Açúcar

Foto de JGMOREIRA

SOUTAMÉRICA

SOUTAMÉRICA

Na América do Diabo
brilha a lua,
inocente e bela
sem saber que a espreitam
espanhóis e portugueses
somente por brilhar amarela.

Para trazer Deus aos silvícolas
urgem espadas, algemas, arcabuzes
bestas de todos os tipos.
Cortez, Pizarro e outras delas,
com a empunhadura em cruz
das lâminas afiadas
esfolam ouro nas peles que, dígnas,
postaram-se contra a fidalguia esparolada
dos cristãos que movem cruzadas
ocultando ouro na fé, esmeralda e muita prata.

Em busca do Eldorado
devastaram Potosí, Montezuma
Ouro Preto.
Venceu os índios o deslumbro,
não a força ou medo.

A América do demo propiciou,
com sua riqueza,
o requinte das realezas,
que se reerguessem reinos falidos
às custas do negro e do índio.

Contraste que emociona o esteta:
a morenez do índio
o negrume do preto
as pepitas amarelas
que guardava o chão
florindo sobre a terra
riqueza de aluvião.

América, açúcar preparando
ouro.
Negro cativo, índio massacrado,
ouro.
Ouro abrindo as portas do céu expansionista
financiando grandes conquistas.
Acumulado na matriz
gera empresas, centros urbanos
Hércules de potentíssimos neurônios
restando a América do abandono.

A América do inferno
Édem terrestre de outrora
esburacada, vazia, destripada,
assesta seus milhões de famintos
contra a América do sonho
que, herdeira protestante da crueldade cristã espanhola,
Escraviza, dizima, espezinha
impera, destrói e desola.

A América, herdeira de Espanha e Portugal,
ensarilha suas baionetas úmidas
arma seus soldados comerciantes
com desprezo por quem não lhe é igual.

Da América do sacrifício
ouve-se a voz do índio:
‘Pai de todos os pobres, de todos
os miseráveis e desvalidos,
ajudai-me a fugir de Tinta!’

Clama a voz no fundo da mina.
O pai de Todos não escuta clamores,
adormecido no seio Inca.
Mastigando coca, ouvindo tambores,
esqueceu-se dos irmãos da Mita.

‘Pai de todos os tortos, entrevados
e opressados nessa liça,
ajudai-me a fugir da Mina’’
Clama outra voz no céu de Tinta

Túpac Amaru, para falar aos índios,
necessita de língua, perdida em Wacaypata
necessita de sua cabeça, em Tinta
do braço direito, em Tungasuca
do esquerdo, em Carabaya
da perna esquerda, em Santa Rosa
da direita, em Livitaca.
Túpac quer seu tronco
lançado em cinzas no Watanay,
quer ouvir seus filhos, enviados
para o lado direito do Pai.
Amaru quer regressar à vida
para tirar de dentro da Mita
seus irmãos que clamam ajuda
contra a força que os executa.

Túpac Amaru, sentado no chão batido
de uma tribo no olvido das batalhas
chora em Potosi, Zacatecas, Guanajanauto,
Outo Preto, Colque, Porto, Andacaba, Huanchaca.
Cura as feridas gangrenadas
de Atahualpa, do Caribe, dos Maias,
Tenochtitlán, Cajamarca,
Cuzco, Cuauhtémoc, Guatemala.

Observa, com olhos sulfurados,
Colombo, Fernão Cortez, Pedro de Alvarado
Fere, com mágoa, a lembrança de Pizarro.

’Ó Pai de todos os mendigos,
inimigo dos dueños de la tierra,
ajudai-me a fugir dessa América!’
Gane uma voz no sétimo inferno da Mita
com os pulmões endurecidos de sílica

Túpac Amaru, sem lágrimas ou ferocidade,
abre seus braços de morto que dão a única fuga
abrigando, em sua redoma, os irmãos da Mita
que rapidamente ascendem aos céus de Tinta.

