Calendário

Foto de carmenpoeta

Chegada

Chegaste…
num dia qualquer
de uma certa estação…
Sem aviso, sequer,
nenhuma empolgação,
como quem chega sem querer,
dissimulando o querer ficar…
Como um bem maior, um privilégio,
presença indispensável, sortilégio,
burlando o fuso horário,
mudando o calendário,
o itinerário, a hora , o fadário,
senhor absoluto do tempo.

Chegaste…
Surpreendendo a manhã
ao entregar o cetro para a tarde,
revelando sombras em vertical
de pessoas vagando sob o sol,
rito costumeiro e pontual
anunciando o meio-dia,
do dia em que escolheste pra chegar.
Entremeio de manhã e tarde,
das entrelinhas para o baluarte,
da surdina ao gesto de alarde,
na expectativa de espreitar a beleza,
roubar tons em gradação,
cores em formação
no momento exato do impacto
causado pelo sol tingindo o céu
e logo se perder no horizonte.

Foste…
Junto com as cores do arrebol
morrer também atrás dos montes,
renascer, talvez, um novo sol
a irromper no amanhã,
com a manhã de cada dia.

(Carmen Lúcia)

Foto de Rosamares da Maia

Não há tempo

Não há tempo

Não, não há tempo,
O tempo das esperas acabou,
Temos pressa, muita pressa.
O tempo de viver é volátil.
Construímos um novo calendário,
Alteramos o nosso relógio biológico.
Modificamos o cenário.
As flores da primavera florescem no outono.
Realidades de rotas alteradas, inacabadas,
Não importa, não há tempo para o perfeito.
Não queremos pensar,
Queremos soluções prontas, sem dor.
Queremos fetiche e paixão – não amor.
É tempo demais pra construir.
Queremos nos gastar, consumir e sumir.
Satisfazer ansiedades, sem nada assumir.
Não necessitamos de relações de qualidade.
É tempo de marés e modas, pirotecnia.
Fugas planejadas da realidade,
Das promessas mágicas dos ilusionistas.
De oferecer tudo num piscar de olhos.
Num segundo vender tudo barato.
A Humanidade barateou o seu custo,
Vivemos a lei do mercado – oferta,
Mesmo sem procura - vida e loucura.
E num gole profano afoga-se o humano,
Over dose inconsistente de gente
Gente pra que?
Se não há o tempo de Ser.

Foto de So_fia_So

TU

QUEM ME DIZ AMOTE JUNTINHO
PARA TRANSMITIR MAIOR CARINHO,
DAR FORÇA AO QUE SENTE,
NÃO QUERER ENTRE NÓS NADA
NEM NINGUÉM.

COMO?

SE ESTOU SÓ ENTRE QUATRO PAREDES,
QUE NÃO VÊM NEM ESCUTAM UMA LÁGRIMA
DE SAUDADE.
PORQUE VIVO UMA ILUSÃO,
AUMENTADA POR QUEM SE DIZ MEU
E QUE ME ENTREGA A SUA VIDA
QUE SÓ OIÇO A VOZ.

O CORPO, O AMOR QUE DIZ
SÓ MO DÁ QUANDO PODE.
A DISTÂNCIA É DESCULPA.
O AMOR PROIBIDO.
E EMBORA SINTA QUE
LHE SOU MUITO,
ALGO PERMANECE
VAZIO EM MIM.

FAZ-SE O AMOR.
SINCERO PARECE.
TUDO PARECE SABER
E SENTIR DE MIM.
DÁ-SE EM CADA
GESTO.
ENTREGA-SE NO CORPO
E NA ALMA.

MAS, DEUS,
PERDOA-ME,
PORQUE
NÃO CONSIGO
SENTI-LO MEU
COMO O SOL
SENTE A PRIMAVERA?

