Lugares

Foto de Camillinha

Tudo para ficar com ele

Por mais que se evite ou por mais que finja não lembrar, sinto a sua presença em todos os lugares...
Ainda sim, sinto você dentro de mim, como se nós ainda “pertencêssemos” um ao outro, como se ainda existisse alguma coisa que ligasse a gente.
Cada dia que passa, sinto um aperto forte junto ao peito...E isso me da mais certeza de que estou te perdendo aos poucos...
Eu não quero mais sofrer...
Eu não quero mais chorar...
Posso até tentar...
Mas juro não consigo te esquecer!
E olha quer saber?
Quase todo dia eu penso em você.
Em casa, na escola, coloquei até uma foto sua no meu pc.
Só para te ver melhor, bem melhor, mesmo de longe...
E pensando em você, vou te desejando cada vez mais...
Olhando sua foto, reconheço que te quero bem!
Quanto, mais te espero mais sei que eu te quero.
Mas me desespero se você não vem...
Ta tudo errado amor...
Sem ter você aqui perto de mim...
Só com a saudade que parece nunca chegar ao fim.
Deixando-me aqui com as minhas lembranças, inseguranças e com o que ainda resta de mim!
E olha quer saber?
Quase todo dia eu penso em você. . .

Foto de Ge Fazio

Celebrando a Vida

Busco mudar o meu olhar...
Fixo-me nos verdes campos, nos aromas.
De flores silvestres, nos pássaros que chegam.
E seguem bailando em revoada no céu azul.

Há vidas que se completam nesse lugar.
Do minúsculo pólen transportado de
Lugar para tantos outros lugares...
Formam o celeiro da vida.

Cai uma fina neblina a minha volta...
Sinto o cheiro forte do mato verde...
Da terra molhada... Sinto o cheiro
Da vida que germina aqui... Nesse lugar.

Chegam pequeninas borboletas...
Coloridas, alegres, e pousam mansamente.
De flor em flor... Parecem querer falar...
Gritar... Salvem a natureza.

Dissipam as pequenas nuvens e surge
Majestoso os raios de sol por entre as
Gotas de orvalho que gotejam... Formam
Um feixe de tons multicoloridos...

A minha frente um belo arco-íris...
Ouço uma canção... Ah! Minha imaginação!
Olho ao lado e vejo um anjo e um violino.
Entoando uma canção... Ouça e sinta...

Germinar a vida!

Ge Fazio

Foto de Lou Poulit

O Anjo-Arlequim

Porque a noite é fria ele canta
E canta... Canta e canta
mas porque nem uma única estrela se oferece
Ele sonha... Sonha e sonha.
E como não pode carregar
O cravejado antigo da sua manta
Ele se aconchega nas próprias asas.
Amanhece e sai dizendo gracinhas pela rua
Porque não pode ser seu arlequim.
Por que ela não quer ser rainha sua?

Então passa por muitos lugares
E os seus cantares tocam velhos e crianças.
Mas por ele passam tantas lembranças
Vãs recordações, que ninguém sabe
E elas também lhes fazem desdém
Como se seus cantares não valessem a pena
Como as estrelas tantas
Da sua manta de arlequim.
Espanta que não possa carregá-las
Mas que não faça as malas da alma
E se lave com água-de-alfazema
E de si mesmo se despeça.
Como pode um anjo não conhecer a própria palma?

Não podem ser como os homens do mundo
Que pensam o que não são
E são o que não querem.
E que pensando amar ferem o querer bem
Porque querem apenas possuí-lo.
Arlequins são efêmeros, profundos os anjos
Mas desses marmanjos nenhum pode ter a rosa.
A um, só cabe possuir a prosa
E ao outro o silêncio.
A quem poderiam então interessar?

Talvez possam um dia...
Quando forem um, bastante
Perante a estrela que não se anuncia
Porque sempre foi refém
De possuir a noite e o dia
E porque guardou o seu vintém
Para o momento certo... bem perto da fonte
Onde junto com ela se esbata, nem ouro nem prata
Quando não quiser possuir
Mas possuir o estar possuído.
Então ambos poderão possuir o momento...

