Síncope

Foto de Obifá Tarmu

Infinito da Alma

Ainda vagando, me encontro só.
Mais uma vez me encontro só.
Vagando e navegando por entre lugares
Escuros e perdidos.
Dia após dia.
Noite após noite.
Longe daquilo que mais amo.
Com os pés calejados e feridos,
Com a mente a vagar no infinito
Em um estado de síncope total.
Procuro um lugar seguro.
Um corpo caído,
Perdido em meio a pensamentos.
Numa dura decisão.
Escolher, entre voltar ou continuar.
Reagir ou morrer.
Lutar ou se entregar.

Mas um dia eu volto e te levo comigo.
Ou deveria pelo menos tentar.
Eu voltaria se pudesse.
Eu prometo.

O corpo cheio de marcas
Que o tempo jamais irá apagar.
Ate uma mão que se estende
Jamais será perdoada.
Suas conquistas não valeram de nada.
Suas lembranças já foram apagadas como poeira
E sua passagem também logo se extinguirá.

Foto de Osmar Fernandes

O leitor é a alma da obra de um escritor

O escritor escreve o que o poeta, o contista, o novelista, o jornalista sentem. Suas emoções revelam-se nos livros, nos artigos de jornais, na internet... Portanto, o leitor tem que entender que, as inspirações redigidas pelo autor, têm sentimento do escritor, mas, nem sempre se refere a ele. Cada tema, cada assunto, tem suas peculiaridades.
Para o poeta basta ver uma folha cair de uma árvore que, sentimental como é lá vai ele poetizar... Basta ver ou ouvir o problema de alguém que, o escritor se incorpora a um personagem literário e pronto, vem logo um tema, e o conteúdo nasce automaticamente.
Claro que esses sentimentos têm suas variáveis... O poeta, de todos, é o que tem um dom mais apurado, requintado além da terra, dos sonhos, da vida, do coração. Os demais têm um dom pragmático, ousado, que é aperfeiçoado no seu cotidiano. Todos têm o seu valor axiomaticamente.
Não se pode confundir o texto de alguém com a sua ideologia, com seu jeito de ser, de pensar, de agir... O texto nada mais é que um sentimento tomado de uma síncope do momento, do fato, do estalo.
Logo, o personagem pode ter vários sexos, cores, dogmas... Ele é incorporado daquele instante, sem se importar com essas determinantes.
Cabe ao escritor pôr no papel o papel do seu personagem. Ele tem que viajar na sua cabeça e no seu pensamento, e obedecer ao condutor, que o dirige. Confundir o redator e o personagem é o mesmo que não entender o corpo da literatura.
Obviamente que o escritor também pode ser o poeta, o contista, o novelista, o jornalista... Mas, isso é coisa rara. Falar dele mesmo acontece de forma raríssima.
O sentimento tem vida... Ao ler um texto é necessário entender que cada assunto está revelando o que o personagem sente, entende, vive e morre. O leitor é a alma da obra de um escritor.

Foto de Osmar Fernandes

Supremo desejo

Ao sonhar contigo
O sublime calor do prazer
Invadiu meu corpo.
Foi fascinação e delírio.

Ao acordar, tive vontade de morrer.
O sonho apenas sonhou...
Meu êxtase chorou.
Minha fantasia quis se entristecer.

Mais tarde ao vê-la passar na rua,
Coração quis sair pela boca.
Tive uma síncope do sonho revolto...
Era paixão esvoaçante, nua.

Era incontrolável!
Era o supremo desejo.
Foi adorável...
Mergulhar no teu beijo.

Foto de Osmar Fernandes

Histórias que o povo conta (atenção! - se tiver medo não leia)