TALVEZ PORQUE
ELE SÓ VENHA
QUANDO O RIO GELA.
É UM RITUAL
ESTRANHO PARA
QUEM DIZ QUE AMA,
E NÃO SE ENTREGA
POR INTEIRO,
VIVE DUAS VIDAS,
COMO SE ISSO
FOSSE PERFEITO.

E, DE FACTO, É UM SONHO
FEITO REALIDADE,
TER UMA VIDA SAUDÁVEL
E UM AMOR INTEIRO
QUE NÃO EXIGE
E SE DÁ SEM
QUERER OLHAR
O QUE É VERDADEIRO.

DÁ VONTADE DE FUGIR.
DÁ VONTADE DE FICAR.
NUNCA MAIS PARTIR.
PORQUE ME PARECE
(TALVEZ ME ENGANEM)
QUE É AMOR DE VERDADE.
MAS ESSE EGOÍSMO
DE QUERER TER-ME
E A TUDO O RESTO,
FAZ-ME SENTIR
UM RESTO, UM PEDAÇO DE NADA,
QUE É USADO
EM DETERMINADOS DIAS
DO CALENDÁRIO,
QUANDO ESTÁ MENOS FRIO
OU MENOS CALOR.
QUANDO APETECE MAIS O SEXO
OU A FALTA DE AMOR
DEIXA O SEU AMARGOR.

SERÁ QUE SABEREI O QUE ESTOU A DIZER?
SI, PORQUE O SINTO.
JÁ PAREI DE ME REBELAR.
PORQUE PRECISO DE AMAR
E SER AMADA,
NEM QUE SEJA
À SEMANADA.
É QUANDO LHE CALHA.

E EU QUE SOU TÃO EXIGENTE,
TÃO REBELDE,
JÁ NÃO DIGO NADA.
ELE LEVA-ME NOS BRAÇOS,
AMA-ME LOUCAMENTE,
TODOS OS DIAS ME
FAZ VERSOS.
TODOS OS DIAS
JURA QUE ME AMA
E QUE A VIDA DELE
ESTÁ NAS MINHAS MÃOS.

E LÁ VOU AMANDO,
MAIS E MAIS.
SEI PORÉM
QUE NÃO SOU FELIZ.
SE SOU DELE
E LHE CORRO NAS VEIAS
PORQUE NÃO
PARTILHAR AS NOSSAS VIDAS
TODOS OS DIAS?!

SEI MAS FECHO OS OLHOS.
DISTANCIO-ME MAS NÃO ESQUEÇO.
SERÁ ISTO AMOR?

SEM QUE POR MAIS FORTE
QUE O SINTA,
A RESPOSTA É SÓ UMA.

NEM ME ATREVO A ESCREVÊ-LA
DE TANTO SABÊ-LA.

Foto de Hirlana

Mais um dia

Mais um dia acordo
Sem você ao meu lado
Mais um dia
E eu estou um trapo
Sem você aqui
Tudo parece não ter sentido´
Só mais um dia contado no calendário
E mais um folha em branco no meu diário

Fotos e recordações
Quadros, poemas, canções
Cartões de amor, cartas com mil declarações
Um violão, um verso...
Meu amor
Eu confesso
A cada dia que o Sol nasce
E não tenho noticias suas
É como se o tempo fechasse
Nuvens carregadas no céu
E na boca um gosto amargo de fel

Noites frias e solitárias
Sonho com tua chegada
A passos largos se aproxima
Coloca a mão no meu queixo e diz:
Menina, deixa de bobagem!
O tempo passou,
mas esqueça essa contagem
Vamos viver novamente nosso amor

Sonhos que não saem da memória
Momentos que não se apagam da nossa história
Anos jogados fóra...
Não.
Não quero pensar que esse amor foi em vão
Quero foi embora paralelo ao tempo
Quero sim viver cada momento
Eu te quero de volta
Bate por favor
Novamente à minha porta
Me liga, me dá um sinal
De que nossa história não teve ainda um ponto final
Jura que ainda me ama
Me abraça forte
E me beija afinal

Quero mais um dia ao teu lado
Quero a minha vida compartilhar
Quero contigo acordar
Quero ir para longe,
ou para perto
me condene
me jogue ao deserto
mas não antes de viver
mais um dia
apenas um dia
esse amor.