Era ela quem esperava por ele...
E por ambos a vida de um amor exercido.

Foto de Lou Poulit

Os Instantes do Poeta

Torpes versos que de mim me tocam
Enfocam imersos momentos nossos,
Torpes, trágicos, tacanhos troços
Que fizemos ao sabor do instante.

O meu desafio é escrevê-los
Como novelos arrumadinhos,
Tantos os embaraços do zelo
De crer que viver valeu o instante.

Poesia... Ah, por que não me suplica
Uma relíquia, lembrança boa
No vácuo que de mim se apessoa,
Como um pálio desça ao fim do poço,
Onde cravo essas unhas mestiças
Feitas de uma sucessão de ancestres,
Mestres meus que me vêem tão moço:
Não vejo a luz imensa desse instante!

É nas mais frias noites sombrias
Que, ausentes a lua e os seus amores,
Mais ouvimos os nossos tambores
E mais cintilam brilhantes instantes.

Acuda-me, minha poesia
Com sua manhã, seu gume de luz!
Antes que me percam os instantes nus,
Que me prendem no altar dos instantes.

Porque somos amantes nossos,
Nas fogueiras das próprias cavernas,
Bastará o viço das nossas pernas,
Soberbas, aos rumos dos instantes.
Mas quando me aposso dos meus ossos
Que as manhãs não puderam roer...
Minhas pernas a tantos lugares
Não iriam nem por um instante!

Ah, poesia... Que não me suplica!
Ensurdece o promíscuo suplício
De ser assim um poeta de mim,
De versos íngremes, desde o início,
Tortuosos como os meus instantes...
Então, poesia lhe suplico eu:
Se meus versos têm que ser tanto assim
Cajado do meu próprio levante...

Diga a ela que sobre os seus ombros
E no seu dorso, crespo do nosso amor,
Me levaria... E aos meus escombros...
Antes lhe poupo dos meus instantes.

Diga a minha amada que não a esqueço,
Que apenas pago o preço das manhãs.
Que a rosa range pétalas sãs,
Mas sobre os meus ombros... Julga o instante!

Foto de Lou Poulit

O Trovão e o Sabiá Sereno

Sentada sob alpendre da mansão colonial, sua fortaleza de toda a vida, Sinhá havia se perdido em seus pensamentos. O dia havia se despedido há pouco, na apoteose fugaz de um céu prestante de cores e texturas, que de tudo o que pode tentou fazer para merecer a atenção da moça. Nem a sinfonia da passarada fez efeito. Tudo em vão, restaram as estrelas que nem sequer se aventuravam. A passarada se calou para dar a vez aos grilos, sapos e outros barulhentos notívagos. Sinhá revirava mecanicamente os fartos rendados da saia à sua volta, pois de fato não estava ali.

Então, passos arrastados vindos de dentro precipitaram-na do etéreo, de volta ao corpinho magoado pela posição pouco cômoda. De tão surpresa e assustada, não teve coragem de se virar. E esperou apenas, como seu sangue esperava dentro das veias. Aos poucos uma luz tênue, mas capaz de expulsar soberanamente a escuridão, se aproximou. Depois mais um pouco. A moça temeu que se aproximasse ainda mais e explodiu em gritos nervosos: Saia já daqui! O que quer de mim, demônio? Eu não lhe chamei aqui!

