era noite, fazia frio, não havia muitas estrelas
a lua – minguante – disputava espaço com as poucas nuvens.
era um quarto comum – talvez minguante também –
exceto pela trêmula chama que o iluminava,
havia uma cama, uma pequena mesa, uma escrivaninha
e uma cadeira, sobre a qual, imóvel,
estava sentado,
sobre a mesa, a vela que alimentava a triste chama,
uma folha – em branco – sobre a qual tamborilava um lápis,
alguns livros – há algum tempo – empilhados
e um velho relógio, que marcava os passos – mas quais passos –
nas paredes, de um tom amarelado do fogo,
lascivas, como que a dançar
as sombras lentamente se moviam.
era tudo tão quieto e calmo,
que quase se podia ouvir os pensamentos de nosso figurante,
parado a olhar fixamente um canto da mesa – vazio e empoeirado –
como que a observar algo, que – talvez – ali já não estivesse mais,
ou – por que não – que nunca ali esteve, no entanto como queria que estivesse,
talvez um retrato, ou, talvez fosse apenas uma lembrança
d’um sorriso, d’um grito, d’um olhar, d’uma lagrima
(agora parece-me que as lembranças são piores que os retratos).
havia, o esboço de um sorriso em seus lábios,
e a sinopse de uma lágrima em seus olhos.
e o relógio impiedoso, como uma guilhotina
a fatiar o tempo – e embora não notasse, e aparentava não se importar
despedaçava as partes mais importantes, ele decapitava o “agora” –
continuava a marcar o ritmo para as sombras,
que dançavam agora furiosamente,
enquanto uma leve brisa instigava a chama,
que sem perceber consumia aquela que lhe dava a vida – a vela.
e, enquanto tudo ao redor daquele velho – falo do espírito –
ia se acabando, se consumindo
ele continuava ali parado, mergulhado em si mesmo,
lembrando – quem sabe – de um sorriso, que já não ri mais,
de lindos olhos, que hoje choram – ou não –,
de coisas que eram, e já não são mais.
e ele não percebe, que o relógio continua a tocar a marcha fúnebre,
e que as sombras dançam em feral andamento
e que a todo instante enterra-se o tempo,
lacônico nascimento e morte de segundos,
e ele não vê, que tudo o que sobra
é este cemitério de momentos, de vidas e de mundos.