Ceias

Foto de Luiz Islo Nantes Teixeira

SOMENTE OS TOLOS

SOMENTE OS TOLOS
(Luiz Islo Nantes Teixeira)
Somente os tolos comemoram a velhice
A companheira implacavel de seus primeiros anos
A mesma que te sauda no seu primeiro respirar
A mesma que te surpreende no seu primeiro olhar
E a mesma que testemunha seus primeiros desenganos

Somente os tolos comemoram a velhice
A verdade definitiva de todos seres humanos
A mesma que envelhece os rostos mais bonitos
A mesma que enfraquece os brutos, os mansos e os aflitos
Os mendigos , os ricos, os orgulhosos e os mundanos

Somente os tolos comemoram a velhice
E baten palmas e fazem as festas e fazem ceias
Para esta companheira que nao se importa um segundo
Que nao lhe da treguas em nenhum lugar do mundo
E te retribue com as rugas mais fundas e feias

Somente os tolos comemoram a velhice
Que todos temem e ao mesmo tempo cantam
A mesma que dobra os nossos joelhos
A mesma que reflete o que somos e seremos nos espelhos
Mas nao envelhece o amor dos que nos amam

Somente os tolos comemoram a velhice
A companheira implacavel que suga todas suas energias
Como suga das criancas, dos jovens ,dos adultos e dos velhos
Ate sugaram daqueles que viveram mais segundo os evangelhos
Porque numerados estao os nossos mais lindos dias
© 2010 Islo Nantes Music

Foto de Carmen Vervloet

OLHOS QUE VEEM, CORAÇÃO QUE SENTE

No meu coração, gravada em felicidade, a fazenda Três Meninas! O casarão caiado em branco, portas e janelas pintadas em ocre, a varandinha, como mamãe chamava, com jardineiras repletas de gerânios coloridos e camaradinhas que caiam até o chão. Em frente à casa, estonteante jardim, onde borboletas faziam seu ritual diário, beijando com amor a cada exuberante flor, cena que meu coração menino guardou para sempre. As cercas todas cobertas por buguenvílias num festival de cores. Em seguida ao jardim, o pomar com gigantescas fruteiras (olhos de criança, enxergam tudo maior), mangueiras, abacateiros, laranjeiras, goiabeiras e tantas outras que não se conseguiria enumerar, onde com a agilidade da idade subia, não só para colher e saborear os frutos maduros, mas, para ver de perto os ninhos de passarinhos, que papai com sua profunda sabedoria, já me ensinava a preservar. Passava horas sobre os galhos das minhas fruteiras prediletas, principalmente goiabeira, que era só minha, ficava ao lado do riacho, onde também costumava pescar. Lá do alto, no meu galho preferido, junto aos pássaros, voava em meus sonhos de criança feliz!
Nos meus devaneios, fui mãe (das minhas bonecas), fui anjo (nas coroações de Nossa Senhora), viajei pelo mundo (sempre que via um avião passar), fui menina-moça (sonhando o primeiro amor). Na vida real fui criança feliz, cercada pelo amor e carinho de minha doce mãe, de meu sensível e amigo pai (ah! Que saudade eu sinto de você, pai), de minhas duas irmãs mais velhas que faziam de mim sua boneca mais querida, colocando-me sobre uma pilha de travesseiros, num altar improvisado sobre a cama de meus pais, onde eu era o anjo, na coroação que faziam de Nossa Senhora. Nesta época eu tinha apenas dois anos e se o sono chegava, a cabecinha pendia para o lado, logo me acordavam, pois não podiam parar a importante brincadeira.
Já maior, menina destemida, levei carreira de vaca brava, só porque me embrenhei na pasto, reduto das vacas com suas crias, para colher deliciosa jaca, que degustara com o prazer dos glutões. O cheiro da jaca sempre me reporta às boas lembranças da Fazenda Três Meninas... Até hoje tenho uma pequena cicatriz na perna, que preservo com carinho, sinal de uma infância livre e feliz. Desci morros em folhas de coqueiros, cavalguei cavalos bravos, pesquei com peneira em rio caudaloso! Ah! Tempo bom que não volta mais!...
Mês de dezembro. Tempo de expectativas e alegrias. Logo no começo era a espera do meu aniversário, da minha festa, do vestido novo, do meu presente, o bolo, a mesa de doces com os deliciosos quindins feitos por mamãe. Depois a expectativa do Natal, a escolha do pinheiro, do lugar estratégico para montar a imensa árvore, os enfeites coloridos, estrelas, anjinhos, bolas que eu ajudava mamãe a pendurar, um a um, com delicadeza e carinho, junto à certeza da chegada do bom velhinho, em quem eu acreditava piamente, com todos os presentes que havia pedido por carta que mamãe me ajudava a escrever. O envelope subscritado com os dizeres: Para Papai Noel – Céu
E depois era esperar a chegada do grande dia. Era o coração batendo em ansiedade, era a aflição de ser merecedora ou não da atenção do bom velhinho. Quando chegava o dia 24, sentia o tempo lento, as horas se arrastando, o sapatinho, o mais novo, sob a árvore, desde muito cedo, o coração batendo acelerado. Mal anoitecia, já deixava a porta entreaberta para a entrada de Papai Noel e corria para minha cama tentando dormir, sempre abraçada a minha boneca preferida, para acalmar as batidas do meu coração. O ouvido apurado para tentar ouvir qualquer ruído diferente. Era sempre uma noite muito, muito longa! Os olhos bem abertos até que o cansaço e o sono me venciam!
No dia seguinte, cedo pulava da cama. Que grande felicidade, todos os meus presentes lá estavam sob a árvore. Era uma festa só! Espalhava os presentes pela casa toda, na vitrola disco LP tocando canções natalinas, função de papai que adorava música... (Ah! Papai quanta coisa boa aprendi com você). Lembro-me bem de um fogãozinho, panelinhas, pratos, talheres que levei logo para o meu cantinho, onde brincava de casinha. Lembro-me também de uma boneca bebê e seu berço que conservei por muitos e muitos anos.
Todas essas lembranças continuam vivas dentro de mim, como se o tempo realmente tivesse parado nestes momentos de paz e felicidade. Os almoços natalinos na casa de meus avós paternos onde toda a imensa família se reunia em torno de uma enorme mesa. Vovô na cabeceira, vovó sentada a sua direita, tios, tias, primos e mais presentes para as crianças, comidas deliciosas, sobremesas dos deuses, bons vinhos que eu via os adultos degustarem, (depois do almoço, escondida de todos, eu ia bebericando o restinho de cada copo), arranjos de frutas colhidas no pomar, flores por toda a casa e depois minhas tias revezando-se ao piano, já na sala de visita, onde os adultos tomavam cafezinho e licores. A criançada correndo pelo quintal, pelo jardim, pelo pomar... Tantos momentos felizes incontáveis como as estrelas do firmamento! Momentos que eternizei no meu coração.
Hoje o tempo é outro, a vida está diferente. Muitos se foram... Outros chegaram... Os espaços estão reduzidos, as moradias se verticalizaram, as janelas têm grades por causa da violência, as crianças já não acreditam em Papai Noel, desapareceu o espírito cristão do Natal para dar lugar a sua comercialização, as ceias tomaram o lugar dos grandes almoços em família, da missa do galo...
Mas a vida é dinâmica e temos que acompanhá-la. Os grandes encontros de família são raros. As famílias foram loteadas, junto aos espaços, junto a outras famílias, junto à necessidade de subsistência.
Nada mais é como antes, mas mesmo assim continuamos comemorando o nascimento do Menino Deus, em outros padrões é verdade, mas com o mesmo desejo de que haja paz, comida e felicidade em todos os lares.
Feliz daquele que tem tatuado nas entranhas da alma os venturosos natais de outrora vistos por olhos que vêem, olhos atentos de criança, sentidos com a pureza do coração!
Olhos da alma, sentimentos eternizados!...

