Areia

Foto de Lou Poulit

CANTOS RECENTES DO POETA PASSARINHO (PROSA E VERSO)

BLASFÊMIA

Porque eu não quis o fardo de perdê-la, com cada dardo de luz a sua estrela moça me apunhala; mas o tempo entre nós, de dedo em riste, fez-me triste pela sua intangível plenitude. Em quietude, reflito. E me lembro da sua pele tesa, ansiosa sobre trêmulas fibras, me comendo como a uma jovem presa predada às sombras frescas do dia (hoje dessa minha tristeza). Como esquecer suas tramas ingênuas, de uma mulherice de reações rosadas vestida de saltos e brilhos para a noite? Como resgatar tão tênues limites tangidos pelo olhar, quando dissimulando bramidos e silêncios de um improvável e profundo mar fazíamos concessões fugazes, como espumas na areia?

Porque como um bardo adolescente eu quis detê-la, e ao seu instinto inevitável na ponta dos pés, a sua estrela ferida por outro vagueia ao rés dos meus exílios e possui os brancos fartos dos meus pelos, sem pressa, até dos meus cílios, ferrenhas grades dos porões dessa minha lágrima tardia e inconfessa. Reflito. À beira de penhascos resvalo, e reflito. Sob o trepidar dos cascos da memória me ralo, mas ainda reflito. Mesmo ao engasgo com que rasgo os vazios subterrâneos da minha decrépita esperança, desesperadamente reflito!... Até que refletir seja apenas um estratagema, ignóbil, imperdoável e ironicamente necessário, que à transitoriedade de tudo blasfema: o amor não tem idade!

Mas é tarde. Porque entre a reflexão e a lágrima já não há vago, é tarde. Porque a certeza que trago caminha de bengala, porque não se cala mas já não trama, é tarde. Porque o fim de quem ama não está no decurso do tempo nem no percurso da distância, mas na vagância de não amar; nem na demência da moral nem na presença de juízo, mas na ausência de saudade; o fim de quem ama está em não se exercer o tempo. A melhor de todas as minhas descobertas fora encontrar, nas flores abertas, o divino de cada mulher, em que devia crer como menino; mas a pior de todas as minhas íntimas blasfêmias, foi não me prostrar ao que sempre houvera crido nas fêmeas.

(Itaipú, mar/2008)

AMANTE EU ME QUIS

Amante eu me quis
E ela quis-se prenda
Cio e cena, senda
De uma bela atriz;

Jugo e julgamento
Paguei preço justo
Mas depois, que susto...
Mesmo hoje inda tento

Inda quero e busco
Tombo ávido e brusco
Nos dorsos da vida:

Quem sabe, com sorte
Morro inda de morte
Do amor comovida.

(Itaipú, mar/2008)

ERGUE-SE A VIDA

De sob o tempo indolente de um caminho íngreme e da sua penitência, de descer sem resvalar para saber como voltar, de não ter a quem contar como devesse ser julgada, e saber que a solidão voluntária mais que um direito é uma dádiva, ergue-se ávida a vida.

De sob julgamentos ilegítimos, os ritmos do destino crido, o protagonista interino, ferido pelo próprio veredicto, o bailarino das sombras, refém das próprias luzes, exilado no silêncio e na castidade, banido remido da cidade profana, nele ergue-se a vida, soberana.

Porque o amor não é óbvio como a nudez que se revela, porque se a procela íntima jura e insulta, a paixão mesmo impura indulta a florada dos espinhos... O amor não tem caminhos e caminha mesmo longe dos aplausos, como um monge velado por sua estrela, selado por seu arcano... Meu amor é pela vida um amor humano.

(Itaipú, mar/2008)

ANTES

Antes que me profane esse céu que eu mesmo criei por querê-la, tanto, de minha alma tardia como seu leito tardio... Antes que me sacuda um aplauso de mim mesmo arredio, e a chama expire e repouse sobre a cinza o pavio e soluce a sombra do que antes fomos... Antes que a paixão, descida dos seus tronos, renuncie à nossa milenar cumplicidade... Antes que essa saudade me deserde dos seus hormônios, pelos meus poros, posseiros das minhas estrelas, juízes dos meus himeneus... Mas antes!... Antes que meus rasgos desalinhados sejam remendados por impura compostura e se recomponha o herdeiro das idéias, dos golfos nas traquéias por impostura, a criatura completa perdida da sua costela, incontinente em sua cela: solidão... Oh, antes que uma vergonha aflita me possua e a desdita lembrança dela, inconha e nua, toque fundo no berço o sonho que já não sonha... Poesia!... Oh, minha poesia, arrebata-me das palmas desse papel frio e sedento! E colha-me em teu colo colossal... E recolha meu corpo estilhaçado, poro a poro, esse impagável fardo em que ainda agora eu ardo e evaporo, incomodado, sobre uma chama abissal.

