Cabeça

Foto de Edson Milton Ribeiro Paes

"BOLETIM DE OCORRÊNCIA"

“BOLETIM DE OCORRÊNCIA”

Seu guarda...
Por favor, prenda esta mulher...
Atende pelo nome de meu amor...
Mas pode chamar de um nome qualquer!!!

Que crime cometeu???
Vários, entrou na minha cabeça...
Chama-me de amor meu...
Chegou sem pedir licença...
Ainda não sei bem o que aconteceu!!!

Roubou os meus momentos...
Encheu-me de vaidades...
Aguçou meus sentimentos...
E tirou minha liberdade!!!

Mudou toda minha casa...
Até colocou cortina...
Não tenho mais tempo pra nada...
Essa mulher me alucina!!!

Nem eu mais me conheço...
Pareço até um alienado...
O que ela faz não tem preço...
Deixou-me apaixonado!!!

Acorda bem cedinho...
E antes que me levante...
Já vem com o café quentinho...
Essa mulher é um gigante!!!

Seu guarda...
Acho que já fiquei mal acostumado...
Por favor, prenda esta princesa...
Mas prenda-a em meu coração...
Eu reconheço sua realeza!!!

Foto de diana sad

* o que está por vim*

Mesmas louças e mesmas manias bobas
O casamento juntou as pessoas e dividiu os corações.
Na sala o futebol toma de conta
Ela olha pela janela e lembra do tempo que era criança
E suas crianças brincam de conhecer o perigo.
Depois uma pia lotada de divertimento esse é seu domingo de folga.
Ouvindo as arengas do marido.
E uma sogra detestável querendo ser mulher do filho
E assim se vai mais um final de semana.

A vida muda e tudo vira de cabeça pra baixo
E a única certeza que nos acompanhará é a do que aconteceu.
O que está por vim são apenas palavras soltas um som
Desconhecido se propagando.

E os filhos não vêem dos próprios pais
O primeiro sinal de amor e nem lembraram por que nunca tiveram nada pra esquecer.

Entendendo que a felicidade só se vale no momento em que se vivi e que o depois é tudo o que não temos nas mãos.
Tem que pensar se vale continuar pra proteger o que não tem proteção.

Foto de Cecília Santos

CALEIDOSCÓPIO

CALEIDOSCÓPIO
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Quando me separei de você.
Senti minha vida morrer lentamente.
Consumida por uma dor atroz.
Tentei agarrar a salvação.
Pra mim... pra nós!
Mas foi tudo em vão.
Um redemoinho, me arrancou do
chão e me atirou na escuridão
Girando, girando, como um peão.
Como folhas secas espalhadas
pelo chão sem vida.
Fiquei sem direção...
Fiquei na contra mão...
Fiquei sem ar...
Fiquei sem voz...
Apararam as minhas asas
tão rentes ao meu corpo.
Que eu não voava mais.
Eu só fazia cair num abismo negro.
Que me tragava lentamente...
Que consumia minhas forças...
Que consumia minha vontade...
Depauperava meus pensamentos...
Em minha cabeça se instalou
um gigantesco caleidoscópio.
Em suas variáveis cores eu me perdia.
Num turbilhão de imagens retorcidas,
nada mais eu distinguia.
Separação lancinante...
Coração em pedaços...
Alma lastimosa...
Lágrimas de tristeza, e dor.
Copiosamente derramadas por você!

Direitos reservados*
Cecília-SP/03/2008*

Foto de Gideon

Chico Buarque e o "sempre"

Sempre! – As vezes esta palavra soa irônica. Eu a uso sempre (viu só?), e muitas vezes, sempre (de novo)! Certa vez achei que estava sendo pouco criativo quando terminava um verso com o sempre.

Sábado, cinco da tarde, entre um afazer e outro, puxei o Segundo Caderno do jornal O Globo, de 19 de março de 2006, que guardara para ler no futuro. Observando a matéria sobre o lançamento do filme de Cacá Dieguez “O maior amor do mundo”, chamou-me a atenção a letra da trilha sonora escrita por Chico Buarque para esse filme. Letra inédita que passo a transcrever aqui:

Sempre

Eu te contemplava sempre.
Te mirei de mil mirantes,
Mesmo em sonho estive atento
Pra poder lembrar-te sempre,
Como olhando o firmamento
Vejo estrelas cintilantes
Que se forma para sempre.

O teu corpo em movimento,
Os teus lábios em flagrante,
O teu riso, teu silêncio,
Serão meus, ainda e sempre.
Dura a vida alguns instantes,
Porém mais do que o bastante
Quando cada instante
É sempre.