Foto de Arnault L. D.

Mas uma coisa não mudou

Era um menino quando viu o amor.
Naquele rosto, alegre, de infância.
Não sabia de nada do que sentia.
Primavera então: O mundo em flor...
Todos os lugares, erros de inocência,
enquanto a rosa do tempo eclodia.

Era adolescente quando viu o amor.
Nos traços e curvas firmes, jovens...
Achava saber tudo e tudo podia.
Verão: O sol a queimar em ardor...
Todos os lugares, metas, e nuvens,
enquanto a flor da pele se abria.

Era adulto quando viu o amor.
Face matemática de realidade.
O mundo inteiro, um pouco diminuía.
Outono: frutos a tomar o lugar da flor.
Os lugares, opções e responsabilidade,
enquanto as verdes folhas desprendia.

Era velho quando viu o amor.
Sua cara, pelo tempo macerada.
Sábio, em saber menos que achava...
Inverno: O frio, o dormir, o torpor...
Os lugares, distantes; sol, fruta e florada,
enquanto seu calendário completava...

Foto de fisko

Deixa lá...

Naquele fim de tarde éramos eu e tu, personagens centrais de um embrulho 8mm desconfiados das suas cenas finais… abraçados ao relento de um pôr-do-sol às 17:00h, frio e repleto de timidez que se desvanece como que um fumo de um cigarro. Eu tinha ido recarregar um vício de bolso, o mesmo que me unia, a cada dia, à tua presença transparente e omnipotente por me saudares dia e noite, por daquela forma prestares cuidados pontuais, como mais ninguém, porque ninguém se importara com a falta da minha presença como tu. Ainda me lembro da roupa que usara na altura: o cachecol ainda o uso por vezes; a camisola ofereci-a à minha irmã – olha, ainda anteontem, dia 20, usou-a e eu recordei até o cheiro do teu cabelo naquela pequena lembrança – lembro-me até do calçado: sapatilhas brancas largas, daquelas que servem pouco para jogar à bola; as calças, dei-as entretanto no meio da nossa história, a um instituto qualquer de caridade por já não me servirem, já no fim do nosso primeiro round. E olha, foi assim que começou e eu lembro-me.
Estava eu na aula de geometria, já mais recentemente, e, mais uma vez, agarrei aquele vício de bolso que nos unia em presenças transparentes; olhei e tinha uma mensagem: “Amor, saí da aula. Vou ao centro comercial trocar umas coisas e depois apanho o autocarro para tua casa”. Faço agora um fast forward à memória e vejo-me a chegar a casa… estavas já tu a caminho e eu, entretanto, agarrei a fome e dei-lhe um prato de massa com carne, aquecido no micro-ondas por pouco tempo… tu chegas, abraças-me e beijas-me a face e os lábios. Usufruo de mais um genial fast forward para chegar ao quarto. “Olha vês, fui eu que pintei” e contemplavas o azul das paredes de marfim da minha morada. Usaste uma camisola roxa, com um lenço castanho e um casaco de lã quentinho, castanho claro. O soutien era preto, com linhas demarcadas pretas, sem qualquer ornamento complexo, justamente preto e só isso, embalando os teus seios únicos e macios, janela de um prazer que se sentia até nas pontas dos pés, máquina de movimento que me acompanhou por dois anos.
Acordas sempre com uma fome de mundo, com doses repentinas de libido masculino, vingando-te no pequeno-almoço, dilacerando pedaços de pão com manteiga e café. Lembro-me que me irrita a tua boa disposição matinal, enquanto eu, do outro lado do concelho, rasgo-me apenas mais um bocado de mim próprio por não ser mais treta nenhuma, por já não me colocares do outro lado da balança do teu ser. A tua refeição, colorida e delicada… enquanto me voltavas a chatear pela merda do colesterol, abrindo mãos ao chocolate que guardas na gaveta da cozinha, colocando a compota de morango nas torradas do lanche, bebendo sumos plásticos em conversas igualmente plásticas sobre planos para a noite de sexta-feira. E eu ali, sentado no sofá da sala, perdendo tempo a ver filmes estúpidos e sem nexo nenhum enquanto tu, com frases repetidas na cabeça como “amor, gosto muito de ti e quero-te aos Domingos” – “amor, dá-me a tua vida sempre” – “amor, não dá mais porque não consigo mais pôr-te na minha vida” e nada isto te tirar o sono a meio da noite, como a mim. Enquanto estudo para os exames da faculdade num qualquer café da avenida, constantemente mais importado em ver se apareces do que propriamente com o estudo, acomodas-te a um rapaz diferente, a um rapaz que não eu, a um rapaz repentino e quase em fase mixada de pessoas entre eu, tu e ele. Que raio…