(Carioca, mar/2008)

POR QUE SE ME DESTE?

Porque se me deste manhã, quando já não havia um luar que me oferecesse a sua esmola, implora esse meu amor agnóstico por um crepúsculo de relâmpagos e lama, arrastando-se o leito cósmico, em que se alargue bem, e aos poucos, com roucos protestos, o inventário dos meus futuros restos, aos punhados, desapunhalados dos tremores que acarinham o gozo que me assola... Eis, enfim, a mais desejada esmola!... Ah, por amor mais se amarga a ausência do que se alarga o silêncio na distância, e mais se erguem vãs defesas do que se embarga a manhã de ilesas estrelas... Pois o amor não tem sentido em si mesmo, porque dar-se exige quem o receba, ao alcance do tato! E porque o fato... É que não suporto mais essa espera! Apenas um momento quisera. Depois quis o tempo de espera. Mas o amor exagera e agora só quer tudo, o tempo todo. Não transige, não mente e mais se sente nada, tanto, tanto... Oh, por que tanto assim se me deste, Manhã?

(Carioca, mar/2008)

ESPANTALHO

Amo... Eu amo essa mulher. E se tanto eu não a amasse hoje que ruge e fulge no poço o anjo quando ela se debruça sobre o céu grisalho, eu seria tão injusto quanto um fútil amante, plantando em meu peito um inútil espantalho. Pois que se deite comigo à nossa colheita e abarrote as suas entranhas de sementes e acolha esse rio meu de estrelas cadentes (e o seu silêncio morno) à espreita
dos nossos futuros percalços, inseguranças, intrigas, ciúmes, brigas e tudo que desune. Protegido, esse nosso amor permaneça imune e ao mais profundo arrebatamento desça.

Amo... Eu amo essa mulher. E se tanto eu não a amasse em lucidez, nem fosse a sua tez a aurora dos meus escuros (toda vez que o amor se mete em apuros), o espantalho, refém do próprio espanto, em vez de um encanto seria um anjo degredado. Pois que venha o amor à mesa, e a sua chama acesa ao fio dos olhares, sobre a comovente juventude dela e a minha paixão, essa cadela indecente... Pois que se mantenha o indignado julgamento alheio longe do dorso amado, sem nenhum arreio, veio profundo dessa droga genérica, minha liberdade homérica e indigente.

Ah, como eu amo essa mulher, tanto... Com o vigor de cada fio branco, quitado com a minha velha juventude inquieta, que me arde o peito franco de poeta enquanto guarde o quanto exerça o espantalho, emancipada do talho, a emoção da minha amada.

(Itaipú, mar/2008)

CALÇADAS DESSA NOSSA VIDA URBANA

Calçadas dessa nossa vida urbana... A insana crença de ser e estar sempre dando uma chance ao destino, ser solto no mundo e, ao mesmo tempo, estar como na sala, receber e ser também recebido e, em compartilhada privacidade, desarmar o proibido. Sobretudo a nossa libido, assenhorada, indultados de habitá-la.

Alçadas pela divina verve humana (que assim profana que se preserve) ao dossel da densa solidão da urbe, por mais que lhe conturbem as dívidas das tão vívidas ilusões tão frágeis, ah, as nossas calçadas intermináveis são retos labirintos de preces devotadas, de penitências e caçadas. Nenhum decreto, nenhuma vela acesa... Qualquer promessa liberta a alma, ilesa de ser no fundo só e íntima do exíguo (ínfima queixa que nem vale à pena); à lua plena, quem precisa de liminares em lugares onde os olhares, como floradas, defloram a jurisprudência do desejo?

Pois na minha calçada predileta, hei de plantar ainda uma placa. Mas uma placa de poeta, como convite póstumo a Baudelaire e Pessôa, onde escreverei: "VOILÁ LA VOLUPTÉ". Por que não? As paixões são também portuguesas, como as volupitosas pedrinhas de Copacabana! E em baixo: "MOI ET TOI". Onde habitamos e somos habitados...Oh, as calçadas dessa nossa vida urbana.