A pouca distância um caboclo mulato de aspecto impressionante, pele muito morena e os olhos claríssimos de uma onça enterrados no rosto embrutecido, como pequenas gemas raras no emboço úmido da terra adubada pelos séculos. O velho Sereno segurava a candeia, tentando compreender, tão próxima, a moça que à distância vira crescer, como flor única naquelas glebas. Durante parcos segundos, Sinhá não conseguiu balbuciar uma palavra. Tentava decifrar como aquela figura estranha havia invadido seu silêncio, que significado poderia ter dentro dele e se seria perigoso para as coisas ricas que guardava em segredo. Porém, achando que o silêncio era ainda mais insuportável, a moça voltou à carga: Quem lhe deu o direito de estar aqui? Ele tentou explicar: Vim só alumiá o negrume da noite pra vosmicê, Sinhazinha... Carecia de se assustá não... Não tenho medo de nada, ela empinou a própria fragilidade. Como poderia temer um empregado dentro da casa do senhor meu pai? Ademais, estava aqui com meus pensamentos...

O homem olhava com segurança os olhos escorridos de lágrimas da moça, cheios de brilhos amarelados pela chama da candeia. Sentia pena dela, mas sabia pelas décadas de convívio que não se devia manifestar piedade para com os senhores. Sereno sabe que está triste, Sinhá. Ma num pode fazê nada não, disse ele abaixando os olhos. Mas como pode saber disso? Não lhe dou esse direito. De onde você saiu?... Ainda com os olhos baixos, ele respondeu: Sempre estive aqui, Sinhazinha. Vim pra essas terras do senhor seu pai na barriga da minha mãe, que se foi embora amarrada naquele pé-de-jurema-branca, bem ali na direção onde a lua vai nascer já. Eu era desse tamaninho, cabia no cesto onde o alazão comia o seu mio. Naquele tempo o capataz era um homenzinho muito do ruim... Ela só queria alimentar a sua cria...

A moça se refez da letargia quando o ouviu falar no alazão, tornando a gritar: Não me fale do meu alazão. Eu amava o Trovão como se fosse uma pessoa! Ninguém montava nele além de mim! E acabaram de trazê-lo num arrasto de pau-de-mangue... Ele estava morto! E eu vou matar quem fez isso com ele... E a chorar convulsivamente ela recostou-se no portal, até sentar-se de novo no degrau do alpendre. Sereno continuou calado, imóvel, com os olhos cravados nas lages do chão. Como se sua alma cansada procurasse uma brecha para um imenso arrependimento.

Tentando descobrir em seu próprio silêncio o que deveria fazer naquela situação triste e constrangedora, o velho caboclo foi lentamente até a arandela pendurar a candeia. Não sabia o que fazer a mais. Durante quase vinte anos quisera ajudá-la em muitas situações de perigo, mas sempre chegava alguém antes. Sereno trabalhara sempre na plantação, às vezes tratando dos cavalos doentes e outras como mateiro. Amava a menina, antecipava os riscos que ela corria, mas haviam outros mais próximos dela. E agora o mesmo sentimento de proteção lhe parecia palpável de tão denso. E ironicamente, embora estivessem ali apenas os dois, simplesmente não sabia o que fazer.

Passados alguns poucos e imensos minutos, a moça quebrou o silêncio, mais calma, porém sem perder a altivez da voz: Como se chama? Sereno, Sinhazinha - disse ele. E porque está aqui, nunca lhe vi dentro de casa?... O velho empurrou a aba do chapéu para trás e coçou a calva rala e branca, como sempre fazia quando se sentia inseguro. Demorou um pouquinho mas respondeu: Eu vim de pés lá de trás da serra dos pastos... O senhor seu pai mandou que me alimentasse e ficasse por aqui até amanhecer. Ela insistiu: Mas por que veio de pés? Ah, Sinhazinha, parei no meio da mata para ouvir o sabiá-da-mata, tava cantando bem em cima de mim. Desde menino adoro os sabiás, num gaio da mangueira, por cima da minha palhoça tem um que fez ninho agora. Quando passo o café da tarde ele tá arrebentando os peitos, de tanto chamá uma fêmea pro seu ninho novinho e arrumadinho. Mas me distraí, meu cavalo assustou-se com a onça e saiu desembestado, nem sei pra onde. Mas vou lá buscar, pro seu pai meu senhor num ficá num prejuízo maió. Não é um bicho caro, é até meio capenga... Mas é um bom companheiro, num sabe? Vendo a perplexidade dela, ele perguntou: Que foi Sinhá, com essa boca aberta, quem nem peixe morto? A moça sussurrou: Onça?... Que onça é essa, Sereno?

