Quando a gente escreve tenta escapar do óbvio. E o óbvio que sempre se sucede é escrever justamente sobre o que é óbvio. Seria o óbvio falar da tragédia na boate de Santa Maria ainda que de maneira disfarçada, dos seus donos, de seus seguranças, do cantor, das autoridades corruptas, da desorganização, da burrice e da preguiça crônica que aflige teoricamente a maioria dos brasileiros, e dentre eles hipocritamente eu mesmo. Mas a verdade é que ninguém tem culpa de nada e nem estamos preparados para nada. Somos desesperados diante da morte, sobrevalorizamos tudo, as festas, as manchetes, as tragédias, tudo. O ser humano é frágil, desesperadamente frágil, tivemos a prova nesse domingo, mais de duzentos jovens morreram pelo simples fato de terem sido sufocados por uma cortina de fumaça. E não há explicação plausível para isso, por mais que muitos crentes riem-se macabramente clamando que tal horror teria sido obra de Deus. Cristãos, eles dizem-se, conseguem ser mais irresponsáveis com isso que qualquer jovem, mereça ele morrer ou não, agora não importa. O que fica dessa notícia, a primeira significativa no décimo terceiro ano desse século, o que fica e ninguém falou ainda, pois é óbvio demais, é que não estamos preparados nem nunca vamos estar para a fatalidade da vida, que é imperfeita, que é rápida e falha, que continua insolente, à nossa imagem e semelhança. A dor é forte. Roga por nós, os pecadores, algo que não se explica com palavras conhecidas. Roga por nós algo que nossa mente ainda não compreende. Eis o mistério, de ter ou não ter uma fé.