Letra inédita de Chico Buarque para a canção-tema de “O maior amor do mundo” – Jornal O Globo – Segundo Caderno de 19/03/2006

Pois é, cá está o grande Chico se safando no apelo do sempre. Engraçado, percebi já há algum tempo, que quando estamos em estado do que chamo transe poética, a eternidade parece se lançar à nossa mente como a realidade preponderante e que norteia toda a nossa poesia. Mais ainda quando o sentimento em questão é o amor. Nesse caso a eternidade parece construir em nossa mente uma estrada para o amor caminhar (que poético, não acham?).

O destino dessa estrada seria o sempre. Talvez isto fosse um desejo subconsciente de que aquilo que é tão bom e tão almejado, como é o amor, nunca se acabe. O sempre surge, então, como aquela palavra que representa muito bem e completamente a idéia deste estado de transe poético que me referi anteriormente.

Bem, depois de ler esta poesia, do Chico Buarque, senti-me mais aliviado, e já não vou mais rejeitar de pronto o sempre, que, aliás, fica tão bem quando acompanhado com umas reticências em forma de pontinhos: sempre...

Claro que não ouso me comparar ao Chico, mas confesso que me senti meio vingado com o meu lado chato e questionador, aquela personalidade, dentre tantas outras que os psicólogos dizem termos, e que vez outra me aborda acusando-me de ousado, metido e sem senso do ridículo, quando escrevo as minhas poesias, ensaios, etc...

Imagino o que não passava na cabeça do Chico Buarque, que de tão treinado em poetizar, deve, ao conversar, espontaneamente falar todas as palavras em metáforas. Agora, no entanto, quando escreveu esta poesia, parece tão simples e ingênuo ao ponto de aparentemente não ter incomodado-se em recorrer aos antigos clichês poéticos, contudo válidos ainda, que a natureza nos empresta: “sonho”, “firmamento”, “estrelas cintilantes”, “corpo”, “lábios”, “riso”, “silêncio”, “instantes”, e o, claro, “sempre”, que, aliás, termina a sua poesia como que caminhando pela tal estrada que me referi poeticamente.
Só faltaram as reticências...

As poesias do Chico, claro, são para sempre...

Foto de Carmen Lúcia

Errando também se aprende

Despojei-me do amor-próprio, do recato...
Submeti-me! Perdi a compostura!O aparato!
Deixei de olhar para o céu!Que desacato!
De ver estrelas nas alturas...Por desagravo!
Baixei a cabeça, busquei-as no chão...
Só ilusão!Escuridão! Solidão!
Fantasmas...Vítimas da retaliação...
Tornei-me sombra, sombria, alienação...
Ofereci as duas faces...
Pra que esbofeteassem
Ouvi bramidos de compaixão,
Devastação!Humilhação! Indignação!
Comi o pão que o diabo amassou...
Não adiantou!...Nada calou...Findou!

Tentei me reerguer!...Me refazer!
Olhar-me de frente...Novamente!
Encarar-me no mais profundo eu...
Ainda havia resquícios, nesgas...
A serem costuradas, cerzidas, remendadas...
Quem sabe surgiria um novo ser?
Um novo horizonte a resplandecer?
Início de uma nova vida tão sonhada...
Erros apontam caminhos do saber.

Carmen Lúcia

Foto de Gideon

A mulher do Metrô

Dias desses consegui viajar sentado no metrô. Abri o livro do Wittgeinstein, e comecei a ler.

Em alguma estação à frente entrou uma mulher pobre, morena, cabelos molhados provavelmente do banho da manhã, meio ondulados e soltos. Parte caindo pela frente dos ombros, parte por trás. Braços musculosos e as veias das mãos bem salientes sugerindo trabalho árduo. O semblante era rígido. Não percebi qualquer vestígio de maquiagem. Lábios soltos e frequentemente mordidos pelos dentes inferiores. O vestido era simples com flores estampadas de baixa qualidade. O formato dos seios era sugerido pela falta de sutiã, contudo nada indecente. A barriga um pouco maior que o normal para uma pessoa magra. Diria que era meio barrigudinha, mesmo assim ligeiramente sexy.

O vestido descia até próximo os joelhos. Não tinha qualquer enfeite. Os pés rugosos com as veias também à mostra. Os dedos enfileirados, mas indecentemente separados do maior pela tira da sandália rosa. Unhas dos pés pintadas de gelo, única vaidade que notei. Uma bolsa de plástico aparentando falso couro estava pendurada pela alça, bem acomodada em seu ombro esquerdo, que por sua vez estava à mostra.

Parei de ler Wittgeinstein para observá-la atentamente. Ela estava recostada entre o final do banco à minha frente, do outro lado do vagão, e a beira da porta do trem. O ombro cuidava em manter o resto do corpo um pouco distanciado da parede do trem. Devia ter não mais que vinte e sete anos. Bonita mulher, rosto bem desenhado, mas sem brilho e expressão. Fiquei tentando adivinhar a sua profissão. Julguei que fosse uma empregada doméstica, mas pela hora, quase nove da manhã, percebi que não devia ser.