(Itaipú, mar/2008)

ME ABDUZA

De manhã, a manchete de hoje era um salto de espinha abaixo, sem truques nem cambalachos, sem volta, sem escolta... Implume, à beira do ninho. Imberbe ao fim do caminho.

Mesmo sem ter a quem pedir ajuda ou conforto, nem morto, meu coração, eu te renego. Não te nego o direito (nem ao torto) agora que enfim tuas dívidas cairão do prego, que virá ela pousar plena ao meu tão sonhado alcance... Não caia o poleiro, o verso não canse. Porque voa essa pássara no rumo em que lhe aguarda o amor e a poesia... Pois, que à revelia ela arda! Pois que a valia de arder é ter amado.

Mas não espero ser meramente amado pelo seu amor medido em eras de anos-luz. Nem apenas seduzido. Quero ser em verdade abduzido! Varrido e vasculhado, desidratado pela cauda de um cometa, que me reduza à uma lágrima de mulher... Ah, Pássara, me abduza.

(Itaipú, março/2008)

SE FOSSE TANTO O AMOR CRUEL

Tomou-me, ufano e covarde à faina da velha bateia, à tarde, de ser notado por tardios, preciosos olhares, roubados ao céu e ao mel mas curvados ao seu e ao meu: um desertado amor magoado.

Era tanta, tanta a sua mágoa, a dessedentar-se no meu espanto, que pensei: se fosse tanto o amor cruel não cantaria seu canto a cotovia, não haveria o sonho de amar, nem (que falhassem) tantos venenos, e nossos enganos seriam pequenos.

Devolveu-me esse amor (que ainda arde) a mim mesmo, depois e a esmo, numa calçada sem esquinas: se fosse tanto o amor cruel as minhas amadas seriam todas bailarinas e aos seus palcos (tão mais ardidos) talvez me faltassem proteínas.

(Carioca, março/2008)

PINTURA FRUGAL

Súbito, nas palmas da lua o tema...
Plena e deserta a tela implora a cena
Como um teorema a ser consumado.
Ávida e nua, dádiva a ser consumida.

O amor usa de sofismas só seus
Para nos converter em cismas suas.
É demônio e é santo. Até deus!
Doando luares como hóstias cruas.

Traços, aguadas, promessas, primícias
Devassas servidas, doces sevícias...
A arte é um coito que nunca termina.
Pierrô afoito. Oh, afoita colombina!

No epicentro de um pouco épico tombo
E no assombro de um gozo nem tão estético
Em que a febre viceja (e a alma a deseja)
O artista verseja, quase profético:

Pintura frugal, a dar-se a mim estreito
Hás, limiar, de dar-se além do leito.

(Carioca, março/2008)

CANTOS GAIOS

Eis a vida, aos pés da sorte.
Um sonho galgo, galgando gratas misérias
Sem temer tombos e trombos que suporte
Nos largos ombros do anjo que lhe vier.

Donde vejo essa, na estratosfera
Perdoaria Dalila e acudiria Prometeu
Porque a eternidade é uma quimera
Para um amor tão generoso como o meu.

Do que entre fatias fugazes de amenidades apenas
Fazendo mágicas tenazes (nem tão amenas)
Seria eu eterno e inteiro entre seus dedos
Mais à vontade do que no caderno do jornaleiro.

Ah, eu pagaria com juros as minhas juras
Doando-me a ler todo dia o jornal de ontem
Só para recair de todas as minhas curas!
E loucamente amar de novo... Oh, cantem

Ao precipício entre os olhares e aos seus soslaios
Meus pássaros, os meus cantos gaios, cantem.

(Carioca, fevereiro/2008)

ESGUICHO

Um esguicho aspergindo agonia tingiu o nicho escuro da minha auto-estima, com tons claros de uma líquida e morna alforria. Eu corria tanto. Corria e corria... Como um bicho sem paz eu zanzava, sem sair jamais do lugar em que estava; preso no visgo, vesgo de amor eu não via meus escombros na poça (a que fiz jus!), do corte certeiro de um raio de luz.

Dissimulada, a estrela que fez isso (do instinto intangível, íngreme e insubmisso o poeta dócil, submerso no esgarço do velame e acoleirado pelo verso ao firmamento) quer apenas que eu ame. Ame e ame... E escame o brilho d’alma ao vento. Mas o amor teme a própria catarse e por uma múltipla entorse (do salto para dentro) exila-se num centro em que tudo se lhe roce.

