Faz tanto tempo que não te vejo, tanto tempo que não me fazes rir com suas bobagens, sinto saudades do abraço apertado que me davas, quando eu chegava no portão, chamando teu nome.
Faz tempo que não vejo brotar um sorriso dos teus olhos...Hoje tão apagados, e tempos que não sei direito se você existiu de verdade ou se sonhei.
Eu soube o que te afliges a alma, soube que tudo ao seu redor gira como em um pesadelo constante. Sei cada lágrima que derramaste, nas tuas angústias que não ouso pronunciar através dessa carta, que espero, ainda te encontre gozando saúde.
Mas também sei que este não é você. Não podes ser o meu amigo, porque meu amigo não se afundaria nas drogas, não deixaria sua vida a mercê de um traficante qualquer, ou de uma overdose que o venha encontrar numa madrugada fria e gelada.
O meu amigo, aquele dos olhos azuis profundos, que tantos suspiros causava, este não se daria uma vida tão sem sentido e sem volta.
Ainda o vejo em sonhos, contando uma piada qualquer e rindo como a doçura de uma criança ou me abraçando e pedindo que eu nunca abandonasse o meu ideal.
Você não acha ironia? Meu amigo que mantinha mais sonhos no coração do que todos nós juntos, o mesmo que era movido a lutas e que não perdia nem para si mesmo.
Sinto falta desse amigo, sinto falta de deitar minha cabeça em seu colo e lhe confessar meus segredos, mais secretos.
Sinto falta de quando éramos apenas duas crianças a brincar de rodas e contar velhas cantigas de ninar.
Daria tudo para hoje ao invés de ver meu amigo com os olhos vermelhos, esfarrapado e cheirando a vinho vagabundo, ver o Médico que ele prometeu se tornar, pra um dia curar os doentes.
Daria tudo para evitar as dores a que foi submetido.
Mas me roubaram meu amigo de mim, alguma coisa sórdida o levou a outro mundo, outro espaço, onde ele não me enxerga, não me vê.
Um mundo onde ele não vive finge viver.