Enfim, fiquei imaginando aquele corpo por baixo da roupa. A sua barriguinha protuberante formando um colo acolhedor. Como disse, os seios bem formados e provavelmente um umbigo discreto.. Vez outra, pelo balançar do trem, ela mudava a posição dos pés me chamando a atenção os seus dedos enfileirados sobre a sandália. O trem estava cheio e tive dificuldade em continuar reparando-a. Talvez isto tenha-me feito forçar o olhar, e ela percebeu-me. Me olhou naturalmente. Apertou mais uma vez os lábios e desviou logo o olhar. Outra vez trocou a posição do pé de apoio e passou a mão direita sobre o cabelo. Aproveitou, ainda, para arrumar a alça da bolsa, que teimava em escorregar de seu ombro esquerdo.
Voltei a leitura de meu livro. Quando tornei olhar para ela, não mais a encontrei. Descera em alguma estação. Fiquei meio frustrado. Me ajeitei no banco, curvei um pouco mais a cabeça e voltei à minha leitura.

Bem, não a perdi, claro. A descrevi aqui.

Foto de Ana Botelho

MIRAGEM POSSÍVEL

MIRAGEM POSSÍVEL

Atordoada, mil palavras me envolveram,
Recostei-me então, ao tronco da oiti,
Com a mente fervendo de tantas imagens
Adormeci e este primeiro soneto eu teci...

Minha cabeça rodou e voou para longe,
Viajou por seqüentes montanhas e prados
De repente, parou numa antiga estalagem
Onde inúmeros felizes pares enamorados

Recitavam os versos do mestre Khayyan
Que ao Deus Baco faziam total alusão,
À meia-luz e sentados em macios divãs.

Cantavam os prazeres da entrega total,
Parecia estarem em nirvana eterno,
Uma visão, um postal, que quadro divinal!

Foto de Gideon

Sem Rascunho

Veio-me a palavra “rascunho”...
é isso mesmo: “rascunho”…
Não deu tempo de fazer rascunho.
Não deu tempo de ensaiar palavras bonitas.

Não deu tempo de comprar um perfume novo,
Ajeitar o cabelo (pode? risos)
Ensaiar gestos no espelho…
Nem dar uma corridinha para sentir-se atleta…
Não teve rascunho…
isso mesmo, sem “rascunho”!

O turbilhão de sentimentos
Pôs-me de ponta-cabeça,
Como dizem os paulistas,
E nem as unhas dos pés tive tempo de aparar…

Não teve rascunho e nem terá…
Tudo é novo, diferente,
E completamente desconhecido para mim…

Questiono hoje se eu amara antes…
Pois o que sinto agora não tem nada a ver
Com o que já sentira no passado…

Meu coração teve de ensaiar, às pressas,
novas batidas, novos ritmos...
A minha mente não teve tempo
De convocar faxineira
Para varrer lembranças esquecidas por lá…

A enxurrada da paixão invadiu-me dentro afora
E está lavando tudo…
Acho que terei de aprender novas palavras,
Comprar novos mapas… tudo novo..

Não teve rascunho,
Só lamento, meio desajeitado,
Não poder ter preparado um poema rimado,
Metrificado e bem formatado…

Não teve “rascunho”...
E nem terá com esse amor urgente
Que arrebata o meu ser sem piedade.

Foto de Sonia Delsin

MISTÉRIO ENTRE NÓS

MISTÉRIO ENTRE NÓS

Tem mistério entre nós.
Tem.
Eu sempre soube disso.
Mas nem por isso...
Nem por isso tive medo.
Medo de mergulhar de cabeça.
Sei que fico presa.
Entre o sonho e a realidade.
Sei que quando estamos juntos somos felizes de verdade.
Mas alguma coisa muito forte quer nos separar.
Quando penso que estás vindo te vejo distanciar.
Quando penso que vamos nos acertar...
Alguma coisa acontece e consegue me machucar...
Este mistério vive a me intrigar.
Por que não podemos nos amar?

Foto de Sonia Delsin

SEXTO SENTIDO

SEXTO SENTIDO

Empresto-me ao tempo que me cobra o tempo.
Sou feita de sonho.
Desempenho um papel.
Sou atriz principal deste tempo.
Deste meu tempo.
De outros tempos meus.
Se fecho os olhos viajo.
Se escrevo me ponho a voar.
Meu destino é pelo tempo divagar.
Catando pedaços de mim.
Juntando peças.
Montando um quebra-cabeça.
Não preciso me certificar do que sou.
Sempre soube de mim.
Não me surpreendo muito com o que está por vir.
De alguns fatos já sei de antemão.
Sexto sentido? Premunição? Intuição?
Coisas que não tem explicação.

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