Ah, o amor que desnuda e desarma... O penitente que em sua Compostela espera ungir-se com os estilhaços da janela, no entanto preserva os cordeiros do vitral; até que converta-se a noite atéia em dia, e a alcatéia em coral e a teia casta da anorexia em um esguicho lustral.

(Carioca, fevereiro/2008)

UM RAIO INSUSPEITO E ARREBATADOR

Um raio insuspeito e arrebatador entre opostos exílios, antes tramados por escolhas colhidas à razões tolhidas, nos fez amantes desertados.

Quando nada os detém, olhares detonam uma reação em cadeia servida à ceia de um desejo vasto, em que sós nossas testemunhas somos, ideais sem pejo de aias e mordomos, comensais intrépidos em tépidos covis...

Oh, tépidos covis da madura idade!
Oh, ledos covis sem cocho ou grade!

Um olhar insuspeito e arrebatador do exílio colheu-me e comeu-me à flor da minha abissal leviandade; a lágrima fringiu-se e evaporou-se, cingiu-se de cinzas o peito que a trouxe, decerto, meus covis hoje correm a céu aberto.

(Engenho Novo, fevereiro/2008)

JARDIM DO ABISMO

Nem eu me lembrei do tempo nem ele se apercebeu da minha ausência, mas se agrisalharam os meus pelos... Nem eu quis vertê-los nem capturei os seus buquês, mas os momentos voaram do cálice... Seixos que um dia, talvez, encaixem-se, a memória amontoa, assim à toa, cobertos de pó nos recônditos do absurdo... Em cada beijo um estalo, eco surdo de lirismo, que roga um resvalo à nudez das paredes. Ah, os dias sem amar... Ajardinam o fundo do abismo.

(Largo da Carioca, fevereiro/2008)

TEZ SEM EXTREMOS

Ah, porque ela não tem na tez extremos
(Salvo os olhos, que também são morenos)
Pouso a alma e vejo o meu próprio reflexo
Porque o sexo, estância além do mundo

Rio profundo, caminho estelar
Grafara n’alma, ao silêncio das curvas
Feitas sem o zelo de me tomar
Dos limites: A morte não me quis.

Restou, feliz, este amor são e salvo
Alvo das suas perguntas tolinhas
Rangendo as janelas donde as rolinhas
Nos espiavam, pelas persianas;

Em preces profanas, tão doidivanas
Sim, eu amei... E como nunca soubera;
Porque não era o fim a antiga era
Porque eu não estava ainda preparado.

Pouso alado (ao lado a tez sem extremos)
No ermo lúcido do amor em que cremos.

(Carioca, fevereiro/2008)

VENHA

Venha, porque eu tenho
Bem mais do que fui
E donde hoje eu venho
A dor não possui;

Venha, porque trago
Bem mais do que cabe
Neste meu vago
Que ninguém mais sabe;

O meu sonho é um salmo
Na tez d’alma escrito
Com letras de um palmo
E ainda a ser dito:

Se o afago perpassa
A tona do lago
E é luz o seu cio...
É o amor que trago

Guardado e tardio...
Divina devassa.

(Carioca, fevereiro/2008)

QUISERA O AMOR QUE EU AMASSE

Quisera o amor que eu amasse
Tanto, tanto ele quisera
Que ao desarmar-se o amor que era
Ele antes me devassasse.

Quis o amor assim tocar-me
Tanto, tanto, o sol ao lis
Que o céu que de mim eu fiz
Devassou a minha carne!

Será sempre o amor assim.
E eu serei sempre o que sou
Sem saber mais que soubera.

A me armar, como arlequim
O amor vem (quem nunca amou?)
Deserdar-me do amor que era.

(Carioca, fevereiro/2008)

ME SABER ME BASTA

Eu dissimulava por onde fosse. Cantava o tempo todo. Sussurrava, depois quase gritava. Ah, eu cantava, cantava, cantava... A música era a da amada, sua preferida. Eu a tomava emprestada. Se pudesse, seria capaz de roubá-la! Eu dissimulava perdidamente. Colhia todos os olhares do caminho mas só ficava mesmo com os dela... E com a carne úmida dos sorrisos e o risinho tímido dos mamilos e o andar, que mal tocava os pisos, e os glúteos. Glúteos? Oh, comprimi-los...

