Realidade

Foto de Enzo 7231

N452; QUANDO É BOM? (POESIA, ROMANCE/DESCRIÇÃO)

Quando acordo a teu lado
Quando me beijas
Quando me olhas nos olhos
Quando dizes que me amas

Quando fazemos amor
Quando passeamos de mão dada
Quando nos esquecemos do mundo
Mesmo estando a fazer...nada

Quando sinto o teu toque
Quando penso em ti no futuro
Quando sonho contigo mesmo acordado
Quando me fazes valer mais que ouro

Quando me fazes sentir Homem
Quando me fazes agradecer a vida que tenho
Quando me desejas mais que ontem
Quando 'para sempre' é o teu quanto

Quando choras de felicidade
Quando dizes que sou único
Quando dizes querer ser mãe dos meus filhos
Quando com pouco me tornas perfeito

Quando nos abraçamos na chuva
Quando juntos tomamos banho
Quando fazemos a realidade
Ser mais bela que qualquer sonho

Quando o coração me obriga
De novo, a tentar-te dizer
Através de palavras: 'Sou teu agora,
E até deixar de bater'

Quando digo que gosto de ti
Quando digo 'adoro-te'
Quando digo que hoje
Mais que nunca...amo-te...

By:Enzo 7231
28/11/2011
02:48

Foto de Paulo Master

O Mal Irremediável

Nascer, crescer, morrer. Um ciclo necessário para o bem da humanidade, não apenas um mal irremediável, mas uma realidade sublime, uma dádiva. A função da morte é primariamente permitir a evolução.
Eu vejo a luz! Expressão que ironicamente deixa de existir a partir do momento em que nos deparamos com ela. Após a morte é possível ver a “luz”? No momento em que a luz se tornar visível passará a ser impossível afirmar sua existência. Pacientes terminais que vivem experiência quase morte tem a convicção afirmativa que estiveram lá. A fé não apenas nos leva a creditar a morte, nos faz também acreditar que estamos vivos e podemos seguir adiante.
Na mitologia nórdica, as valquírias eram deidades menores, servas do deus Odin, belas jovens mulheres que montadas em cavalos alados e armadas com elmos e lanças, sobrevoavam os campos de batalha escolhendo quais guerreiros iriam morrer.
No campo real essa hipótese deixa de ser uma opção viável, pois é difícil aceitar uma perda. Como seguir em frente sozinho? Um sentimento corrosivo, destrutivo e desleal entra em cena nos tomando as forças, forçando-nos a digerir o triunfo da morte. A definição da morte extrapola o senso comum, um termo pejorativo que exprime um sentimento desagradável e mordaz.
Poderíamos aceitar a concepção da morte como a volta do filho pródigo, aquele que voltou para o seu verdadeiro lar, os braços do pai. A morte como uma entidade sensível é um conceito que existe em muitas sociedades desde o início da história. Uma linha tênue. Os que continuam a viver seguem em um mundo de equilíbrio precário, frágil paz de espírito, uma simples lembrança pode destruir toda sua harmonia. As lembranças são imagens diáfanas de contornos além do surreal, mas que carregam uma figura caracterizada pelo uso de uma referência evanescente. Sucumbir à difícil transição é um ato doloroso. A teoria da “extinção absoluta” personifica a morte, tornando-a real e absolutamente possível embora duramente aceitável.
O escritor sábio do livro de Eclesiastes disse que o dia da morte é melhor do que o dia em que se nasce. (Eclesiastes 7:1).
O sentimento condescendente é complacente a dor de outrem cria uma ligação profunda entre os seres humanos. Afirmações de profundo pesar; pêsames que exprime ou inspira tristeza sombria; fúnebre. Contudo, já nascemos obstinados ao fatídico fim, estigmatizados ao necro acontecimento. A morte, aceitando-a ou não, faz parte do ciclo da vida. O nascimento é o precursor da morte.

Foto de Angelgoiabinha2

Lembranças

****
***
**
*

Lembranças,
faz rir a toa
machuca,faz cair lágrima
faz reviver o momento,
faz pensar que tudo foi um sonho
e é hora de voltar a realidade,
mesmo que venha uma pitada de saudade
estarei aqui vivendo,
refazendo
errando,
tropeçando,
levantando,
caminhando.

Angélica Macedo

Foto de Carmen Vervloet

E por que não?

