Olho de novo para as maciças portas. Tento olhar para as maciças portas. Imagino que olho para as maciças portas. Não vejo as maciças portas, mas que importa? Passam doze minutos e não aparece. Há doze minutos que deram as doze badaladas. Há vinte sete minutos que eu entrei, e não aparece. O pé treme no chão, não de impaciência, mas de receio. Antes não apareça.
A sala é quadrada, a mesa é quadrada, os bancos são quadrados, alguns redondos. A sala é estranha, a musica é estranha, a minha voz é estranha... eu sou estranho. Porque é que as minhas palavras soam a falso, a premeditado?! As luzes de LSD, vermelhas e verdes, bailam por entre as quatro beatas no cinzeiro e o copo de whisky outrora cheio. Mando vir mais um... e mais outro. Outra badalada, outro cigarro e os meus lábios secos pedem por mais. O fumo a haxe intensifica-se, semicerro os olhos como que embriagado, mato e vegeto. Olho o relógio, o meu negro relógio, que já tão pouca falta me faz e olho de novo para as tão frágeis portas... tão frágeis... tão... Que linda música!
As portas do bar erguem-se á sua volta. Olho o relógio sem ver as horas. Só penso nela e no que lhe hei - de dizer... e as minhas palavras soam a falso, a premeditado. Não me cumprimenta. Como eu queria que ela me beijasse! Perdi a deixa. Sacudiu a camisa desfraldada e sentou-se. Sorriu, e como eu gosto desse sorriso! Inclinou ligeiramente a cabeça, deixando cair os seus longos e belos cabelos castanhos sobre os ombros, fitou-me com os seus profundos e belos olhos negros... e perguntou-me com a sua bela doce voz:
- Como vai a vida?!
Engasgo. Tremo. Eu sei lá. O significado chega-me pouco depois. Olho para a mesa quadrada e riscada e penso, ou melhor, tento pensar. O seu olhar incomoda-me, e hoje está mais penetrante do que nunca. Sinto-o, mesmo por entre o fumo denso e azulado. As palavras esfumam - se e o torpor aumenta. Que letargia!
- Como tem que ir! Vai como tem que ir!- Gritei para me fazer ouvir, tentando retribuir o sorriso. Mas cedo ele se esvai. Olho para o lado e tenho a incómoda sensação que fui ridículo. Soou a falso e a ridículo. Sem dúvida que fui ridículo. Por entre a música surge o perturbador silêncio, que não deixa de ser ridículo também. Meu deus! Que ridículo! Só espero que ela assim não pense. Que tudo é estranho, quadrado e ridículo.