Eu dissimulava enquanto ria de mim mesmo. Não por auto-piedade ou desestima. Eu dissimulava piamente! Ela era um templo, uma porta entreaberta. No nicho, uma absolvição além da palma, roçando a alma como açoite de dia, de tarde e de noite, vazando entre os dedos da mão tenaz. Sonhada... Uma graça fugaz sob a coberta de credos e dogmas deserta. Generosamente incontinente. Mas até seu resíduo era emprestado, como tudo o que era dela crido. Até que da vidraça fez-se o alarido de miríades de estrelas, janela afora vazada.

Mas não doeu nada, não doeu nada... Eu mesmo fiz isso. Avidamente eu mesmo fiz isso... Não há mais no que crer. Me saber me basta.

(Itaipú, fevereiro/2008)

O ESPELHO E A BAILARINA

Esse amor meu de poeta...

Cuja paz decreta e se professa ungida
Que, impune, confessa ser a própria sobrevida
Do réu imune, ao rés de mais uma vez tocá-la
Com um arrepio de sopro, pele tão desejada...

É uma montanha que jamais se cala!
Mas resvala e em profundo silêncio se esbate
No magma de um improvável vate.

Dentro dela habita uma estrela antiga
Que sussurra uma cantiga e nina a emoção
De ser a mansão e a monção da bailarina
De infladas cortinas e peito pronto a se fender...

Oh poesia das entranhas do ensandecido
Sou eu que fendo! Sou eu que fendo! Eu, a montanha...
Ao gume úmido, entre arabesques colhido...

Na poça, em que de versos me embriago seu
Tombam a lua e o gozo com que pago eu
As minhas brancas súplicas no breu da fonte...
Então... É a poça que seduz o lago?...
Ou a dor de amar? Que a ninguém se conte...

Esse amor meu de homem...

Cujos olhos comem a carne emancipada
E que verte o sonho e o seu torpe inchaço
No levitado abraço do amor da amada
Não aconselha jamais o que se cobre...

Mas esse nobre amor meu sempre a espelha
Concede a verdade e a fantasia e as espalha
Aos dentes da noite e aos palcos do dia...

Que dentro do espelho havia nela um abismo
Por cujas paredes o seu sismo, que a desvalia
Refém das suas areias e dos meus espumados dedos
Escorregava e em mim cravava velhos medos.

Oh céus dos meus sentidos
Eu fui o mar! Eu fui o mar! E o espelho-mar...
Mas sou agora os rochedos... No olhar, bramidos...

A moça, estrela cujo sonho na poça repousa
A senhora da lousa, de sapatilhas desatadas
Confia como as fadas no amor frugal, mas ferina
Despetala o seu amor de bailarina, cada centelha à mó
Do aço nu... Do espelho amado que a espelha só.

(Itaipú, Fevereiro/2008)

HOJE A CELEBRO, TÃO GUARDADA

Não era minha, nem tua
A mão que encrespava o mar
Pastoreava o vento
E escavava os grãos de areia...

Nem na vinha, nem na lua
Nem ao amor restava amar
Tão doce, o resto lento
Mais que o sonho pastoreia...

Era d’alma dos amantes
Que, indelével, o tempo habita
Montando em pelo a delícia
De sermos assim da vida

Ermos d’estrelas distantes...
A lembrança mais bonita
(a mais eterna primícia)
a emoção na voz contida

Celebrada, tão guardada:
Como, Sempre, és tão amada...

(Itaipu, mai/2007)

PREDESTINAÇÃO
(Poema Tríptico)

Manhã I

Há dias, Mulher, em que dias hibernam
Como cios em que se deveria amar.
E dias que tardios anunciam:
O amor vem... E nada o poderá evitar!

Como ígneos folguedos cósmicos
Astros saltam reluzindo, acima do mar
Das profundezas do desejo vindos.
E na areia a luz de um gozo rendado
Extrema unção de um amor guardado
Prenda-fruto do silêncio e da madrugada...

Ambas fugidias...
Nossa alma vagueia
Como fossem dois dias.

Tarde II

No entorno do sol se ergue uma ciranda
De palmas morenas escritas por Deus...
Os sonhos meus andam apenas
Centúrias pequenas, que eu mesmo cri.

