Era outubro do ano passado, mês do meu aniversário e estava decidido a me dar um presente especial. Algo que marcasse uma época, sim, meu primeiro carro.
Iniciei minha cruzada em busca daquilo que seria um divisor de águas na minha vida. Diuturnamente pesquisava, não dormia direito, não comia direito, era pura ansiedade na minha procura incessante, e quando menos esperava lá estava ele. Uma jóia, um achado, raridade automotiva que habitava as memórias dos mais velhos e aguçava o desejo dos mais jovens. Um lindo, restaurado e personalizado Fuscão oito meia, motorzão mil e seiscentos, estofados em couro, som potente, instrumentos esportivos, lanternas especiais, rodas liga-leve quinze polegadas, levemente rebaixado, detalhes cromados, pintura impecável perolizada, coisa de colecionador. Era ele, eu tinha certeza, foi paixão fulminante. O Besouro Azul.
Tudo acertado com o antigo proprietário que o beijou como um pai que se despede de um filho que dificilmente verá novamente fui buscá-lo com um grande amigo que tinha mais experiência em direção veicular para levá-lo comigo. Enfim ele era meu, todo meu, somente meu.
Era como se tivesse nascido um filho que seria cercado de todos os cuidados e mimos, afinal era uma relíquia única em toda a cidade, talvez em todo o estado.
Foi uma das melhores sensações que tive na vida, de realização, de conquista. Eu era o cara.
Por onde passava era a sensação. As pessoas elogiavam, faziam ofertas, tiravam fotos, queriam vê-lo de perto, tocá-lo, sentí-lo.
Alguns amigos criticavam pelo fato de ser um carro velho. Ei, velho não! Antigo, é diferente. Mas eu não me importava com o que diziam os consumistas. Eles que ficassem com seus carros zero quilômetro, mas todos iguais. Hoje todos os carros se parecem, quase não se consegue distinguir um do outro com suas linhas retilíneas e formas geométricas. Eu queria algo ímpar, que fosse só meu, exclusivo!
E eu tinha, claro, o Besouro Azul arrancava suspiros até mesmo dos mais abastados com seus luxuosos veículos, todos automatizados e que só faltavam falar.
Até que na noite de Natal do mesmo ano, num piscar de olhos eu e aquele meu amigo do início da história vimos um vulto branco em nossa direção e tudo acabado. Acabado num muro de puro concreto do canteiro central de uma avenida muito movimentada da cidade.
O Besouro Azul parou de voar.