Naquela noite, depois dos nossos corpos se saciarem, depois de toda a loucura de um sentimento exposto em duas horas de prazer, pediste-me para ficar ali a vida toda.

Passei o resto da noite a magicar entre ter-te e perder-te novamente, dois pratos de uma balança que tende ceder para o lado que menos desejo.
É forte demais tudo isto para se comover e, logo peguei numa folha de papel, seria nesta onde me iria despedir. Sem força, sem coragem, com todas aquelas coisas do politicamente correcto e clichés e envergaduras, sem vergonha, com plano de fundo todos os “não tarda vais encontrar uma pessoa que te faça feliz, vais ver”, “mereces mais que uma carcaça velha” e até mesmo um “não és tu, sou eu”… as razões eram todas e nenhuma. Já fui, em tempos, pragmático com estas coisas. Tu é que és mais “há que desaparecer, não arrastar”, “sofre-se o que tem que se sofrer e passa-se para outra”. Não se gosta por obrigação, amor…
Arranquei a tampa da caneta de tinta azul, mal sabia que iria tempos depois arrancar o que sinto por ti, sem qualquer medo nem enredo, tornar-me-ia mais homem justo à merda que o mundo me tem dado. Aliás, ao que o teu mundo me tem dado… ligo a máquina do café gostoso e barato, tiro um café e sento-o ao meu lado, por cima da mesa que aguentava o peso das palavras que eu ia explodindo numa página em branco. Vou escrevendo o teu nome... quão me arrepia escrever o teu nome, pintura em palavras de uma paisagem mista, ora tristonha, ora humorística… O fôlego vai-se perdendo aos poucos ornamentos que vou dando á folha… Hesitação? Dúvidas?... e logo consigo louvar-me de letras justapostas, precisamente justas ao fado que quiseste assumir à nossa história. Estou tão acarinhado pela folha, agora rabiscada e inútil a qualquer Fernando Pessoa, que quase deambulo, acompanhando apenas a existência do meu tempo e do tic-tac do meu relógio de pulso. Não me esqueço dos “caramba amor”, verso mais sublime a um expulsar más vibrações causadas por ti. Lembro-me do jardim onde trocávamos corpos celestes, carícias, toques pessoais e lhes atribuíamos o nome “prazer/amor”. Estou confuso e longe do mundo, fechando-me apenas na folha rabiscada com uma frase marcante no começo “Querida XXXXXX,”… e abraço agora o café, já frio, e bebo-o e sinto-o alterar-me estados interiores. Lembro-me de um “NÃO!” a caminho da tijoleira, onde a chávena já estaria estilhaçada…
Levantei-me algum tempo depois. Foste tu que me encontraste ali espatifado, a contemplar o tecto que não pintei, contemplando-o de olhos cintilantes… na carta que ainda estava por cima da mesa leste:

