Cheiro

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Navegar (Leonardo Andrade)

Eu sempre soube que jamais deixaria de navegar.

O cais, qualquer cais, sempre foi e sempre será uma pausa, um breve momento de descanso, uma utopia presa pela tênue corda de uma âncora que jamais se fixará.


Não há como fugir do mar, de seus mistérios, de suas aventuras, de suas amplas e irrestritas possibilidades.
Não há como ignorar o eterno canto da sereia chamando, o ritmo imprevisível das ondas e os ciclos sem fim das marés.
O mar faz refluxo em meu sangue e transborda em minha alma.
O chamado é mais forte do que eu, não há como lutar.
Não nasci para viver ancorado, limitado e preso em amarras invisíveis , mas profundamente dolorosas, preciso do cheiro do mar, dos pingos d´agua no meu rosto, do vento nos meus cabelos e da imprevisibilidade das tempestades.
Não sei viver só de calmarias.
Não se despeça de mim, deixe as ondas me levarem e quem sabem um dia me trazem de volta.
Guarde esse ciclo com carinho, lembre de tudo que vivemos com amor e saiba que foi perfeito e delicioso, mas como tudo, teve seu tempo e agora é hora de partir.
Guardo seu cheiro, seu sorriso pós amor e o gosto agridoce de seus beijos cheios de desejo.
Prometo fazer uma tatuagem em sua memória e contar

Foto de quimnogueira

Queria ser o teu sonho...(Quim Nogueira)



... Em frente ao espelho da cómoda do teu quarto, sentada num banquinho forrado a tecido de cortinado vermelho, penteavas os teus cabelos, num ritual que funciona mesmo sem dares por isso...

... a escova passava ora uma, ora duas vezes, de cima para baixo e alisava os teus cabelos sedosos, cor de mel e de marfim... brilhavam no espelho e te revias momento a momento numa expectativa de mudança, o que não acontecia pois não podias ficar mais bela do que aquilo que já eras... a beleza em ti não residia nem morava ... era!...

... a tua camisa de noite, acetinada bege, de rendas sobre o peito alvo de seios firmes e redondos, deixava transparecer a cor da tua pele suave e doce ao olhar sem ser preciso tocar...

... a tua cama de lençóis de prata, aguardava o teu corpo numa ânsia lasciva de quem à noite, só, te espera num desespero de intocabilidade ... e tu, demoravas...

... da cómoda tiraste um frasquinho de perfume e te ungiste com ele o que provocou um agradável respirar a todos os móveis que te rodeavam ... e a tua cama, ansiava pela tua presença... e o teu corpo demorava a conceder-lhe esse desejo...

... levantaste-te de fronte do espelho e te miraste novamente de corpo inteiro e gostaste da tua imagem alva e bela naquele quarto iluminado pela tua presença ... olhaste de soslaio e ... sorriste ...
... sentaste-te na beira da cama e esta suspirou docemente perante a antevisão de que em breve te possuiria. Tiraste os teus pézinhos leves de dentro dos chinelos de cetim vermelho, levantaste um pouco o lençol e te entregaste total e lentamente ao prazer de estender do teu corpo e da entrega final ao teu leito...

... a tua cama nem sequer se mexeu ... aquietou-se para não te perturbar, para que não te arrependesses daquilo que acabaras de fazer, com medo que te levantasses e ela te voltasse a perder...

... a tua cama inspirou baixinho a fragrância do cheiro da tua pele e deixou-se ficar aguardando o teu próximo movimento...

... deitada de bruços te deixaste finalmente ficar e tua cabeça leve pousada de mansinho na almofada, arfava lentamente o teu respirar de prazer por mais uma noite de descanso... e de sonhos...
... teus olhos semicerrados viram a lâmpada acesa e teu braço se estendeu ao interruptor da mesinha de cabeceira para a desligar. Os teus movimentos eram propositadamente lentos para que o tempo demorasse ainda mais do que aquele que já existia...

... e a tua cama sentia... na obscuridade do teu quarto, teus olhos semicerrados olharam o tecto e se fixaram na sua alva cor que permitia uma réstia de luz no meio da escuridão...
... olhaste a janela e pelas frinchas da persiana, divisaste a luz cinzenta duma lua crescente ... avizinhava-se uma noite de lua cheia e teu corpo descansou por um momento... a tua cama então suspirou e te abraçou fortemente...

... em suas mãos te acabavas de entregar... e o sono chegou.... adormeceste...

... não sei mais o que se passou... a noite decorreu, teu corpo diversas vezes se moveu...
... a tua cama não se movia, com receio de te acordar; abraçava-te sempre para não te deixar fugir ... sentia-te sua e possuía-te num sonho imenso de impossibilidade, de impotência, de raiva, por não te conseguir ter tendo-te ali...

... tua mente adormecida, movia-se e sabia-se que sonhavas...
... a tua cama te tinha ... ali, indefesa, sozinha...
... sonhavas e eu aqui, nada mais te pedia ... nada mais desejava...
... queria apenas ser o teu sonho..

Quim Nogueira

Foto de quimnogueira

Poema à mulher (Quim Nogueira)



em prosa...

Os meus olhos pousam em ti e todos os meus sentidos te olham num delirar mútuo de atenção.
Vejo o teu corpo e deleito-me na tua alvura. Cheiro o teu cheiro e aspiro a tranquilidade da tua paz.
Ouço o teu respirar lento, como um lamento que não lamento.

As minhas mãos tocam os teus cabelos e envolvem-se neles.

Acerco-me de ti e te toco. Te sinto global e ali inteira frente a mim. Beijo a tua boca e tudo se torna como num festim de doces carícias e sabor a sal.

Estou inteiro no teu corpo inteiro e me sinto nele como sinto o teu corpo em mim. É apenas um abraço, um enlace de braços que apertam sem apertar, sentindo apenas o teu respirar.

Minhas mãos percorrem a tua pele acetinada linda.

Fecho os olhos procurando apenas sentir.

E sinto o desejo crescer em mim e o teu arfar sobe de tom.

Como é bom. br>
A minha boca se cola na tua boca e a minha língua se funde dentro dela como se da tua se tratasse. É apenas mais um enlace. Sinto o teu peito quente junto ao meu e beijo teus mamilos num acto de procura da loucura.

Loucura que me invade lentamente, premente ali presente ou então como se tudo mais estivesse ausente.

Meus braços te envolvem e se descobrem momento a momento como se fosse a primeira vez que no teu corpo se movem.

Sinto o cálido odor do teu corpo quente de amor, oferecendo-se como numa espécie de orgia sem pudor.

Minhas mãos tacteiam centímetro a centímetro toda a tua pele, todos os recantos de teus encantos e se encontram, de repente, sobre o teu ventre quente, dolente.

Afago tuas coxas e as tuas ancas e as aperto contra mim.

Procuro o teu sexo e o acaricio.

Beijo-te completamente num único beijo e me torno desejo do teu próprio desejo.

Te envolvo num abraço mais e te penetro.

És tu que me possuis. Não te tenho, és tu que me tens.

Movimentos doces se entrelaçam como se não fossemos dois mas um só. Os nossos corpos se fundem num arfar profundo de prazer e loucura. Já não sei o que sou, apenas em ti estou. Eu sou tu e tu és eu numa fusão de ser e estar.

Na verdade és tu que me possuis pois eu não te tenho, és tu que me tens pois em ti eu me dou.

Em ti me eternizo.

Quim Nogueira

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