O velho respirou profundamente. Não haveria mais de esconder. Ela que soubesse a verdade e que fizesse o que achasse justo. Disse a ela com segurança: a mesma que pegou o Trovão... Aquele sangue todo foi porque quando cheguei ela já tinha garrado no pescoço dele – disse caboclo limpando instintivamente as mãos grosseiras nas calças. A moça mostrou-se inconformada: E você não fez nada para ajudar o coitado? Não tinha uma arma, Sereno? Sinhazinha, ele caiu por cima da bicha, esperneava como um porco endemoninhado... Endemoninhado é você, miserável! Ele era o alazão mais valente que conheci... Só que havia uma onça mordendo o seu pescoço... E um homem medroso e inútil assistindo a sua morte desesperada! Que queria que o Trovão fizesse?... Sereno, se calou constrangido. E ela quis saber mais: E depois, Sereno?... Sinhazinha, num é nada fácil chegar perto de dois bichos grandes e raivosos... E eu só tinha mesmo o meu facão de mato e não queria ferir ainda mais o Trovão. Sim, mas o que você fez? – ela implacável. Eu nada, Sinhazinha, a onça é que resolveu desaparecer. Onça é um bicho covarde. Só pega pelas costas, sangra e espera morrer. Mas se sentindo insegura ela larga e fica de longe só espiando. Esperando a hora de comer sossegada. E o outro, que também é bicho, sabe que vai morrer e que ela vai vir lhe rasgar as tripas. É só uma questão de tempo... O mundo dos bichos é assim mesmo, Sinhá. Ninguém muda não. Vosmicê ta triste e eu também... Mas o Trovão tá não... Só tá esperando os primeiros lampejos do dia, pra correr por essas terras sem fim, pelos campos e pelas matas fechadas, num tem mais nada que lhe impeça... Vai conhecer todos os lugares onde nunca tinha ido, vai beber água do rio grande e vai saltar nas ondas da praia... Enquanto isso nós vai fica aqui chorando de tristeza, porque num pensa que ele ta livre como nunca foi... É que como nós só sente o sentimento da gente, só pensa com a cabeça da gente, então acha que o trovão ta sentindo e pensando a mesma coisa, Sinhazinha... Não tenha raiva não... Que ele não pode aparecer pra vosmicê e lhe contá como que é lá donde ele vem, ele vai ficar triste por causa da sua tristeza...

A moça se esforçava para aceitar aquela sabedoria estranha, que quase desdenhava os seus mais puros sentimentos, todas as coisas que aprendera a sentir. Mas, embora não tivesse coragem de dizê-lo, até que gostava muito de imaginar seu querido Trovão suando da correria que tanto amava, brilhando ao sol e ao luar. Ele amava o vazio dos espaços, os obstáculos que vencia, amava o vento revirando as suas crinas, enchendo-lhe os pulmões no peito enorme e musculoso, e depois expirava com força fazendo seu próprio vento, era quase um deus da natureza... Ah, como ele gostava disso... – dizia a si mesma. Alagada da própria ternura, disse então ao velho: Ele lutou até o último instante não foi, Sereno?

Ele era valente demais, eu o conhecia desde que era um potrinho muito abusado... Sou lhe muito grata, quero que fique, se alimente bem e descanse bastante. E depois vá buscar o pangaré, antes que essa onça o coma, já que não comeu o Trovão, pois que os homens foram buscá-lo antes disso... Sereno sentia-se mais à vontade agora, já sentado também no degrau de baixo. E completou: Vou Sinhazinha, antes de clariá vou atrás dele. E ai dela que se meta... Faça isso por mim, Sereno – ela pediu com raiva.