Carmen Vervloet
Vitória, 23/12/2008
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À AUTORA

Foto de Sirlei Passolongo

O Natal Passou na Favela

Na favela
corre o menino
rumo ao lixão
do terreno baldio
pra tentar encher
o estômago vazio.
O natal passou
e nada foi diferente
não teve coca-cola
muito menos
algum presente.

O natal
passou por ele
mas não teve ceia
não teve paz
teve bala perdida
fome e dor
não teve Papai Noel
nem abraços
cheios de amor
apenas sonhos
jogados ao léu
Seu tênis furou a sola
e sua ceia foi a cola
pra manter
a fome ausente.

Mas nas casas
dos políticos
que dele
prometeram cuidar
teve champanhe
importada
e nobres frutos
do mar
Ceias milionárias
regadas por caros
petiscos
À custa do sofrimento
dos meninos aflitos.

(Sirlei L. Passolongo)

Direitos Reservados a Autora

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Foto de Maria Goreti

Obrigada, Senhor!

Obrigada, Senhor!

Eu não sinto as dores dos que sofrem,
Mas sofro por suas dores.
Eu não sinto a alegria dos que festejam,
Mas fico feliz em saber que podem festejar.
Eu não posso gastar com presentes caros e fartas ceias,
Mas posso doar um sorriso, um abraço, uma palavra de conforto...
Comer feijão com arroz e repartir um pedaço de pão com quem tem menos que eu.
Posso nutrir-me da energia positiva que paira no ar nesta época de Natal.
Eu não tenho o direito de criticar quem teve a sorte de ter mais do que eu.
Mas eu tenho o dever de dizer:
Sou feliz com o que Deus me deu!

Obrigada Senhor,
Por fazer-me entender que eu não posso ter tudo o que quero,
Mas que o que tenho me foi dado por Vós.

©Maria Goreti Rocha
Vila Velha/ES - 22/12/07

Feliz Natal e Próspero Ano Novo!

Beijos,
M. Goreti

Foto de Patrícia

Autópsia do Amor (Gomes Leal)

O Amor - essa paixão romanesca e fagueira -

que os vates têm cantado em bemol comovido,

é, na forma, uma coisa assaz brusca e grosseira,

como o assalto da fera e o ataque do bandido.


Tal e qual como o lobo assalta uma cordeira,

a empolga e lhe crava o colmilho atrevido,

assim ataca o Amor. - São da mesma maneira

o Espasmo, a Fúria, o Uivo, o Estertor, o Rugido.

Nas contorsões do Cio e os seus enlaçamentos,

há o ardor da Serpente, a enroscar-se nas preias,

e a estrangular o touro enorme e mugidor.

E quer cheire ao sertão, ou da Lais aos ungentos,

Nos rosais, num covil, ou de Nero nas ceias,

-são sempre os mesmos ais, o Pranto, o Espasmo, a Dor.

Gomes Leal (1848 - 1921)

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