Os índios centro-sul americanos
acolhem-se na morte aos braços da liberdade

Foto de Carmen Lúcia

"Basta"

Que caiam todas as máscaras
Desnudem disfarces,propagandas enganosas,
Farsas impiedosas,que pintam de rosa
Um cenário incoerente,assaz reverente
À realidade cinzenta e incomplacente
De pseudos messias,doentes mentais,
Que defendem as guerras,injustiças sociais,
Como se fossem meros fenômenos naturais.
Digamos um basta à gana estratosférica
Ao que nos consome,à ambição homérica
E de caras e almas lavadas,
Nenhuma utopia,rasguemos o pano da hipocrisia;
Que as balas não são de festim,
O sangue que escorre não é de carmim...
As bombas são de explodir,não são de açúcar;não dá pra engolir!
As guerras não são de amor,tampouco boatos;são guerras de fato!
As vítimas não são virtuais,são todas reais,são todas fatais,
Às dores não há analgésico,nem mesmo anestésico;são dores mortais!

Quebremos o falso cenário,
Mundo visionário...De destruição!
queremos viver feito gente...
ajamos com garra,com alma decente,
com força no peito e raiva no jeito,
Paz no coração...Rumo à reconstrução!

Foto de M.Veríssimo

Esse amor que encontrei

I -

Esse amor que encontrei,
na forma subtil do teu corpo...
na subtileza das tuas formas,
na inspiração divina da tua alma
que absorvi em êxtase.

Deste-me a respirar
a tua essência nectarina
doce, afável
e na tua pele melódica
me transcendi,
limpo de mácula.

II -

Apaixonei-me, confesso...
quando finalmente descansei
no teu regaço...
quando a minha cabeça
acaricias-te, enquanto me
sussurravas ao ouvido as
palavras que te iam
na alma...
pura...!

Os deuses espelharam-se em ti...
perfeita...!

III -

Corremos então...
mão na mão, pela praia
da imaginação etérea
e fundida das nossas mentes,
pelos mundos que criámos
os dois, onde o meu horizonte
eras tu.

Mundo palpitante esse,
formado por arco-íris
de cores garridas, mares
de azul celestial, onde a
chuva era seca e morna,
e o tempo não existia.
O tempo éramos nós...

IV -

Poeticamente metamorfoseados
de juras, nos saboreámos
em algodão abrangente e doce,
desfeitos em pequenos
pedaços de açúcar
e mel, que provámos
ansiosos como crianças pequenas.

Endiabrados fomos então,
na fusão inequívoca
dos nossos invólucros
terrenos e humanos,
em plena descoberta mútua,
numa ânsia infinita pela
procura dos nosso eus.

V –

Encontrámo-nos enfim,
juntos em plena comunhão,
num sorriso aberto, escancarando
a porta da alma...
feliz e gracioso.

Penetrei-te os olhos e o que
vi lá dentro, foi exactamente
o que tu viste quando penetras-te
dentro dos meus,
amor, carinho e harmonia...!

Foto de Nora Enfyl

Amor?

O que é amor?
Eu nunca aprendi a amar.
Estou sozinha neste mundo,
Um peixe fora d'água,
Acredito que isso não seja para mim.

Eu já aprendi a viver com a solidão.
Vivo bem. Amor?
Pra que amor?
Essa palavra não tem definição para mim,
É como outra qualquer
Não sinto nada quando leio poemas de amor
E os de paixão então... não dou a mínima importância.
Quando leio os textos eróticos, não sinto nada além de náusea.

A vida tem sido justa comigo,
Mas o amor não.
Talvez isso não esteja no meu destino,
É uma fora de órbita,
De quinta dimensão.
Amor é uma coisa chata...
Aprendi isso quando me apaixonei
Hoje eu nem ligo.
Quero que se dane.
Não é à toa que não gosto de filmes de romance,
"São mamão com açúcar demais!" - digo.

Gosto de ser assim,
Meio fria, meio estranha
Assim eu não deixo que o amor
Me atrapalhe
Eu nunca aprendi a amar.
Estou sozinha neste mundo,
Um peixe fora d'água,
Acredito que isso não seja para mim.

Foto de Karine K.

Julieta

Julieta

É doce o veneno que escorre
boca à face
extasiando o corpo
um veludo acetinado
eriçado pelo contagio

eu vi os dentes passearem
acariciando o lábio molhado
déjà vu de um ato condenado
e é assim que aprisiono o medo para mim

a flor rubra é mais rubra
queimada com açúcar
o que faz a vereda o caminho mais curto
para a imensidão dos desejos desalmados.

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