“Querida XXXXXX, tens sido o melhor que alguma vez tive. Os tempos que passamos juntos são os que etiqueto “úteis”, por sentir que não dou valor ao que tenho quando partes. Nunca consegui viver para ninguém senão para ti. Todas as outras são desnecessárias, produtos escusados e de nenhum interesse. Ainda quero mesmo que me abraces aos Domingos, dias úteis, feriados e dias inventados no nosso calendário. M…”

Quis o meu fado que aquele "M" permanecesse isolado, sem o "as" que o completaria... e quis uma coincidência que o dia seguinte fosse 24 de Março... e eis como uma carta de despedida, que sem o "Mas", se transformou ali, para mim e para sempre, numa carta precisamente um mês após me teres sacrificado todo aquele sentimento nosso.
Ela nunca me esqueceu... não voltou a namorar como fizemos... e ainda hoje, quando ouço os seus passos aproximarem-se do meu eterno palácio de papel onde me vem chorar, ainda que morto, o meu coração sangra de dor...

Foto de fisko

Deixa lá...

Naquele fim de tarde éramos eu e tu, personagens centrais de um embrulho 8mm desconfiados das suas cenas finais… abraçados ao relento de um pôr-do-sol às 17:00h, frio e repleto de timidez que se desvanece como que um fumo de um cigarro. Eu tinha ido carregar um vício de bolso, o mesmo que me unia, a cada dia, à tua presença transparente e omnipotente por me saudares dia e noite, por daquela forma prestares cuidados pontuais, como mais ninguém, porque ninguém se importara com a falta da minha presença como tu. Ainda me lembro da roupa que usara na altura: o cachecol ainda o uso por vezes; a camisola ofereci-a à minha irmã – olha, ainda anteontem, dia 20, usou-a e eu recordei até o cheiro do teu cabelo naquela pequena lembrança – lembro-me até do calçado: sapatilhas brancas largas, daquelas que servem pouco para jogar à bola; as calças, dei-as entretanto no meio da nossa história, a um instituto qualquer de caridade por já não me servirem, já no fim do nosso primeiro round. E olha, foi assim que começou e eu lembro-me.
Estava eu na aula de geometria, já mais recentemente, e, mais uma vez, agarrei aquele vício de bolso que nos unia em presenças transparentes; olhei e tinha uma mensagem: “Amor, saí da aula. Vou ao centro comercial trocar umas coisas e depois apanho o autocarro para tua casa”. Faço agora um fast forward à memória e vejo-me a chegar a casa… estavas já tu a caminho e eu, entretanto, agarrei a fome e dei-lhe um prato de massa com carne, aquecido no micro-ondas por pouco tempo… tu chegas, abraças-me e beijas-me a face e os lábios. Usufruo de mais um genial fast forward para chegar ao quarto. “Olha vês, fui eu que pintei” e contemplavas o azul das paredes de marfim da minha morada. Usaste uma camisola roxa, com um lenço castanho e um casaco de lã quentinho, castanho claro. O soutien era preto, com linhas demarcadas pretas, sem qualquer ornamento complexo, justamente preto e só isso, embalando os teus seios únicos e macios, janela de um prazer que se sentia até nas pontas dos pés, máquina de movimento que me acompanhou por dois anos.
Acordas sempre com uma fome de mundo, com doses repentinas de libido masculino, vingando-te no pequeno-almoço, dilacerando pedaços de pão com manteiga e café. Lembro-me que me irrita a tua boa disposição matinal, enquanto eu, do outro lado do concelho, rasgo-me apenas mais um bocado de mim próprio por não ser mais treta nenhuma, por já não me colocares do outro lado da balança do teu ser. A tua refeição, colorida e delicada… enquanto me voltavas a chatear pela merda do colesterol, abrindo mãos ao chocolate que guardas na gaveta da cozinha, colocando a compota de morango nas torradas do lanche, bebendo sumos plásticos em conversas igualmente plásticas sobre planos para a noite de sexta-feira. E eu ali, sentado no sofá da sala, perdendo tempo a ver filmes estúpidos e sem nexo nenhum enquanto tu, com frases repetidas na cabeça como “amor, gosto muito de ti e quero-te aos Domingos” – “amor, dá-me a tua vida sempre” – “amor, não dá mais porque não consigo mais pôr-te na minha vida” e nada isto te tirar o sono a meio da noite, como a mim. Enquanto estudo para os exames da faculdade num qualquer café da avenida, constantemente mais importado em ver se apareces do que propriamente com o estudo, acomodas-te a um rapaz diferente, a um rapaz que não eu, a um rapaz repentino e quase em fase mixada de pessoas entre eu, tu e ele. Que raio…

