CERCA
Paulo Gondim
05/05/2012
Não me deixes só, antes que me perca
Pois que aqui o mal nem é a seca
Mas a pouca terra, em tanta terra
Pois se há terra, há também a cerca
E como mar que se navega a esmo
Não me cobre rota ou destino
A terra alheia me faz tão pequenino
A terra existe, mas não é minha
Ela não dá pão e nem farinha
A mesma terra infértil, morta,
Por muito tempo adormecida
Vista de longe com olhos fundos
Suspiros doídos, profundos
De quem até a vida é esquecida
Não me deixes só, antes que me sirvam
Como restos aos urubus que se ativam
Sobre a carniça fétida da fome
Nessa terra, poucas espigas se cultivam
A chuva escassa foge em sua pressa
E na terra seca, a vida logo cessa
Mãos ossudas estendem-se no ar
Num sinistro grito, sem brecha
Mais uma vez a seca, o ciclo se fecha
É assim, sem vida, sem guarida
A cerca impede qualquer saída
A terra cercada se faz abandono
Se tem cerca, também tem dono
E a terra não dividida
Em poucas mãos, possuída
Se torna estéril, impura
E de quem dela precisa
Serve apenas como sepultura
Da série, “No Sertão, é assim”