A janela é um arremedo, estreita demais para o universo que me assedia. As rendas da cortina balançam, como fossem marionetes da minha lascívia, refém de outro nível de consciência. Tenho medo... Morro de medo dessas intimidades com outros níveis de consciência. E como em qualquer mulher fêmea o medo excita, busco refrigério no corpo que ao meu lado afunda. O lençol desalinhado é de cor areia (e mais parece movediça), onde afundam de cansaço as marcas dos meus dentes, na carne cujos arrepios me cansaram, nos músculos que não me arrepiam agora mais que essa janela e a sua brisa. Os cheiros que eu buscava estão lá fora. O gosto que eu queria na garganta, os puxões nos meus cabelos, o rasgo comprido até a alma, o roçar dos pelos nas costas, os dedos cravados nos peitos... Ah!... Tudo está lá fora. E eu aqui, encolhida, refém de mim mesma.
Essa janela não merece viver... Antes fosse arrebatada de mim, molestada, possuída. Não por todas as estrelas mas sim por todos os escuros, não por gritos de piedade mas por todos os sussurros velhacos, que condenam o meu caminho enrugado, conduzida que fui, como novilha ao abatedouro do tempo. Onde todas as mulheres vêem a sua película de outra forma, e reviram gavetas e rasgam fotografias, como se o passado pudesse ser tocado como foram elas. Até que a sua ira se erguesse das areias, do fundo do poço. Até que fizesse tremerem o céu e a terra, e o seu corpo de fêmea, e as suas vísceras profanadas, empurradas aos trancos e safanões para a beira do penhasco. E só então, ao escorrer de uma gota de leite, e do gozo caudaloso que se precipita, se precipitasse no vazio do próprio espelho...
Há de abrir suas asas imensas ante o desconhecido. Há de sobrevoar todas as antigas estruturas, como em uma visão apocalíptica. E há de alinhar-se ao horizonte antes intangível, e de lá saltar para o sempre. Porque agora sabe que a mulher e o abismo são uma coisa só, e não tem ela porque temê-lo, nem ao seu predador. E que... Por que não comê-lo?! E que não precisa da ira para isso... Aliás, o medo e a ira são duas faces de uma mesma moeda. Chamam-na Juventude, ou Hebe, filha legítima de Zeus e Hera na mitologia grega. Com ela paga-se por toda a sabedoria acumulada no caminho da vida...
Uma mulher, uma legítima mulher de carne e espírito, não lamenta a perda da juventude. Mas não lamenta porque não a perdeu, em vez disso a transfigurou. E descerra em si própria a sua janela, e sem querer fugir para fora grita a todos os astros: Pois que venham! As minhas veias vos esperam...
Mas eles não virão facilmente. Talvez só depois que perderem o medo.