FADOS
Talvez levasse comigo para sempre
Estas palavras que agora escrevo
Sei que agora são de pouca valia
Mas escrevê-las é meu sossego
A coragem que tive para tanto feito
Não me socorreu para tirá-las do peito
Palavras que ficaram emperradas na boca
Queimando o fundo do ventre
Latentes, querendo virar som, ardiam
Mas algo que desconheço as impedia
De tomar vida, aspirar, chegar a ti
Para derramar o que amava em mim.
Passei muitas noites abundando suores
Procurando um sono que não vinha
Envelheci de repente; quase morte
Passando pelo tempo que passa por mim
Escrevia outras palavras que não estas
Tentando enganar a mim mesmo
Dar sentido à dor, coisa de poeta
Tentando te expurgar de mim
Deixei que passasse o tempo
Até que a vida passou para mim
Agora, ando velho, meio desatento
Com presságios de coisa ruim
Mas, mesmo nessa calmaria d´alma
Mesmo sem o furor que havia por ti
Sinto-me na obrigação de confessar
Que jamais amei outra mulher assim
Embora nunca tenha pronunciado
As palavras certas ao teu ouvido
Peço que entendas meu pecado
De jovem que desdenha do perigo
Subindo a ladeira que leva à casa
Repasso uma vida inteira sem graça
Sem teu sorriso que dava vida à vida
Sem tua vida que dava vida à minha vida
Agora, subindo a ladeira dos anos
Percebo que jamais disse te amo.
Depois de ti, morri
Desabei em fados.