Naquela noite, depois dos nossos corpos se saciarem, depois de toda a loucura de um sentimento exposto em duas horas de prazer, pediste-me para ficar ali a vida toda.

Passei o resto da noite a magicar entre ter-te e perder-te novamente, dois pratos de uma balança que tende ceder para o lado que menos desejo.
É forte demais tudo isto para se comover e, logo peguei numa folha de papel, seria esta, onde me iria despedir. Sem força, sem coragem, com todas aquelas coisas do politicamente correcto e clichés e envergaduras, sem vergonha, com plano de fundo todos os “não tarda vais encontrar uma pessoa que te faça feliz, vais ver”, “mereces mais que uma carcaça velha” e até mesmo um “não és tu, sou eu”… as razões eram todas e nenhuma. Já fui, em tempos, pragmático com estas coisas. Tu é que és mais “há que desaparecer, não arrastar”, “sofre-se o que tem que se sofrer e passa-se para outra”. Não se gosta por obrigação, amor…
Arranquei a tampa da caneta de tinta azul, mal sabia que iria tempos depois arrancar o que sinto por ti, sem qualquer medo nem enredo, tornar-me-ia mais homem justo à merda que o mundo me tem dado. Aliás, ao que o teu mundo me tem dado… ligo a máquina do café gostoso e barato, tiro um café e sento-o ao meu lado, por cima da mesa que aguentava o peso das palavras que eu ia explodindo numa página em branco. Vou escrevendo o teu nome... quão me arrepia escrever o teu nome, pintura em palavras de uma paisagem mista, ora tristonha, ora humorística… O fôlego vai-se perdendo aos poucos ornamentos que vou dando á folha… Hesitação? Dúvidas?... e logo consigo louvar-me de letras justapostas, precisamente justas ao fado que quiseste assumir à nossa história. Estou tão acarinhado pela folha, agora rabiscada e inútil a qualquer Fernando Pessoa, que quase deambulo, acompanhando apenas a existência do meu tempo e do tic-tac do meu relógio de pulso. Não me esqueço dos “caramba amor”, verso mais sublime a um expulsar más vibrações causadas por ti. Lembro-me do jardim onde trocávamos corpos celestes, carícias, toques pessoais e lhes atribuíamos o nome “prazer/amor”. Estou confuso e longe do mundo, fechando-me apenas na folha rabiscada com uma frase marcante no começo “Querida XXXXXX,”… e abraço agora o café, já frio, e bebo-o e sinto-o alterar-me estados interiores. Lembro-me de um “NÃO!” a caminho da tijoleira, onde a chávena já estaria estilhaçada…
Levantei-me algum tempo depois. Foste tu que me encontraste ali espatifado, a contemplar o tecto que não pintei, contemplando-o de olhos cintilantes… na carta que ainda estava por cima da mesa leste:

“Querida XXXXXX, tens sido o melhor que alguma vez tive. Os tempos que passamos juntos são os que etiqueto “úteis”, por sentir que não dou valor ao que tenho quando partes. Nunca consegui viver para ninguém senão para ti. Todas as outras são desnecessárias, produtos escusados e de nenhum interesse. Ainda quero mesmo que me abraces aos Domingos, dias úteis, feriados e dias inventados no nosso calendário. M…”

Quis o meu fado que aquele "M" permanecesse isolado, sem o "as" que o completaria... e quis uma coincidência que o dia seguinte fosse 24 de Março... e eis como uma carta de despedida, que sem o "Mas", se transformou ali, para mim e para sempre, numa carta precisamente um mês após me teres sacrificado todo aquele sentimento nosso.
Ela nunca me esqueceu... não voltou a namorar como fizemos... e ainda hoje, quando ouço os seus passos aproximarem-se do meu eterno palácio de papel onde me vem chorar, ainda que morto, o meu coração sangra de dor...