Quem sabe, no condão do sonho,
na repetição e insistência dos nossos desejos,
galgaremos o trampolim das estrelas
e bentos nas fontes da fé,
penetraremos na face iluminada da lua
transporemos arco-íris de esperança,
onde só as aspirações mais secretas alcançam
transformando em realidade
o que o coração soprou,
a mente arquitetou,
e a alma acreditou...
Quem sabe!...

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Foto de Allan Sobral

Pai, afaste de mim este cálice

Os últimos acontecimentos, e os atos de repressão que tem ocorrido, nos mais diversos pontos do nosso país, faz com que se levante das cinzas o monstro que sempre combateu o espírito jovem revolucionário brasileiro, pois é como se os tempos do cativeiro, da autocracia brasileira, a ditadura militar, mostrasse aos poucos suas garras, sufocando qualquer ar de liberdade que conquistaram nossos heróis. Como se o velho tempo do “cálice de vinho tinto e sangue” ressurgisse, ou ao menos se faça em memória.
Já há muito tempo que nossa sociedade se estagnou, por uma falsa estabilidade econômica e moral, acorrentando-se a um laço servil regido por uma minoria, como diria Marx, a burguesia; minoria esta que se manteve no trono por possuir supostamente o controle das riquezas universais, podendo assim obrigar grande parte de nossa população a submeter-se a suas vontades, e trocar suas vidas pela miserável parte de seu capital, suficiente apenas para manter-se em vida.
Com o avanço tecnológico, esta mesma parcela controladora da sociedade, expandiu seus ideais escravistas a um horizonte antes impenetrável, chegaram ao ponto maximo de domínio, controlar pensamentos, com o poder de formar opinião e distorcer a realidade, poder fornecido pela mais poderosa ferramenta de coerção, a mídia. Atributos que caberiam a população, ou a cada ser em sua particularidade, hoje são supostamente digeridos pela partícula dominante, e vomitada sobre nós, classe trabalhadora, operaria e estudante. Ditam os pensamentos padrões, roupas padrões, empregos padrões, atitudes padrões, e tacham esta padronização como normalidade, traçando um perímetro, onde qualquer que se opor ou se afastar de tal ideal é tido como louco, ou rebelde, baderneiro, ou até mesmo como maconheiro (como foi o caso recente dos estudantes da USP).
Simplesmente somos tachados como estúpidos, pois a tal “ditadura militar” apenas mudou de nome, agora a conhecemos como Republica Federativa do Brasil, o DOPS agora não tem mais grades e não tortura fisicamente quem se opõe as regras, agora ele manipula a sociedade para que se volte contra os que a querem libertar, os militares já não andam mais fardados de verde ou cinza, agora obrigam a população a vestir um terno ou um uniforme operário, assinar um contrato de trabalho, e lutar o quanto puder, em busca de sua carta de alforria, ou como preferem, sua suposta aposentadoria. Fazendo que a sociedade acredite que a liberdade é um favor, e que a sua remuneração mensal, é justamente recompensada a medida de seu esforço. Como os adultos fazem com crianças, para que não os chateei, dão passatempos, para que não desviem sua atenção, nos é imposto a distração, como a novela o futebol e outros supérfluos, para não chatearmos quem se beneficia com tal estabilidade.
Basicamente, a ditadura não acabou da mesma forma que não acabaram os revolucionários, pois não deixaremos de lutar em busca de nossa liberdade, pois o sistemas sempre deixa brechas (nós), que podem se tornar rachaduras, que ruminarão as muralhas da imposição fascista, e porá em ruínas as ideologias ditatoriais, pois só lutando poremos fim nas corrente que nos prendem para termos paz, pois como disse Malcom X “...Não se pode separar paz de liberdade porque ninguém consegue estar em paz a menos que tenha sua liberdade”.

Allan Sobral

Foto de João Victor Tavares Sampaio

Setembro – Capítulo 7

Essa noite eu tive um sonho estranho. E esse sonho, por assim se dizer, foi muito complicado de se decifrar. Nele, os absurdos imperaram. Os seres, sem serem claramente separados como na nossa realidade, lutavam entre si. E os fracos subjugavam os fortes, os devoravam, sem que lhes sobrassem sequer os cadarços. Tremulavam estranhas bandeiras, de estranhas causas, e estranhos países. Crianças mandavam em adultos, que as obedeciam. Outros homens, rendidos, suicidavam-se, alegando merecer o falecimento. Hinos desconexos ecoavam nas paredes pelas ruas tumultuadas. Senti, se é que é possível sentir algo com um sonho, um desejo por uma inquieta tranqüilidade, uma tranqüilidade quase que inviável diante da necessidade das evoluções e modificações. Houve uma voz que conclamava, chamava os santos adormecidos para a fúria das incertezas e das discórdias. Carros aceleravam, carros indomáveis aceleravam com um sorriso irônico em sua parte dianteira. Ouviam-se sirenes, buzinas, caos. Não assimilei bem o que o sonho me passou. Também, não deve ser algo importante...
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O tempo se seguiu.