Não posso prometer, Sinhazinha... Não Sereno, não se arrisque, leve uma arma... E se ela lhe pegar pelo pescoço, como fez com o Trovão?... Vosmicê num fique triste não, Sinhá... Também sou meio bicho, já fiz muita coisa nesse mundo de meu Deus... Já matei oito onças, seu pai meu senhor pode lhe dizer... Uma delas ia morder era o pescoço dele... É que de uns anos pra cá elas estavam sumidas, que os cachorros farejam a catinga delas de longe... Gato tem raiva de cachorro e vice-versa, num sabe?

Eu prometo, Sereno. Vou contar para os meus netinhos essa estória. E vou me lembrar de dizer que você foi um herói, que não pode salvar o Trovão, mas veio de pés buscar homens, para que ele tivesse um enterro digno. Meus netinhos vão aprender a odiar todas as onças, porque essa matou o Trovão... Mas eis que tais palavras indignaram o velho filho-do-mato, e ele quis ser exato: Não, Sinhazinha... Isso não é certo, não é verdade não... Como, Sereno? Se ela não matou o meu alazão, então quem foi?... Fui eu mesmo, Sinhazinha... A moça de um pinote ficou de pé, com o dedo em riste, enfurecida lhe disse: Seu traidor! Vá embora, suma daqui! Nunca mais quero ver sua cara! Não vou lhe perdoar jamais! Vai... Antes que eu grite por alguém para lhe surrar no pé-de-jurema, desgraçado!

Naufragados novamente em profunda tristeza, ambos se foram. Ela para chorar na cama e ele no mato. Mas nenhum dos dois conseguiu dormir. A moça rolou na cama, sobre o lençol úmido das suas lágrimas, até que lhe viessem chamar para o almoço. Não foi. À tarde, na hora da refeição também não quis sair do quarto, deixando a todos apavorados. Seu pai começou a preocupar-se, vendo que as mucamas não paravam de cochichar pelos cantos. Resolveu-se a sacudi-la. Entrou no quarto como um furacão para intimidá-la e foi querendo saber o porque daquele drama. Sabia o porque, também sentia muito pelo alazão, sabia o valor que tinha, mas não queria perder também a filha. Sinhá estava desolada e não apenas pelo seu Trovão. As horas lentas da madrugada lhe convenceram de que havia sido injusta com o Sereno. Estava agora claro que quisera apenas poupar o animal de mais sofrimento. Não podia carregá-lo nas costas e com certeza não quis que o alazão assistisse a desgraçada da onça comer-lhe as carnes ainda vivas. Ela estava soterrada de remorso e com muito jeito fez o velho concordar em mandar buscá-lo. Assim também concordou em levantar-se para se banhar e voltar à vida normalmente.

Alguns dias depois estava novamente sentada no alpendre, mas dessa vez assistiu a obra da natureza que se comprazia em dispor da sua atenção. O dia terminou. Escureceu por completo. Ela se lembrou da noite em que se assustou com Sereno. Dessa vez queria imensamente que ele lhe trouxesse a candeia. Havia preparado algumas palavras para lhe pedir que perdoasse a grosseria. Ninguém lhe dissera uma palavra durante esses dias, tinha a impressão cada vez mais densa de que não lhe queriam falar a respeito. Uma luz veio de dentro, mas pelo andar sem botas não poderia ser Sereno. Era uma mucama, que foi dispensada. Sinhá só queria a luz do velho caboclo, como naquela noite. Agora queria gostar dele, da sua sabedoria e da sua paz. A lua começou a aflorar, derramando seu prateado pelas colinas que pareciam abraçar em segurança a mansão. De repente, algo mexia nas folhas do pé-de-jurema-branca, que pareciam lhe acenar variando o reflexo do luar. Então, para sua imensa surpresa ouviu com nitidez o canto mavioso de um sabiá... Mas como? Sabiá cantando há essa hora? Não pode ser... Não queria aceitar o que seu próprio silêncio lhe dizia, lutava contra com todas as suas forças... Então ouviu de novo, logo ouviu outra vez e de novo tornou a ouvir... As defesas que havia erguido em si própria foram ruindo a cada canto, como se fossem rojões de poderosos canhões. Até que não pode mais sustentar a certeza que preferia. O sabiá só podia estar feliz. Tão feliz que nem se importava com a noite, não queria esperar o amanhecer! Se quisesse vê-lo sempre feliz, devia afastar a tristeza. Libertá-lo do próprio peito para que fosse completamente livre, para que cantasse onde quisesse e quando quisesse. Seu canto não era triste como o de outros, mas vigoroso e doce como o de uma flauta da natureza. A mucama voltou com um semblante pávido, mas quedou-se quando à luz da candeia viu que o de sua Sinhazinha sorria para a lua, já em seu esplendor. A mucama lhe disse: Sinhazinha, o seu pai mandou meu irmão e me primo buscar o Sereno... Mas eles não querem falar, estão com medo. Medo de que? Diga logo... Não fica brava comigo não Sinhazinha... Fala de uma vez, mulher... É que a onça pegou o Sereno também, Sinhazinha...