Foto de Arnault L. D.

1° de Março

Seria uma data qualquer
se, sua ela não fosse.
É o motivo dela ser especial.
Nas primeiras horas do alvorecer,
trará a ele razão, mais doce,
bem mais que a outro dia banal

Porque neste, você nasceu...
Um presente aos que a rodeiam.
Um mimo, alguem para se amar...
E assim... você aconteceu.
Naquele momento, de repente,
ao vir à luz, veio a iluminar.

Um álibi a cada ano tenho
para lhe cobrir de carinho.
Espero esta data ao calendário.
E hoje, que ela chegou, venho,
com o coração e um versinho,
para dizer: Feliz aniversário!

Foto de Arnault L. D.

7° Concurso literário ( As faces do amor ) Mas uma coisa não mudou

Era um menino quando viu o amor.
Naquele rosto, alegre, de infância.
Não sabia de nada do que sentia.
Primavera então: O mundo em flor...
Todos os lugares, erros de inocência,
enquanto a rosa do tempo eclodia.

Era adolescente quando viu o amor.
Nos traços e curvas firmes, jovens...
Achava saber tudo e tudo podia.
Verão: O sol a queimar em ardor...
Todos os lugares, metas, e nuvens,
enquanto a flor da pele se abria.

Era adulto quando viu o amor.
Face matemática de realidade.
O mundo inteiro, um pouco diminuía.
Outono: frutos a tomar o lugar da flor.
Os lugares, opções e responsabilidade,
enquanto as verdes folhas desprendia.

Era velho quando viu o amor.
Sua cara, pelo tempo macerada.
Sábio, em saber menos que achava...
Inverno: O frio, o dormir, o torpor...
Os lugares, distantes; sol, fruta e florada,
enquanto seu calendário completava...

Foto de SuzannaPetriMartins

Feliz Ano Novo!

É o Natal passou e agora estamos à espera da chegada do Ano Novo. Essa semana é a do arrependimento e da culpa. Uns por ter bebido demais, outros por ter comido demais e a maioria por ter gastado demais. Ah! Mas e daí? Dão uma de Scarlet O’Hara e “Amanhã eu penso nisso”, afinal de contas é fim de ano.
Por falar nisso, as listas de decisões de Ano Novo estão todas a postos. A do fumante, a do que come compulsivamente, do que odeia exercicios físicos, o que gasta dinheiro compulsivamente, o workaholic, o quarentão sem vergonha, a depressiva e por aí vai. Então as listas são assim: Parar de fumar, emagrecer, fazer exercícios, economizar, tirar férias, ignorar a vizinha gostosa de quinze aninhos que vive dando bola para ele, parar de chorar à toa e procurar ajuda e começar a fazer terapia... Bem tem de tudo.
As pessoas se esquecem de duas coisas: O Ano Novo não é nada mais que uma mudança de mais um dia comum no calendário. E a decisão fica tipo, segunda-feira eu começo, e a segunda é que as pessoas não mudam só porque a numeração do ano vai aumentar.
É preciso uma força de vontade ferrenha para mudar os nossos princípios básicos e sairmos da nossa zona de conforto. Principalmente no fim do ano, que estamos cansados querendo férias de tudo e a nossa força de vontade está tão fraca.
Segundo Mark Twain “A gente não se liberta de um hábito atirando-o pela janela: é preciso fazê-lo descer a escada, degrau por degrau”.
Então vamos deixar as decisões para quando realmente estivermos prontos para começar a descer as escadas.

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