- A dona Clarisse é boa! A dona Clarisse passou para o nosso lado!

O burburinho tinha razão de o ser. Comentava-se, à boca pequena, que o nosso líder estava mancomunado com os seres dominantes. E o nosso líder não deixava por menos. Ele estava bem mais contido nos discursos de contrariedade aos nossos inimigos. Diferentemente da dona Clarisse. Ela, segura de si apesar das provações que lhe ocorreram, se colocava cada vez mais como uma liderança para toda a comunidade, e com o ponto positivo de se impor de maneira pacífica na resolução dos problemas do gueto em geral. Sendo mais específico, ela era a ponte entre a comunidade e o nosso líder. E esse, cada vez mais distante das necessidades, vinha perdendo a sensibilidade que o levou a ascender à branda influência que exercia aos seres de sangue quente.

- A dona Clarisse é a nossa esperança de vitória!

Tomava corpo uma nova representante do existir do gueto.
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A torta me olhava.

- Dimas...

Era a única que me chamava pelo nome.

- Dimas...

Novamente a ignorei.

- Dimas...

Eu me recolhi. Tinha nojo da torta. Engraçado sentir isso dela. O normal é os outros se enojarem comigo.

- Dimas, você pode até me ignorar, mas saiba que eu te amo e isso é uma verdade.

Senti muito medo de ela estar sempre comigo, em todos os momentos que eu precisasse.
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Parece que tudo me é mais sofrido.

- Inúteis! Ou trabalham direito ou não vão poder comer!

Os mais fracos no gueto são os responsáveis pela produção e preparação dos alimentos, pela limpeza de vias e aposentos, pelos reparos gerais e pelos afazeres menos aceitáveis. Já os mais fortes, por sua vez, garantem a segurança e a fiscalização do cumprimento das regras na comunidade, sendo sustentados para tal, e mantendo o equilíbrio da nossa calma convivência comparada ao tormento horrível da subjugação aos seres de sangue frio.

- Trabalhem seus inúteis, trabalhem!

Até eu subir de vida, será assim.
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- Justo, venha.

A voz de Clarisse era doce e acalentadora.

- Justo, beba.

Clarisse poderia seduzir qualquer homem que bem quisesse. Era uma bela mulher. Poderia seduzir apenas com o nome, que de tão belo fazia jus ao seu significado, de clareza, em meio à escuridão do nosso mundo, rochoso, opaco. E Clarisse, uma pessoa de bem, uma figura moldada para conseguir o melhor e sempre o melhor, não simplesmente seduzia ao homem que bem entendesse. Clarisse, ao invés disso, seduzia o homem do qual precisasse.

- Justo, dorme, dorme...

Ele obedeceu, como em poucas vezes em sua vida.

- Morre... Isto... Morre...!

E com presteza nosso líder foi a óbito.

Foto de Carmen Lúcia

Sonhos de todos os tempos

Pensei que seria fácil realizar os sonhos,
que em cada fase da vida iriam desabrochar
com a mesma intensidade em cada uma...
bastava a vida me chamar...

Sonhos de criança, uma brincadeira,
era só sonhar e correr atrás...
alcançar um a um , torná-los realidade
como se fossem balões de gás
presos com cuidado num barbante
seguros em cada mão
pra que não seguissem adiante
levando a infância inflada de ilusão.

Adolescência, sonhos de amor...
Alguns se enroscam em galhos secos,
outros se perdem na roda do tempo
que o próprio tempo se incumbe de engolir;
os que restam, vestem lágrimas e alegria
ultrapassam a emoção do amor primeiro,
titubeiam entre chorar e rir, fazem estripulias
e escrevem as primeiras linhas do amor verdadeiro.

E os sonhos vão se esvaindo com o passar do tempo,
tornam-se esmiuçados, capítulos mais aprofundados
de um livro onde o epílogo aguarda, amarelado...
Revelam a realidade, fazem-nos compreender
que os segredos guardados nos sonhos de outrora
perdem o viço e o encantamento, agora...
mostram que tudo tem seu tempo;
o de sonhar voando nas asas da ilusão
e o de sonhar sem retirar os pés do chão.

