Jardim

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suave, reluzente

suave, reluzente; era assim que guardava
tua imagem sob o mármore negro da noite.
dias e quilômetros nos separavam,
restaram inquietações no horizonte oblíquo
das interrogações, limites projetados
nas minhas mais arrogantes ambições.
muita coisa mudara, delicadas esperanças,
inexplicáveis emoções, minha paz desaparecia,
minha calma se dissolvia, calculava tempo,
distâncias, particularidades, horas a fio
te imaginava sob o céu sedoso cor de cobre.
a ansiedade tem nome de mulher
e preta é a tarja da caixa que guarda
o sono dos anestesiados.
sonhos se confundem com fragmentos
da realidade confusa e resquícios
de amnésia, reticências do inefável.
vestia-me, olhava o espelho, nas mãos
as chaves, o cotidiano, a procrastinação.

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deslizo desnudo

deslizo desnudo,
sem rumo, sem prumo,
aos ventos.

singro, sangro
sem tino, sem norte,
à sina, à sorte.

naufrago, calado, mudo,
sempre existirão
tormentas, tormentos.

sinto o cheiro
do que se foi,
do que se espera

em cada primavera,
a forma perdida
procura seus etcéteras

nos ritmos da matéria,
no fora, no dentro,
em algum lugar

onde o avesso
do inverso
insiste em ficar.

agarro o grito
agudo que brota
curto da garganta.

sussurro
o espasmo lento
de um gemido surdo.

assomam as sombras
insones, sortidas
em meio ao escombro.

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ando só pelas ruas desta cidade fria e vazia

ando só pelas ruas desta cidade fria e vazia.
carrego comigo o hiato das impossibilidades
e a carga dos desenganos que fazem
da noite de sábado um proscênio solitário.

encarnação de vazios, deixo para trás
pontos de interrogação e concluo
que há muita incerteza nos caminhos
que se abrem à minha frente.

dialogo comigo mesmo, danço a coreografia
dos absurdos, réquiem inevitável
de um futuro que nunca existirá,
passos em terra de ninguém.

na praça dos consolos inúteis
distribuo a piedade que só os miseráveis
são merecedores, na minha andança
sem fim recebo do passado arrepios,
os sorrisos compartilhados são a véspera
dos desassossegos futuros.

ando sem rumo por ruas movimentadas
tentando olhar dentro dos olhos
das minhas verdades e sentindo
a batida do martelo dos remorsos
que só as escolhas erradas trazem.

fragmentos de promessas espalhadas
pelo chão, vestígios pelos muros
de possibilidades impossíveis
originadas no âmago das minhas covardias.

ando só e por aí me perco, uso a bússola
da minha inquietude, sigo as placas
dos meus medos, arranco da memória
uma fatia de sonhos que está guardada
em um frigorífico abandonado
e que quebra quando a toco, algumas coisas
são tão sagradas que não podem ser tocadas.

ando sem rumo, rumo ao improvável,
por alamedas, atalhos, pontes
e abismos que me conduzem.
andanças intermináveis, pelo caminho
questões sem respostas,
respostas sem perguntas,
coisas que não são nada,
nadas que me deixam mudo,
promessas que ouço do luar,
das gotas da chuva que nunca choveu.

estrada feita de horas e horas, o vento
e suas navalhas cortam constelações ilegíveis,
o espelho da finitude desfilando
vácuos inefáveis como se o passado
e o presente andassem de mãos dadas
sorrindo e falando alto nos corredores
desertos da minha intranquilidade:
a sagração de um vazio
que nega a si mesmo.

ando só e sem destino
sob a passarela fúnebre
deste céu de possibilidades mortas
e paixões cegas, enxergo a dureza
dos muros, os papéis levados
pelo vento e os automóveis, converso
comigo mesmo em profundo silêncio,
respiro a textura de um adeus
que faz a alma se encolher
até um canto qualquer
como um detento sem ambição
e sem propósitos, como quem
espera por alguém que não existe.

me prendo a ilusões que escapuliram
de minhas mãos como se nada mais
fosse possível, uma nuvem de poeira
formada por escombros de promessas
não cumpridas sufoca
as minhas esperanças e asfixia
o meu futuro e minhas escolhas absurdas.

tenho uma fascinação pelas coisas
que não existem mais, pegadas invisíveis
pelo chão despedaçado
de um caminho confuso, sonhos fatiados
pela lâmina inexorável dos impossíveis,
minutos perdidos e areias antigas
de ampulhetas emperradas pela desatenção.

encho a taça trincada
pelo grito dos desesperados
e brindo a chegada
da minha própria demolição.