No entorno da rua em que habitam passos meus
Não quis Deus nenhum cão nos portões
Mas vagalhões vieram de longe
Ilhar de olhares vários meus olhos perdulários
E varrer do poente os meus azimutes de monge...
O rastro não mente, eu mesmo o escrevi.

Areia antiga...
Que amor te trouxe, Branca, a perdê-los
Os brancos fios dos meus cabelos?

Noite III

No fundo do covil, ao rés do céu,
Prostrou-se (quem viu?) o cajado como um manto.
Nenhum fogo apagado aquece tanto...
Só a morte em que não se morra, só a borra de aço-mel.

Ah, Tristezas, que me fizeram dulcíssimo mecenas
Palmas morenas (em que eu não previ proezas)
Te aguardam, madalenas,
Porque uma só Madalena haverei de tocar, tanto...
Mesmo antes de chegar, sanha e pranto
Essa vaga já me alarga, com o tanto que é feliz.

Desencanto: Dalva-Lis...
De lãs que não vesti mas, por um triz, já me afaga.
Há manhãs, Mulher, que jamais teriam paga.

(Itaipú, 30/ago/2007)

ANIVERSÁRIO DA MIXINHA

Hoje celebro uma estrela, extrema estrela velada pelos véus de antigas eras, de fogaréus, de esperas, quimeras, deveras dada; que em silêncio crepita n’ara desdita que lhe valha a dor do peito. Acalenta. E por direito se apascenta dos lapsos de um anjo canalha...

Hoje celebro uma fêmea, efêmera crença minha, roubada a um conto de fadas por arcanos, comezinha; e por anos de vigília, ppr um gozo que eviscere a plenitude, em que se esmere a rapsódia do claustro. Fausto íntimo, fausta chama, que só não cala a quem não ama.

Hoje celebro uma luz que só nus temos por nossa; querer bem a um anjo alado, de um querer que não se apossa, é um amor iluminado, que não se pode tocar sem que se toque a si mesmo, por inteiro. É o amor mais verdadeiro... Inconho amor, já por si mesmo tão naturalmente celebrado.

(Itaipú, maio/2007)

Foto de Joaninhavoa

MEU VÔO

Vou num vôo brando
E sereno! no meu voar…
Ah! este vôo… tanto me apraz…
Vou de mansinho neste voar
Devagar devagarinho
Meu vôo audaz!...

Abro asas… mais e mais
Assim… eu me espernico…
Ah! como é bom demais…
Ângulo certo meu equilíbrio
Corpo espaço alíbido!...

Capricho! Neste trajecto
Vou-te encontrar…
Sei! onde tu gostas de pairar…
Longe! Lá onde há areia
E há o mato!...

Ah! brisa leve e singela
Doce intrínseco o aroma
Como meu vôo! Vem
Vem junto! Acompanha…
Este trajecto, esta viagem
Quero levar o meu amor
Pr`a outra margem!...

JoaninhaVoa, In "Vidas"
(06/04/2008)

Foto de Dirceu Marcelino

SUSSUROS - DUETO - "Jo te quiero" e "Je T'aime", AVATAR I e "SUENÕS - En Español e Francês

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AVATAR - I - S A L O M É

“Imagino-te”? Como nessa imagem.
Morena, esbelta, elegante, altaneira.
Eu me imagino, que sou essa miragem
Sobre o mar de forma sorrateira.

Espectro a interromper tua passagem,
Uma nuvem de verão e passageira,
A envolver-te em atos de libertinagem
E carregando-a para uma alvissareira,

Noite sob o luar desta paisagem
Num colchão de ar sobre a areia
A flutuar no balanço de vai-e-vem

De teu corpo belo de sereia
A entrelaçar-me com a voragem
Da Ninfa que em mim faz uma ceia.

*****

SONHOS (SUEÑOS EN ESPAÑOL Y FRANCES)

Ayer escuchei por ultimo la musica: “Te imagino”.
Dormi. Logo em seguida comecei a sonhar.
O primeiro sonho imagine. Era contigo.
Uma Ninfa, uma Mulher, que queria me amar.

Fiz-me rondar ao centro, a Avenida Corsino,
E algo me atraia p’ra ruas que não costumo rodar,
Ao passar perto do “Restaurant Portiño”
Uma linda mulher passa com uma bolsa a rolar.

Mulher muito linda e não parava de me olhar,
Demonstrava em gestos querer falar comigo
Aproximei-me, calmamente, para com ela falar,

Mas foi ela que sussurrou em meu ouvido
Como uma brisa – “Je t’aime”- em um assoprar
Suave de uma voz sedutora: “Mi Querido”!

