar um homem melhor
Respeito o meu próximo para que ele me respeite a mim
Penso na origem de tudo e penso como será o fim
A morte é o fim ou é um novo amanhecer?
Se é começar outra vez então já posso morrer

PS- Não é meu é do Boss Ac

Foto de Lou Poulit

A Fruta e o Pássaro.

Se me guardo, navego
Se me entrego não volto.
Porque quero me solto
Porque temo me prendo...

Me fendo como a fruta
Que um pássaro perscruta
E me agarro ao meu talo
E me calo... E me odeio
E me odeio e me odeio e me odeio.

Eu receio o seu espaço
Despencar da canção
Ficar só de cansaço
E ser comida no chão...

Me fendo como a fruta
Que um pássaro desfruta
Mas te sonho e te tramo
E te amo... E te amo
E te amo e te amo e te amo.

Foto de Fernando Poeta

Vidas

Andando pela rua,
Vi uma cidade nua,
Despida de suas máscaras.

A vida corre rápida,
Entre veículos que se cruzam,
Entre pessoas anônimas.

Não podemos ver,
Tamanha velocidade,
As mazelas da cidade.

Porém estou caminhando...

Ando devagar,
Olhos bem abertos,
Sentidos alertas.

Vejo a miséria,
Ouço o lamento,
Dos que têm fome.

Fome de justiça,
Fome de alimentos,
Fome de sustento.

Sinto o desespero,
Dos que se acotovelam em sinais,
Tentando sobreviver.

Pressinto a morte,
Vagando sorrateira,
A procura de nova ceifa.

Tenho medo...

De não ser capaz,
De ajudar a quem precisa,
Doar um prato de comida.

De não entender,
Que um simples cobertor,
Alivia a dor.

O frio fere,
A distância impele,
Ao ato cruel e desumano.

De tentar pela violência,
Por desespero e carência,
Conseguir o que não há como obter...
Nosso respeito,
Nossa atenção,
Nosso comprometimento.

Continuo caminhando,
Sigo minha vida,
Afasto-me...

O que vejo,
O que vi,
É passado.

Cada dia mais presente.

Foto de Hirlana

O Amor... Existe!

Nenhuma palavra retrata o amor que sinto,
porque ele é tão lindo, puro, divino, transparente...
Nada pode decifrar o amor que sinto,
ele é imenso, compreensivo, alegre, inocente...
Nada pode traduzir esse encanto
que transborda de minha alma...
É como um copo de água a quem tem sede...
Um prato de comida a quem tem fome...
O ar a quem já quase não respira...
A visão a quem cego está...
A oudição a quem já ouvira...
A dança a quem sem movimentos está...
Porque ele é tão imenso...
Ameno e feroz...
Puro e vadio...
O Amor...
Preenche cada espaço...
Completa cada traço...
Desfaz e aperta os laços...
Ele...
O Amor...
Todo o Amor
Que sinto por você...Existe!

Foto de Sirlei Passolongo

O menino do semáforo

Hei!
Olhe o menino que passa
Olhe...
Nem que seja através da vidraça

Nas mãos um pacote de bala
Nos pés um chinelo gasto
Na boca...uma voz que cala
Segue todos os dias o mesmo rastro

Caminha na multidão
Procura um semáforo movimentado
Espera vender suas balas
Ganhar um mísero trocado
Ninguém o vê
Ninguém percebe
Ele nunca é notado
E ele segue...

Segue seu destino ingrato
Sem culpas
Segue sem trato
É mais um entre tantas crianças
Sem comida em seu prato
Essa é a nossa criança esperança!
Ninguém o vê
Ninguém percebe
Parece rotina de fato

Segue no sol, segue na chuva.
No verão ou no inverno
É esse o menino que passa
Olhar triste, sorriso terno.
E nós ficamos aqui
Escondidos atrás da vidraça
(Sirlei L. Passolongo)

Foto de Sirlei Passolongo

O menino so semáforo

Hei!
Olhe o menino que passa
Olhe...
Nem que seja através da vidraça

Nas mãos um pacote de bala
Nos pés um chinelo gasto
Na boca...uma voz que cala
Segue todos os dias o mesmo rastro

Caminha na multidão
Procura um semáforo movimentado
Espera vender suas balas
Ganhar um mísero trocado
Ninguém o vê
Ninguém percebe
Ele nunca é notado
E ele segue...

Segue seu destino ingrato
Sem culpas
Segue sem trato
É mais um entre tantas crianças
Sem comida em seu prato
Essa é a nossa criança esperança!
Ninguém o vê
Ninguém percebe
Parece rotina de fato

Segue no sol, segue na chuva.
No verão ou no inverno
É esse o menino que passa
Olhar triste, sorriso terno.
E nós ficamos aqui
Escondidos atrás da vidraça
(Sirlei L. Passolongo)

Foto de Emerson Mattos

Sumidouro Social

Autor: Emerson
Data: 14/04/06

Cubículo que encaixota vidas
Formatando histórias ocultas
Passado, presente e futuro
Levados em becos, vielas e trilhas

O ópio dos miseráveis
Que na margem da alta
Excluídos são das mãos sociais
Dos olhos dos instituídos

Alienados da educação
Escravos da maldição
Buscando uma opção
Para transformar a ilusão

Vida alvejada pelos fuzis
Do preconceito racial
Da discriminação social
Da realidade cruz

O monstro da violência
Com suas facetas
Sob forma de agressão
De penúria e de fome
Fome até de educação

Escravos do sistema
Opressor e repressor
Que não dá o valor
Àquele que senti dor

As portas se fecham
E trancam as oportunidades
Favorecendo a uma vaidade
Injusta e injustificável
Por critérios duvidosos

Atolados na lama de dívidas
Com sede de comida
E fome do que beber
Afogados pela enchente
Da chuva de problemas

Foto de francineti

Tudo o que eu posso fazer

Pai você é meu heroi
meu guerreiro
ai como doi te ver sofrer
quisera eu a tua dor poder conter
nestes dias no hospital
cuidando de você eu percebi o quanto de amor cabe em mim
quisera eu poder tratar e a tua doença sarar
ai como doi te ver sofrer e tão pouco poder fazer
enxugar o teu suor,
cobrir-te com o cobertor,
ajudar-te da cama a levantar
Você lembra quantas vezes das minhas dores você me ouviu reclamar?
Em casa comida nunca deixastes faltar,
foi você que me ensinou o valor do trabalho e da honestidade
ai como doi te ver sofrer e tão pouco poder fazer
conversar e cuidar de você
alem de te amar é tudo o que eu posso fazer.

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