Completamente perplexa, a mucama ouviu a Sinhá lhe dizer com doçura: Não fique assim tão triste. Há essa hora ele deve estar bem assobiando por aí... Por onde, Sinhazinha?... Pela natureza, pelo céu, pelo rio grande, ou se lavando nas ondas do mar... A pobre mucama não conseguia atinar com aquelas palavras surpreendentes e Sinhá completou: Anda, pode deixar a candeia na arandela e vá pra dentro. Se precisar eu lhe chamo, agora vá. Quando mais tarde seu pai veio lhe buscar para dentro, aliviado pelas falas da mucama, encontrou-a bem disposta, quase feliz para aquelas circunstâncias. Sinhá aproveitara o tempo para fazer uma prece emocionada, repleta de gratidão e amizade, pela alma do velho Sereno. Durante toda vida estivera bem ali e nem o havia notado. Mas havia sido de grande valia justo no momento que mais precisou. Se estava feliz a ponto de assobiar no galho do pé-de-jurema àquelas horas, então deviam estar todos felizes: O Sereno, sua pobre mãe e também o Trovão. Não, não queria mais pensar em tristezas. Foi quando seu orgulhoso pai, sentindo necessidade de participar daquele momento lhe disse: Deixe estar, querida... Aquela maldita onça não irá longe... Eu me encarregarei disso pessoalmente.

Lou Poulit
Direitos Exclusivos do Autor

Foto de Lou Poulit

Poema do Ateliê Engenho do Mato

Minha arte não pode morar
Em nenhum lugar para sempre.
Mas ficaria eternamente por aqui...
Despertaria ouvindo cantos desconhecidos,
Bem cedo, sem velhos azedos,
E começaria o dia sem medos
Dos tempos futuros, ou dos idos.

Minha arte sempre parte... Para algum lugar
Que não posso imaginar de quem seja.
Mas logo volta e feito doida me beija
E molesta a minha preguiça
Tão ingênua, e me alvoroça.
E antes que pensar algo eu possa,
Ávido, cato o que esteja ao alcance
Do meu silêncio e da minha nudez...

E já nada mais importa
Senão a arte... E essa minha prenhez!
Minha alma... Como um largo portal
Escancarada para todos os lugares,
Não aprende mesmo a sentar-se
Como uma mocinha de boa família...
Mas na verdade o artista é um velho lobo.
Seu silêncio é um cosmo
E seu covil uma ilha.

Não duvidem do seu velho coração
Tão lúcido de abraços e beijos,
Nem subestimem os seus olhares
Baços de tantos lugares...
Porque o lobo sente e vê
Apenas com a alma e, por tanto exercê-la,
Não há estrela no seu manto antigo
Que não lhe trate pelo nome... Amigo.