(...Délicieusement étourdissant comme la caresse du vent sur notre corps... MK )

*****

SUSSURROS - DUETO - "Yo te quiero”
“ Je T’aime”

Meu espectro interrompe-te a passagem.
Sussurra um segredo em teu ouvido,
Fazendo-lhe na alma uma massagem
Como um homem, amante atrevido.

Palavras c’uma estimulante mensagem,
Lançadas em setas encantadas de cupido,
Acionam-lhes os órgãos com tal voragem
Preparando-a ao amor correspondido. ( Dirceu Marcelino )

“Sussurro que me causa uma vertigem,
Zune como um canto em meu ouvido,
Liberta todo desejo que me afligem,

Aflora sentimentos esquecidos,
Faz que todos meus órgãos regozijem
Num gozo voluptuoso da libido.” ( Marisa Dinis )

***
“Sussuros surgindo da espuma das ondas em frenesís dum mar em pleno tormento... amante atrevido libertando seu desejo em seu belo canto, contra meu ouvido semenando um fúria de etero líbido...” ( Marisa Dinis )

" Live for today as yesterday is gone and tomorrow is yet to come..."

Foto de Carmen Vervloet

SONHOS NAVEGANTES

SONHOS NAVEGANTES

Quero sentir as ondas do mar
acariciando esta rígida pedra!
Ondas que se quebram
sem ferir, nem machucar...
Quero ver seu vai e vem
beijando a areia morena,
desta praia pequena...
Refúgio do meu coração
ansiando por você em vão!...
Quero observar sua louca persistência,
sua incontrolável demência,
sua misteriosa insistência
em modelar o imodificável...
Em transformar o intransmutável...
Arte da natureza!
Arroubos da emoção!
Esculturas vivas
em constante transformação...
Castelos de areia desfeitos...
Sonho perfeito a se esfarelar...
Micros-grãos de areia
que se unem em seca praia
onde semeio a ilusão!...
Delírios do meu coração
que anseia por paz!...
Efêmeros sonhos que você me trás
na melodia do vento!
Envolve-me em encantamento...
Aspiração de felicidade...
Antagônica realidade!...
Viajo junto à estrela matutina
seguindo minha sina...
Percorro longas distâncias...
Perco-me entre neblinas...
Na esperança de reencontrar
O sonho que deixei p’rá trás...
Quimera fugaz
desfeita nas ondas do mar...
Que se vão
Esvaziando o meu coração...
Mas retornam trazendo de volta
Minha ingênua ilusão...
Sonhos navegantes
em ondas de emoção!...

Carmen Vervloet
Todos os direitos reservados ao autor.

Foto de Henrique Fernandes

AMAR-TE É RELEVO DE LUZ

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.
.

Todos os poetas escrevem o amor
Eu, poeta guloso, escrevo sobre ti
Enquanto o Sol fizer parte dos dias
Também tu farás parte da minha vida
Teu sorrir é como o voar das borboletas
Quão belos os tons da primavera
És o teor das minhas alegrias
Se não amasses o mundo não existia
Antes de ti a tristeza era pedra dura
Mas que a teu lado é um castelo de areia
Que o teu toque quente desfaz em pó
És o fruto que delicia minha vida
És a vida dos meus frutos maduros
Teu olhar filtra-me as emoções
Guardando o bom sentir de ser teu
Proteges-me numa bolha de ar fresco
Tão puro quão o brilho verdadeiro
Que não pára de brilhar na tua aurora
E brinda a sinceridade da vida
O teu toque audaz é moldado de paz
Desmantelando segredos transparentes
Dando-lhes um tom palpável
Pelo meu saber-te viva no meu existir
Amar-te é relevo de luz que chama a atenção
Á coordenada que devo e não temo seguir
Pelo caminho de nós amantes
Da verdade que nos é bombeada no coração
Com sabor á vida que valha viver
Sem silencio enfeitando o rosto de amor

Foto de Dirceu Marcelino

EL TORERO II - PROCURA À CAVALO

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PROCURA À GALOPE

Meu cavalo galopeia,
Com os cascos fustigando,
O chão, as pedras, a areia
E assim, sempre galopando...

Leva-me onde veraneia
Ao sol quente se queimando,
Encantadora sereia
E eu fico imaginando...