_Carmen Lúcia_

Foto de Rosamares da Maia

Poema dos Amantes

Poema dos Amantes

Insano é despertar
Das horas nuas,
Apear dos lençóis,

Deixar teu aroma
Com o raio da aurora,
Abdicar de tua pele,

Veludo profano,
Toque de absinto,
Favo de mel.

Fere-me a luz.
Nenhuma manhã
Será o bastante.

Deixa-me voar
Para as tuas noites
De puro pecado,

Perder em ti
O rumo abominável
desta realidade.

Quero consumir
Teu fogo, satisfazer
Desejos, derreter,

Para que recolhas
Os mistérios do
Meu ser em concha.

Num beijo úmido,
Profundo, único,
Sugando-me a vida.

Nenhuma manhã
Será grandiosa.
O dia não vale a pena.

Eu vivo da noite,
Da tua cama
Onde a vida se esvai.

Ferida pela claridade.
Escondo-me, espero-te,
Para renascer contigo,

Emergir dos dias vazios,
Das horas desertas,
Da vida perdida,

Do desencontro de almas
Queixume de bocas,
Do frio cortante.

Há pouca coragem
Para mudar, buscar,
Ralar-se em nova dor.

Se te deixo fugir,
Toco a tua ausência.
É tarde demais

És denso, ficastes no
perfume das fronhas e
Lençóis, grudado em mim,

Penetrando-me o corpo,
Fertilizando-me a alma.
Espero-te na penumbra.

Nenhuma manhã, nada,
Terá a beleza
Das tuas noites.

Nenhum raio de sol
Poderá traduzir-te como
o poente que te despe

Teu enigma noturno é
Livro da lua cheia,
Que a nova decodifica

E se este amor de fases,
Sempre e mais se multiplica,
Sou tua lua crescente,

Lua de amor e fel.
Lua dos amantes,
Lua de mel, clara e nua.

Rosamares da Maia
26.06.2000.

Foto de josimar-almeida

Sentimento escondido

Depois de uma exuberante chuva
Resolvo ligar o rádio e ouvir uma canção
De repente palavras surgem à mente
O ambiente se transforma em fonte de inspiração.
Talvez fiz este clima aparecer de propósito
Lembrei da minha amiga, lembrei de você
Este anjo que estava sob uma máscara preta
E não deixavas seu lindo brilho aparecer
Submeteu-se a vários episódios obscuros
Amor ou ilusão?
Numa prosa descontraída e de belas surpresas
Me dissestes que foi uma grande ilusão
Falei que concordavas com ti
Pois não existe amor com possessão
Podemos ser propriedade exclusiva só de Deus
Amar é ser cúmplice, é ultrapassar a paixão
Amar para este pobre poeta
É saber enxergar a perfeição da natureza
O alvorecer dos pássaros, a lua, as estrelas
É saber enxergar no sorriso da criança a sua beleza
É dar-se, entregar-se completamente
Fazendo o sonho de ambos tornarem realidade
Sei que tu sabes o que é o amor
E é por isso que desejo que pereças na felicidade
Resolvi não rabiscar mais sobre este passado
Bastou voltar-te ao que eras
Para me mostrar o quanto és doce
Porque até pouco tempo era sem querer uma megera
Chamei-te muitas vezes de chata
Retiro este adjetivo, e hoje posso te chamar
De meiga, fofinha, simpática
Enfim, pelo resgate de sua amizade
Serei eternamente uma pessoa grata
Não me chames de careta
Faço da minha alma, singelas poesias
Que talvez para você não tenha significados
Mas elas conseguem deixar meu coração com alegria
Nunca mais deixe alguém apagar seu brilho
Você és linda e está cheia de amor
Estarei sempre na arquibancada da vida
Vibrando com sua vitórias, sendo sempre seu torcedor
Dou fim a estas linhas
Com muito carinho e satisfação
Falar um pouquinho de você me trouxe
Doçura, encantamento, alegria no coração
Boa noite!Durmamos com Deus e...