História que o povo conta

Cafezinho das três no cemitério

Três horas da tarde, sol ardente. Hora sagrada do cafezinho dos quatro coveiros, que, sentados em um túmulo, contavam histórias de arrepiar.
De repente, o sol se põe. O tempo obscureceu. Começou a trovejar. O céu anunciou chuva, vento forte, temporal. Amedrontados, perceberam que isso só estava acontecendo dentro das limitações geográficas do cemitério. Foi coveiro correndo pra todo lado.
Nesse momento tremularam catacumbas, túmulos, covas abertas, etc. As folhas das árvores choveram sobre o cemitério. Ninguém enxergava mais nada.
Um dos coveiros, espantado, notou que o portão grande do cemitério ora abria, ora fechava, e batia uma parte na outra assustadoramente. Parecia o badalo do sino de Deus anunciando o fim do mundo. De súbito, observou uma silhueta vultosa, esbranquiçada, tentando se esconder da tempestade. Não compreendendo o mistério e tremendo de medo, de sua boca ecoou um grito pavoroso, dizendo: É alma penada! É bicho feio! Valha meu Deus!
Começara a rezar para São Miguel Arcanjo (A Oração contra as ciladas do demônio...).
Dos outros coveiros, viam-se apenas seus olhos esbugalhados fitando aquela figura estranha que parecia bicho de outro mundo.
Um dos coveiros, tenso, pasmo, seguiu com os olhos aquela “coisa”, que flutuava perdidamente, em ziguezague, em busca de abrigo.
Outro, apesar do momento esquisito e do ser fantasmagórico, só pensava nos túmulos que já tinham sido saqueados. Imaginava que se tratava de mais um vândalo ou de um ladrão, tentando assustá-los. (Poucos dias atrás tinha pegado um idiota defecando em cima de um túmulo. Ao flagrá-lo, lhe dera uns safanões, pontapés – este nunca mais se atreveu a importunar o sono sagrado dos mortos.)
Outro dia, dera falta das inscrições douradas, prateadas, de muitos jazigos. (Os parentes das vítimas exigiram das autoridades, justiça.)
O instante era de apreensão, medo, nervosismo. A ventania não parava. Aquela “coisa” esvoaçava como assombração peregrina... E de repente, sumira.
Um coveiro que não a perdera de vista foi ao seu encontro. Por sorte... se viu diante de um vulto mágico dentro duma cova, levitando. (Aquela cova aberta estava pronta para receber seu ilustre morador, que já estava a caminho.)
Assustado, o coveiro chamou um dos colegas, que ao se aproximar, deparou-se com aquela “coisa” dentro da cova. Foi tomado por uma síncope descomunal... Ao sentir-se vivo novamente, tratou de abandonar seu companheiro, seus pertences e deitou o cabelo...
Outro coveiro vendo aquela cena, aproximou-se, e ao ver aquilo, gritou: Sangue de Cristo tem poder! Isso é alma penada mesmo! Minha Nossa Senhora da Boa Morte! Saiu em disparada com as mãos à cabeça, tropeçando, caindo, se levantando, e aos berros dizia: Deus me livre! É o fim dos tempos! Socorro!
O coveiro, o corajoso, que olhava – a “coisa” resolveu lhe perguntar de supetão: - Que faz aí dentro dessa cova que não lhe pertence?!
E “a coisa” com uma voz trêmula do além, lhe respondeu sem pestanejar: - Vocês não me deixam em paz. Sentam em cima de mim contando histórias cabeludas, mentirosas; e ainda por cima, sujam meu túmulo com farelo de pão, de bolacha, café.
O coveiro, o corajoso, então lhe disse: - Vou chamar o padre para lhe dar a estrema-unção. Você não diz coisa com coisa. Ta louca! Ta na ânsia da morte.
E aquela “coisa” ali, como uma alma penada, engoliu a língua por uns segundos, e lhe respondeu: - Não precisa! Já to morto há muito tempo. Não ta me conhecendo? Sou o Luiz. Você que me sepultou. Não se Lembra de mim, Roberval?
O coveiro perturbado pensou: Santo Deus, isso não ta acontecendo comigo!... Vou buscar água benta e vou jogar em cima desta “coisa esquisita.”
A “Coisa” lhe respondeu aborrecida: - Você e os seus colegas estão usando meu túmulo como cozinha de cemitério. Não façam mais isso. Deixem-me descansar em paz. Quero ter o sono eterno que mereço.
E, falando isso, a alma penada elevou seu espírito até seu túmulo – que se abriu sozinho; ao adentrá-lo, pôde enfim dormir em paz para sempre. Ao repousar em sua última morada, fechou-se o túmulo, e misteriosamente, o temporal cessou.
Os coveiros do cemitério ficaram extáticos ao ver aquela alma se refugiar.
Prometeram que nunca mais usariam túmulos para tomar o costumeiro cafezinho das três.

Autor: Osmar Fernandes,

Foto de Patrícia

Canção Perdida (Guerra Junqueiro)

Hálitos de lilás, de violeta e d'opala,

Roxas macerações de dor e d'agonia,

O campo, anoitecendo e adormecendo, exala...

Triste, canta uma voz na síncope do dia:

Alguém de mim se não lembra

Nas terras de além do mar...

Ó Morte, dava-te a vida

Se tu lha fosses levar!

Ó Morte, dava-te a vida

Se tu lha fosses levar!


Com o beijo do sol na face cadavérica,

Beijo que a morte esvai em palidez algente,

Eis a Lua a boiar sonâmbula e quimérica...

Doce, canta uma voz melancolicamente:

O meu amor escondi-o

Numa cova ao pé do mar...

Morre o amor, vive a saudade...

Morre o Sol, olha o luar!

Morre o amor, vive a saudade...

Morre o Sol, olha o luar!

Lactescente a neblina pálida flutua,

Diluindo, evaporando os montes de granito

Em colossos de sonho, extasiados de Lua...

Flébil, chora uma vez no letargo infinito:

Quem dá ais, ó rouxinol,

Lá para as bandas do mar?

É o meu amor que na cova

Leva as noites a chorar!

É o meu amor que na cova

Leva as noites a chorar!

A Lua enorme, a Lua argêntea, a Lua calma

Imponderalizou a natureza inteira,

Descondensou-a em fluido e embebeu-a em alma.

Triste, expira uma voz na canção derradeira:

Ó meu amor, dorme, dorme

Na areia fina do mar,

Que em antes da estrela d'alva

Contigo me irei deitar!

Que em antes da estrela d'alva

Contigo me irei deitar!

Guerra Junqueiro (1850 - 1923)

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