Incapacidade

Foto de Senhora Morrison

Liberta

Livra-me do seu sentimento de posse.
Amar, não sabe o que é.
Livra-me do seu moralismo vil.
Honra, nunca tivestes.

Ris da dor alheia
Mas não suporta a tua própria
Engenhava-me mais sofrimento
E tivestes minha devoção!

Chama-me verme
Julga-se forte, viril.
Mas faz-me seu escoro
Seu chão, para que pise, pise...

Só sabe ploriferar o medo
Ganhas-me no grito
Violenta minhas entranhas
Sempre que se sente só

Eu que parecia lhe dever
Nunca ousaria seus olhos
Dei-te a submissão
Fui-te um depósito de gozos, esporros...

Era só o que valia
Só o que me fazia valer
Diante de um semblante psicótico
Acompanhava-me da incapacidade

Almejar-se-ia seu reconhecimento
Se não lhe descobrisse agora
Tão fraco, tão fora.
De realidade que ainda desconheço

Tu foste meu primeiro, meu único.
E com mãos de ferro
Marcava-me com sua brutalidade
Com prazer em me sangrar

Jamais saberia ter força olhando estas marcas
Não poderia sequer tentar fugir
De sua presença negra e duras palavras
Mediante suas perspectivas

Nunca tiveste um horizonte
Não me mostraste as rosas do mundo
Deixara as pétalas a outras
E me enfeitava de caules e espinhos

Acostumaste-me a pouco amor
Mas minha alma já cumpriu sua sentença
Agora que com fôlego caminho para a luz
Sinto-te ainda mais agressivo

Nunca me ganhaste
Não me amedronte
Mesmo em flagelos irei recomeçar
Aqui ou em qualquer lugar

Vou curar minhas feridas
Com minha saliva
Tenho a mim
E isto me basta

A dor me abriu os olhos
Vejo-me tão capaz
Vejo que te suportei além
Sozinha será mais brando.

Suas ameaças já não me martirizam
Tão pouco o cumprimento
Nunca tive nada a perder
Não me destes nada

Vou antes de tudo acontecer
Antes que nada se faça
Ainda que respiro
Agora que me livro...

Então dormes homem
Que ontem foste digno do meu amor
Dormes que enquanto isso
Vou para onde não alcance seu cheiro

Que seja embalado em sonhos malditos
De murmuras e lamentos
E que quando desperte
Tenha uma vida em sofrimento

Aqui jaz tudo que fui pra ti
Neste ímpeto de coragem
Deixo-te, a querer que esqueça.
Que um dia existi...

Senhora Morrison
30/05/2006

Foto de josecarreiro

RAPTO

RAPTO

Conheço a viagem absoluta ao festim soado,
as lousas, as eras que fizeste comportar,
a fiança ateada com que absorvias.

Sou as vezes que disseste que me amavas,
os passeios de mãos dadas. Os beijos.
Os abraços apertados de que gostavas.
Sou as omissões pressentidas, as dúvidas instaladas,
a observância das atitudes.
Sou o diálogo requerido, a incapacidade de te fazer falar.

Por vezes incido o olhar sobre a tua ausência.
Por vezes regressas dela.
E eu fundo-me na linha irreflectida
no suposto ardor da romã.

Por vezes, atravessas-me como um corte, um traço na garganta.
E eu sou o despojo de mim
trapo no chão do amor.

(Fui soro e carne para tua terapia
lama para te besuntar
poesia.)

A vida por um gesto
um rapto, um beijo.

José Maria de Aguiar Carreiro, CHUVA DE ÉPOCA (Ponta Delgada, 2005)
http://folhadepoesia.com.sapo.pt/

Foto de Senhora Morrison

Liberta...

Livra-me do seu sentimento de posse.
Amar, não sabe o que é.
Livra-me do seu moralismo vil.
Honra, nunca tivestes.

Ris da dor alheia
Mas não suporta a tua própria
Engenhava-me mais sofrimento
E tivestes minha devoção!

Chama-me verme
Julga-se forte, viril.
Mas faz-me seu escoro
Seu chão, para que pise, pise...

Só sabe ploriferar o medo
Ganhas-me no grito
Violenta minhas entranhas
Sempre que se sente só

Eu que parecia lhe dever
Nunca ousaria seus olhos
Dei-te a submissão
Fui-te um depósito de gozos, esporros...

Era só o que valia
Só o que me fazia valer
Diante de um semblante psicótico
Acompanhava-me da incapacidade

Almejar-se-ia seu reconhecimento
Se não lhe descobrisse agora
Tão fraco, tão fora.
De realidade que ainda desconheço

Tu foste meu primeiro, meu único.
E com mãos de ferro
Marcava-me com sua brutalidade
Com prazer em me sangrar

Jamais saberia ter força olhando estas marcas
Não poderia sequer tentar fugir
De sua presença negra e duras palavras
Mediante suas perspectivas

Nunca tiveste um horizonte
Não me mostraste as rosas do mundo
Deixara as pétalas a outras
E me enfeitava de caules e espinhos

Acostumaste-me a pouco amor
Mas minha alma já cumpriu sua sentença
Agora que com fôlego caminho para a luz
Sinto-te ainda mais agressivo

Nunca me ganhaste
Não me amedronte
Mesmo em flagelos irei recomeçar
Aqui ou em qualquer lugar

Vou curar minhas feridas
Com minha saliva
Tenho a mim
E isto me basta

A dor me abriu os olhos
Vejo-me tão capaz
Vejo que te suportei além
Sozinha será mais brando.

Suas ameaças já não me martirizam
Tão pouco o cumprimento
Nunca tive nada a perder
Não me destes nada

Vou antes de tudo acontecer
Antes que nada se faça
Ainda que respiro
Agora que me livro...

Então dormes homem
Que ontem foste digno do meu amor
Dormes que enquanto isso
Vou para onde não alcance seu cheiro

Que seja embalado em sonhos malditos
De murmuras e lamentos
E que quando desperte
Tenha uma vida em sofrimento

Aqui jaz tudo que fui pra ti
Neste ímpeto de coragem
Deixo-te, a querer que esqueça.
Que um dia existi...

Senhora Morrison
30/05/2006

Foto de Dionisio Dinis

Um breve Não

Que não mais se cante
melodramas, angústias e desencontros do amor.
Que se não inculpe o amor,
com as incongruências e menoridades
de nós próprios.
Não façamos de inexpugnável forte
o amor,
ele que a ser vida ,
detêm a diamantina dureza e a clara
e imponderável subtileza da brisa.
Ele que a ser tudo
magnificanos na ascese almejada.
Não, não vulgarizem de todo,
não profanem por caprichos vãos,
palavra e sentido
do verbo amar.
Aceitemos, com a dor apropriada
a nossa simples incapacidade,
a nossa não idade do amor.
Cresceremos num dia ainda indefenido,
seremos maiores,
seremos capazes, e seremos fortes e
hospitaleiros hóspedes da plenitude do amor.
Vitoriosos humildes ou épicos derrotados do amor,
mas nunca vulgares artífices
da palavra e do sentir amor.

Foto de LEOANDRADE

Por que estamos distantes ? (Leonardo Andrade)

Não nascemos próximos geograficamente para aprendermos o verdadeiro sentido do amor, não aquele que nasce dos olhos através da sobreposição de imagens previamente aprovadas e validadas no inconsciente colectivo, uma mera consulta mecânica realizada em catálogos da moda e sim aquele amor de reencontro, de reunião de almas que jamais deveriam ter se separado pela absoluta incapacidade de viverem fracionadas.

Leonardo Andrade

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