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escura bruma que a noite produz

escura bruma que a noite produz,
o vazio neste bar perdido
em uma rua perdida.
minhas lembranças mais secretas
são estrelas caídas
de um céu sem piedade.
querendo ou não
sou parte deste drama
que a vida usa para dar
um sentido mais trágico
ao cotidiano.

como quem aguarda
os passos intermináveis das horas,
destilo silêncios, respiro surpresas,
fantasiando meus impossíveis
e recolhendo meus absurdos.

não há mais motivo ou propósito,
estou sobre um campo minado
à deriva pelas esquinas
dos meus próprios desvarios.
sílabas mortas, frases rotas,
monólogos
que pronuncio ou mesmo que calo
envoltos nas pétalas aveludadas
das flores da ilusão.

abro meus olhos cansados com esforço
e sinto um peso no ar, nas chamas
das minhas fomes.
desassossegos, abandonos indiferentes
aos mendigos que comem lixo nas praças.
tristeza com hálito de ribaltas antigas
de um teatro em ruínas,
abandonado a segredos densos,
alcovas gélidas onde perambulam
anjos deserdados.

alimento dragões
nestas noites de junho,
subverto a pauta do desejo,
bebo a doce violência
que escorre pelas ruas.
sou como o silêncio que habita a cidade,
desato nós, silencio desordens,
ouço os rios, dobro o riso, as blusas
como se dobrasse o tempo.
surpreendo os vazios, escuto gemidos,
recorto os versos
de qualquer santidade.
despertenço, desinvento a palavra amor.

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vivo recolhendo coisas pelas ruas,

vivo recolhendo coisas pelas ruas,
reunindo minhas humanas incertezas
abortadas de meu coração vazio
que não entende coisa alguma de nada.

na alma toca um blues
por aqueles que se foram
em infelizes destinos excomungados
nas encruzilhadas do tempo.

vejo a festa e o contentamento
que fugazes escaparam de minhas mãos
e se esvaneceram em olhares confusos,
em alegrias provisórias.

procuro o significado de estar vivo
somente para encontrar
absolutas verdades ocultas
em antros de mentiras declaradas.

nesta busca insana
encontro realidades concretas
que abstratas me sentenciam,
me deserdam.

de que me servem as certezas
paridas de em algum momento de lucidez?
sou apenas um peregrino mendigando
o alívio de retóricos venenos.

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teu amor fala com as palavras de um idioma que desconheço

teu amor fala com as palavras
de um idioma que desconheço,
permanece preso em minha garganta,
fala ao meu coração que bate,
fala aos meus olhos que observam,
que descobrem mas não alcançam,
canta o silêncio dos apaixonados.

não desejes minha alma nua
sob esta atmosfera serena
neste fim de tarde.

o mundo é tão solitário,
um lugar de batalhas
e olhares frios,
ainda que hajam jardins.

esqueça-me.
sou ácido demais para os seus sorrisos,
cético demais para os seus objetivos,
incoerente ao extremo para os seus ânimos ,
extremamente áspero para os seus lábios.
não olhes para trás.

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os ecos da casa ressoam em púrpuras horas

os ecos da casa ressoam em púrpuras horas
todas as minhas ausências estão presentes,
desvelo o último fôlego das memórias.

as tuas tímidas palavras recuam, retornam,
penetram sutilmente entre os vãos das portas.

os teus passos atravessando o território do sonho
deixam rastros de tristes e breves noturnos.

as tuas mãos ainda perpetuando lutos recolhem
pó e a ferrugem do tempo que me devora.

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escrevi teu nome no vento

escrevi teu nome no vento.
extraordinária angústia:
os jornais e a falta de encanto
do dia negaram a tua presença.

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selvagem o corpo que me alimenta

selvagem o corpo que me alimenta,
me sacia, vermelhos os íntimos lábios
que a minha boca suga, explora,
em pressa, inquieta, em ânsia, em fome.
selvagem o corpo que me excita, quente,
insone, que adentro e me habita, em sede,
em desejo, em agonia, em sonho, em sismo.

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nas curvas do teu rosto

nas curvas do teu rosto
o tempo que já não temos.

nas curvas da estrada
a incerteza do caminho.

nos desvãos dos sonhos
o vazio que nos suprime.

no oco de nossos ouvidos
o sussurros das ruas.

nos solavancos do destino
o gosto da noite insone.

no anverso do vivido
a certeza de ninguém.

no horizonte distante
a vida que não temos.

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