Itaipú(Niterói)/RJ - 2006

O artista plástico carioca Lou Poulit, criador da série de pinturas sobre tela e esculturas "Element Ballet" (Bailarinos Elementais), dentre várias outras, com centenas de obras vendidas para quase todos os continentes nos últimos 7 anos, escreve poesias, contos e crônicas há 20 anos. Acabou de chegar nesse Site e nele pretende começar efetivamente o trabalho de tornar públicas suas letras. E espera fazer bons amigos nesse espaço.

Foto de HELDER-DUARTE

Poemas de Esperança

Esperança

E ele disse ao pó:
Haja em ti vida!
Levanta-te e caminha.
Não estás só.

Então este caminhou,
Com a vida que aceitou,
Pelos lugares que o houveram morto,
Tanto no baixo, alto e lugar plano.
E viu que a vida, que neles perdera,
Era a qu'eles perdida perderam,
Já qu'ele d'eles morte recebera.

E o que ao pó falara ainda lhe disse:
E os que te mataram morreram,
Por te ter dado a morte,
Porque a vida que eu Sou, eles ainda a não receberam!

Medo

Medo porque ter?
Medo de quê?!...
De que ser?
Mas porquê?!

Medo da morte...
Ou da vida,
Do Norte?
Ou do Sul ainda?!

Medo de cão...
Mesmo de lobo,
Ou leão?!

Não! Porque a verdade
Já a tenho...
Que é Deus, na totalidade!...

Helder Duarte

Foto de Marilac

Sonho

Bebê!!!!
Sonhando acordada ou dormindo vejo-o em todos os lugares.
O meu sonho, um sonho de paz, que se chama-se Vida...........
Vida de Amor.... de ternura, vida de vida.......Vida de esperança...
Esperança de te encontrar...Esperança de te abraçar, te beijar, te sentir...
Esperança de viver a vida....com vc..por que...Deus me deu você para partilhar meu coração e minha alma, para trazer-me coragem e esperança, para ensinar-me o significado do Amor Incondicional,............ A cada dia que se soma ao tempo deste nosso relacionamento, sinto como se tudo fosse apenas a concretização de todos os meus sonhos......... a possibilidade de se realizar o meu maior desejo....de estar sempre pertinho de você.......... de poder estar com você em todos os alvoreceres de todos os novos dias de nossa existência para lhe cobrir de abraços e beijos...............
Saiba que lhe amo muito...hoje, amanhã e sempre.......
E que Deus nos conserve juntos nos amando cada vez mais......
19/02/07

Foto de InSaNnA

ExPlOsÃo

Tímidos olhos negros
perdidos no infinito
alma em pleno vôo
asas em forma de desejos

pairando na boca,o par de seios
quadril em câmera lenta
baila sobre um corpo víril
ao rítmo do coração;doma receios

sorrisos soltos no espaço
gemidos roubados dos atos
deslizam em carnes abertas
dos corpos dividindo o mesmo abraço

Confundem-se ,as almas selvagens
suores de infinitos lugares
Explosão!A travessia para o paraíso
Enredam-se em seivas, as duas margens

Foto de Observador.Pensador

Noites vazias

É com o meu coração batendo forte
que saiu a te procurar...

ludibriado com a alquimia moderna
de um whisky com energético...
...caio no abraços das noites solitárias

Olhos abertos
Fechados
Cegos...

Beijos sortidos numa única boca

Bocas sem nomes
lábios sem gosto
com gosto de antes
com sabor de depois...

Gosto sem gosto nenhum...

Queria eu... te procurar em outros lugares
Em outros rostos
Outras bocas

Mas meus olhos já serrados
não mais encontram o caminho....

Perdido... sem mais saber...
qual lábio beijar
em que olho te procurar...

Fico só

Pena...
Que um dia alguém quis...
Com os meus olhos olhar

Pena
que não viu direito

E dando-se por sabida
ficou perdida na ilusão
de um cenário montado

Cortesã para sempre
Do achar...
...pensar...
e imaginar...

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