Foto de João Victor Tavares Sampaio

Setembro – Capítulo 6

- Setembro – Capítulo 6

Em certas realidades
Você não pode ouvir
Não pode ver
Não pode sentir o cheiro
Aliás
Não pode sentir
Não pode falar
Não pode pensar
Não pode pensar em falar
E não pode degustar
Não pode encostar
Não pode colocar a mão
E não pode querer ter ou ser
Não pode poder
Não pode nada
Não pode tudo
Não pode proibir
E muito menos pode liberar

Eta realidadezinha besta
Meu Deus...
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No nosso mundo, tudo permanecia como era antes, só que mais cheio. Os meus pares preocupadíssimos com futilidades essenciais mal se davam conta que desperdiçavam suas energias com situações que não os levariam a nada ou os satisfariam. Eram pobres e não tinham simplicidade. Brigavam por entorpecentes, por pequenas posses, orgulhos imbecis. Não que eu ache isso errado, cada um tem sua vida e cuida dela. Mas, vendo os resultados, me sinto intimamente incomodado. Não sei bem o porquê vejo as crianças brincarem no esgoto e fico incomodado. Eu deveria me importar mais comigo e menos com os outros. Como sou desprezível!
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No gueto a vida era muito boa. Os meus colegas de moradia tinham uma moral impecável. Um batia na mulher. Outro estuprava a própria filha. Uma das matriarcas espancava os filhos e os obrigava a catar restos nas lixeiras dos seres de sangue frio. Toda a pureza que de comportamento que eu não encontrava entre os meus senhores sobrava na comunidade que me acolhera. Havia toque de recolher durante a noite. Só ficavam abertos um bar e um prostíbulo para o divertimento dos que podiam pagar. E todos os produtos e serviços eram tributados em favor do nosso líder. Vivíamos em uma paz sem voz, mas ainda uma paz. Em liberdade, sem submetermo-nos às vontades de algum chefe tirano ou aproveitador aventureiro.
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Nosso líder pede a palavra:

- Amigos! É chegada a hora! Vamos enfim fazer valer a força da nossa organização! É hora do tão aguardado momento do ataque! Chega de nos espreitarmos por entre a grama! Pisaremos a cabeça da serpente! Urrem, seremos os vencedores! Nada irá aplacar nossa fúria!

Os aliados explodem em alegria. A comunidade saqueará os homens ricos. Nunca na sua história houve tanta esperança.

Dona Clarisse se mantém serena mesmo diante dos brados ensurdecedores.
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Havia uma mulher torta que não tirava os olhos tortos da minha presença. Muitas vezes era a única que percebia que eu existia e respirava. Ela me incomodava um tanto, essa mulher torta, mas torta que fosse, parecia torta para o meu bem. Já eu não perdia de vista a estranha e bela dona Clarisse. Por algum motivo que eu não sabia apesar de ter sido linchada seu aspecto era o mesmo de antes de ser banida do lado dominante. Os colegas dizem que os seres de sangue frio podem regenerar seus órgãos, igual a um rabo de lagartixa. Dizem também que sou muito azarado por atrair a atenção da mulher mais feia da comunidade. O que eu acho mesmo é que poderiam deixar a gente fazer o próprio pão, ao invés de comprá-lo a preço de ouro.
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A torta me espreitou num corredor. Ela apertou minha mão e me abraçou. Senti nojo. Quando ela olhou para mim, demonstrando uma sensação que eu nunca vi em outra pessoa, me disse algo que não entendi de verdade.

- Nosso líder é um traidor.

Agora compreendo porque dizem que ela é louca.
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O líder assumiu uma tática de guerrilha. A vitória era garantida, segundo suas palavras. Enfim, teríamos alguma chance de subjugar nossos inimigos mortais.

- Os fortes vão bater de frente com os porcos de sangue frio! Podem tacar fogo naqueles bastardos! Já os fracos vão jogar pedras de longe! Mulheres preparem a gasolina! Vamos explodir aqueles malditos!

Ele se senta sobre um escravo e orienta a premeditada baderna.

- Sai da frente, inútil!

O grito era para mim. Fiquei lisonjeado.
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Durante a dura batalha fui escondido dentro de uma caixa. Meus colegas me chutaram com o fim de que eu evitasse problemas. Ao final, tivemos uma honrosa derrota, perdendo apenas metade de nossos homens. Os seres de sangue frio revidaram o ataque com lâminas e arpões. Se nosso líder não tivesse feito um oportuno acordo, que o colocava como chefe de segurança legítimo e remunerado da nossa comunidade, tudo seria muito pior.

Eu continuei na caixa. Ordenaram-me que de lá eu não saísse.

- Então está certo... Nós te daremos os privilégios que você tanto queria sobre aquele lixo... Mas não ouse nos atacar de novo ou exterminaremos essas suas tralhas... Sorte sua ter tamanha fidelidade a nossa realidade...

A voz de Luís Maurício me esclareceu o óbvio.

Nosso líder era mesmo um traidor.

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