Morrer de Solidão-2
Miguel vai penetrando em territórios da quinta das lágrimas, cabeça bem levantada como se quisesse ignorar o pó que teimava em lhe cobrir os sapatos e em sujar-lhe as calças, Miguel nunca vestia calções, via tal facto como um sinónimo de inferioridade e ele, apesar da tenra idade, não pretendia ser inferior a quem quer que fosse, gostava de olhar sempre por cima.
Ia tão absorto nos seus pensamentos, ou melhor nos seus sonhos, que nem reparou no pequeno grupo de homens que trabalhavam na margem direita da estrada, e só quando um deles o interpelou é que caiu na realidade:
- Bom dia rapaz. Procuras alguma coisa?
Nem se preocupou em dar os bons dias, limitando-se a responder:
- Procuro o Sr. Engenheiro Campos. Sabe onde ele está?
-Posso saber quem tu és?
- Eu sou o Miguel, venho trabalhar para aqui. Onde posso encontrar o Sr. Eng.
- Continua por este caminho até chegares àquela casa encarnada ali em diante, vês logo uma janela bem grande, é lá que está o patrão.
Miguel voltou costas ao homem e continuou a sua marcha, sem sequer agradecer.
- António quem é o garoto? E o que é que ele quer?
- Deixa, nada de importância, é algum desses meninos que se julgam mais importantes que todos, nem os bons dias me deu.
- Sim, mas o que é que ele queria?
- Vinha à procura do Patrão, diz que vem para cá trabalhar.
- Vem para cá trabalhar, então é o filho do Martinho, eu ouvi o patrão comentar com a menina Júlia.
-Oh raios!
-O que é que foi agora?
- Eu fiquei danado com a falta de educação dele e mandei-o ir ter com o patrão sem o avisar para ter cuidado com o Faísca, espero bem que ele não se aproxime demasiado.
- Oh António, porque fizeste isso? O Martinho é uma jóia de homem, um exemplo de educação e de bondade.
-Pois e como podia eu adivinhar que aquele miúdo mal-educado era filho do Martinho.
-Bem deixa lá, talvez o garoto vá com atenção e se desvie do cão.
Enquanto os dois trabalhadores mantinham esta conversa, Miguel avançava quinta dentro, avançava na quinta e avançava nos seus sonhos, já se via a mandar naquele homem grosseiro que acabava de encontrar, tinha de ter cuidado com a forma como falava com o Engenheiro Campos.
Foi precisamente quando pensou no engenheiro que ouviu um grito:
-Cuidado, desvia-te daí.
Assustou-se, olhou em frente e viu um homem alto, vestido à moda dos agricultores, calças de sarja azuis escuras repuxadas para cima pelos suspensórios que sobressaíam sobre a camisa aos quadrados azuis e brancos e justas sobre as botas de cano, era o engenheiro, seu pai descrevera-lhe bem o seu futuro patrão. Deu um salto para o lado, indo cair sobre na valeta que acompanhava o caminho, ficou algo dorido, mas não o suficiente para que não se pudesse levantar, no entanto resolveu virar os acontecimentos em seu favor, deixou-se ficar a contorcer de dores.
- Então rapaz, magoaste-te?
- Foi só um pouquito, nada de grave. O sr. deve ser o Sr. Eng. Campos, não é verdade?
O garoto fez questão de repetir e reforçar a palavra senhor, ao mesmo tempo que aceitava a mão que o lavrador lhe estendia para o ajudar a levantar.
- Sim, sou o Eng. Campos e tu? Não me digas que és o filho do Martinho!
- Sou sim senhor, sou o Miguel. Obrigado pelo aviso e obrigado por me ajudar a levantar.
Não tens nada que agradecer, o Faísca não te conhece e podia morder-te.
- Eu vinha distraído, vinha a observar a sua quinta. Desculpe.
- Deixa-te de desculpas, és tal e qual o teu pai, um exemplo de educação e humildade. Anda daí, a minha filha vai tratar-te desses arranhões.
Miguel sorriu interiormente, começava a conquistar a simpatia do patrão, aquele homem não o avisara de propósito mas ainda se ia arrepender, agora tinha de conquistar as boas graças da filha do patrão, quantos anos teria?
Acompanhou...