Será... Será... Que vou encontrar
Ela tão aconchegante,
Ou vou me amedrontar.

E ao ver meus olhos radiantes,
Como farei para não demonstrar
Que a amo mais do que antes. (Escrita, em 1968, em Itanhaém-SP)

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Mi caballo galopa,
Con los cascos fustigando,
la tierra, las piedras, la arena
Y asi, siempre galopando

Llevame donde veranea
Al sol ardiente, bronceandose,
Una exuberante serena
Com el nombre de Rose

Y al ver mis ojos radiantes
Como haré para saber.

Si me agradas, o me intimidas,
O si la agrado, o la intimido

Pero, sé que la amo como antes.

( Escrita, em 27/3/2008, com a colaboração de minha amiga e Musa Peruana, Ruth Fernandes )

Foto de Sonia Delsin

ONDAS QUE VÊM E QUE VÃO

ONDAS QUE VÊM E QUE VÃO

As ondas vêm e vão...
Um forte pulsar...
É o meu coração.
Sonolenta me ponho a pensar... no mar...
Descanso meu espírito neste imaginar.
Nas ondinhas que chegam para a areia beijar.
Na imensidão azul que um mundo consegue guardar.
De repente me sinto um mar... tanto a armazenar, neste longo caminhar.
E coragem para ir, para voltar.
Mais sonolenta ainda penso que sou um barco.
Estou à deriva?
Busco... me encantando...a esperar.
Porque o eterno sabe tudo comandar.

Foto de Sonia Delsin

MEU CONVITE

MEU CONVITE

Meu amor. Venha dançar comigo.
Tire os sapatos, se desembarace da meia.
Já tirei as sandálias.
Sente a friagem da areia.
Pegue minhas mãos.
Se entregue à melodia.
Sinta...
A vida é alegria.
É dançar sob este céu estrelado.
Meu querido. Sonhei tanto ter você ao meu lado.
Se entregue a este momento mágico.
Ria... sorria...
Não lhe quero sério.
Não agora.
Quero-o rodopiando.
Quero-o sonhando.
Voando.
Dançando.
Se entregando.
Venha... estou convidando.

Foto de Sonia Delsin

AREIA MOVEDIÇA - Poetrix

AREIA MOVEDIÇA

Meus pés afundam...
Afundo.
Nos mistérios do mundo.

Foto de Gideon

Um Tsuname de Paixão

A agonia causada pela ferida da paixão é delirante.
Não admito que esteja apaixonado.
Não posso ficar apaixonado sem garantias de reciprocidade.
Mas a sensação da urgência em vê-la é um indício fortíssimo da paixão.

Minhas mãos frenéticas parecem reger o balançar incessante da perna esquerda
enquanto estou sentado em frente ao meu microcomputador,
tentando desesperadamente concentrar-me no trabalho.

Isso é diabólico, demoníaco, pois aflige-me terrivelmente.
Aquela ansiedade incontrolável em vê-la, tocá-la, estar ao seu lado.
Estou apaixonado, sim, reconheço.
Esta paixão é avassaladora, tsuname, parece.
Afoga vorozmente a minha alma.
Isto não deveria acontecer, jamais.

Não quis isto e não quero isto, mas o que fazer diante de tão grande força?
Devo nadar na direção oposta da onda, contra ela?
Iria me afogar logo, certamente.
Quero ver até aonde este tsuname me levará.
Anseio por pisar na areia, pelo menos, de volta a terra firme.

Esta terra, talvez seja um paraíso, uma nova realidade, uma nova vida.
Não seria a paixão uma tentativa de transladarmos para a felicidade?
Não sei, sei que neste momento estou inerte,
sem movimentos e simplesmente devo boiar na onda do tsuname.

Enquanto flutuo ao léu, a minha mente vaga desordenadamente
A procura de suas feições como que um raio do sol
Pudesse surgir de lá e me recobrar as forças...

Força... Oh meu Deus, quantas coisas tinha de fazer ainda na minha sanidade!
Os meus planos, o interstício de trabalho sem lucro para saldar dívidas.
E agora? A paixão vem sem aviso, sem barulho, sem prenúncios.
Vem arrasando sem piedade, e quando nos arrebata,
não espera que nos equilibre e surfe-a como um esportista experiente.

Neste momento estou de pernas para o ar, mas por falar nisto,
pernas para o ar é uma marca desta paixão...

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